“Que a depressão é a doença do século XXI muita gente já sabe, mas o número de atletas de alto rendimento que vem apresentando os sintomas da doença é algo que tem surpreendido e gerado preocupação.”

No ano passado tivemos um dos maiores exemplos dessa situação no mountain bike. A sueca Jenny Rissveds, na época com 23 anos de idade e campeã olímpica de MTB dos Jogos Rio 2016, anunciou que estava se afastando do esporte. Ela chegou a publicar em uma de suas redes socias uma nota sobre o que estava acontecendo:

“Tudo correu tão rápido. De nenhuma experiência à vitórias na Copa do Mundo, campeã mundial e campeã olímpica. Em combinação de certas circunstâncias e muita pressão, eu me perdi… Tudo começou no início de 2016 e de alguma forma eu consegui juntar tudo… No inverno passado, todo o meu sistema estava exausto demais para ficar fora da cama por dias. Os dias se tornaram semanas. Em novembro de 2017, percebi que tinha que parar de empurrá-lo. Desde então eu tenho dormido por dias e noites, me ativo o mínimo possível e tem sido uma espécie de vida no dia-a-dia. Minha rotina diária tem sido uma caminhada por dia e eu me obriguei, mesmo em dias realmente ruins, a sair pela porta.“

“Em combinação de certas circunstâncias e muita pressão, eu me perdi…”

Jenny Rissveds © Jochen Haar

Isso mostra como o esporte pode ser uma “ faca de dois gumes”; se por um lado é usado por diversas pessoas como uma ferramenta para se livrar da doença, quando viramos o jogo para o lado profissional, a coisa pode mudar.

Para falar melhor sobre esse assunto, conversamos com a estudante de psicologia Marina Rocha, que explica que, segundo Eliane Jany Barbanti, Coordenadora do NUPSEA CEPE – USP, “a depressão é uma doença ‘do organismo como um todo’, que compromete o físico, o humor e, em consequência, o pensamento. A depressão altera a maneira como a pessoa vê o mundo e sente a realidade, entende as coisas, manifesta emoções, sente a disposição e o prazer com a vida. Ela afeta a forma como a pessoa se alimenta e dorme, como se sente em relação a si própria e como pensa sobre as coisas. A depressão é, portanto, uma doença afetiva ou do humor, não é simplesmente estar na “fossa” ou com “baixo astral” passageiro, que se caracterizam quando os sintomas perduram por no mínimo duas semanas. Também não é sinal de fraqueza, de falta de pensamentos positivos ou uma condição que possa ser superada apenas pela força de vontade ou com esforço. As pessoas com doença depressiva (estima-se que 17% das pessoas adultas sofram de uma doença depressiva em algum período da vida) não podem, simplesmente, melhorar por conta própria e através dos pensamentos positivos, conhecendo pessoas novas, viajando, passeando ou tirando férias. Sem tratamento, os sintomas podem durar semanas, meses ou anos”.  E afirma que, “as causas mais comuns da depressão nos atletas são: personalidade do atleta, ansiedade, baixa autoestima, fracasso, lesão física, mudanças de comportamento, autocobrança, problemas afetivos; perda de prestígio ou da posição de titular e baixo rendimento”

Pode-se concluir com os estudos, de maneira geral, que, levando em conta os aspectos individuais e situacionais, os atletas de alto rendimento podem por muitas vezes, cobrar de si performances muito difíceis de serem alcançadas e que fogem de seus limites orgânicos e psicológicos, levando assim, a um nível de estresse grande e em alguns casos a um quadro depressivo.

“Isso torna bastante importante o acompanhamento psicológico de atletas de alto rendimento. No aspecto citado da vida que um atleta leva, levando em conta todas as adversidades que encontra, e também todo o estilo de vida para dar conta de seus resultados, é imprescindível que haja acompanhamento psicológico, não só para esse atleta, mas para toda a equipe com a qual este trabalha. O acompanhamento psicológico dá ao atleta a possibilidade de rever comportamentos que julga atrapalhar seu rendimento e relacionamento com os colegas, bem como criar estratégias para lidar com a ansiedade, stress, raiva, angústia, entre outros. Um profissional da área do esporte é especializado em lidar com essas e muitas outras questões que abrangem o cotidiano desse atleta e de sua equipe. É importante também para que este profissional possa dar um olhar específico e individualizado, conduzindo o atleta para melhores resultados e relacionamento consigo mesmo e com todos que o rodeiam”, afirma Rocha.

Para Pedro Lage, atleta de mountain bike e representante da equipe Caloi Avancini Team, que compete profissionalmente desde os 15 anos, o grande ponto do treinamento psicológico pré-competição é aprender a ter clareza no que deve ser realizado dentro das pistas. Deixar o medo, insegurança e dúvidas fora da jogada e conseguir cumprir com eficiência todas as “pequenas missões” que devem ser realizadas para conseguir um bom resultado. Quando se refere a “pequenas missões”, Pedro quer dizer que na sua atual fase como atleta, larga em uma competição muito mais focado em realizar os conceitos que aplica no treinamento do que no resultado final em si; se ele realizar tudo, um bom resultado é consequência. E nesse aspecto, estar acompanhado de um psicólogo facilita bastante o processo.

Pedro Lage © Hudson Malta

O que torna mais difícil a procura de ajuda em casos relacionados aos atletas, é o fato de muitas vezes, eles serem vistos como exemplos de saúde e bem-estar. Nesse momento é importante o apoio da família, amigos e equipe.

Segundo Marina Rocha “Todos os estereótipos que são encaixados em qualquer pessoa são ruins, pois limitam de certa forma a maneira como as pessoas olham para aquela pessoa ou situação, e com isso, a maneira como a própria pessoa passa a se enxergar e se cobrar.

Acredito que os atletas de alto rendimento já se cobram bastante, no sentido de que precisam estar sempre bem fisicamente para conseguir realizar suas metas e conquistas, e com isso, muitos têm vergonha ou não sabem lidar muito bem com as questões que confundem, afligem e fazem com que o corpo não responda tão bem, já que a mente também precisa estar saudável. É importante ressaltar isso, porque todos nós, seres humanos, possuímos questões difíceis de serem compreendidas muitas vezes, que fazem com que nos sintamos “sozinhos” naquele sentimento. É normal e é ótimo pedir ajuda.

” É normal e é ótimo pedir ajuda. A família, amigos e uma equipe bem estruturada são fundamentais “

A família, amigos e uma equipe bem estruturada são fundamentais para que o atleta se sinta acolhido em seus sentimentos e saiba que pode contar com essas pessoas para lidar com as questões que não consegue trabalhar consigo mesmo naquele momento específico”, explica Marina.

Depressão é coisa séria, e como já dito nessa matéria, a pessoa identificada com essa doença (independentemente de ser atleta profissional, amador ou apenas amante do esporte) deve procurar ajuda médica.

E se você conhece alguém que mostre os sintomas de doenças depressivas, converse com essa pessoa e mostre as possibilidades de ajuda, pois nesse momento todo apoio é fundamental.