Conheci a infraestrutura ciclística impecável dos arredores da Califórnia e ainda pude assistir o brasileiro Felipe Toledo ser campeão do campeonato mundial de surf em San Clemente, Trestles.

O sul da Califórnia, mais precisamente o entorno de Los Angeles (emblematicamente conhecido como LA), sempre foi local de vanguarda, paraíso de gente bonita e saudável onde dita-se tanto moda quanto estilo de vida. Produtos e comportamentos são lançados, automaticamente absorvidos e difundidos pela indústria do cinema que tem sua sede logo ali ao lado, em Hollywood. Ela trata de divulgar e espalhar para o mundo este modo de vida tão admirado em todos os cantos do planeta.

Foi assim com o surf (nascido no Hawaii, mas popularizado através da Califórnia), o skate e o próprio mountain bike. Este também surgiu na Califórnia, um pouco mais ao norte no paraíso das montanhas e das sequoias, onde figuras lendárias como o Gary Fischer adaptaram suas bikes para que pudessem pedalar e descer as trilhas das montanhas, iniciando um processo jamais visto de evolução das “magrelas”.

Foi neste local, onde anos atrás tive oportunidade de morar e me familiarizar com a língua e cultura, e hoje em dia, com a oportunidade de ter um filho residindo e estudando cinema por lá pela “Southern California”, que decidi passar um mês de férias me “jogando” nas trilhas, pedaladas urbanas e ainda fazendo, de quebra, uma espécie de cicloturismo.

© Sérgio Novis

Para este projeto, como resido em Maceió, o primeiro passo foi comprar uma outra bike e deixá-la residindo por lá, pra fugir de todo tipo de cobrança abusiva de algumas companhias aéreas quando, em voos internacionais, se transporta volumes grandes, podendo ser obrigado a pagar até U$ 150,00 por cada trecho. Além disso, a ideia era de também fugir de perrengues que a receita federal nos impõe com seus impostos extorsivos na entrada no nosso país, sobre um produto que é para uso próprio, prática de esporte, sem nenhuma intenção de venda ou lucro.

Quando você viaja saindo do Brasil com uma bike importada, se não tiver o cuidado de levar a nota fiscal, por mais usada que ela esteja, ainda corre o risco de ser taxado novamente como importador. Como tenho intenção de evoluir e repetir esta aventura diversas vezes, a opção de ter uma bike minha lá nos EUA me pareceu mais econômica e inteligente.

O brasileiro Felipe Toledo comemora a vitória no campeonato mundial de surf em San Clement, Trestles. © Sérgio Novis

Impressionado com o que vi e vivenciei por lá, decidi compartilhar um pouco com os leitores desta revista que, de maneira muito apropriada, aborda a bicicleta em diversas nuances, estilos e como um modo de vida alternativo. Tudo a ver com o que encontrei no sul da “Califa” durante esta minha temporada.

Logo de início, com a ajuda de alguns sites na internet e do meu inseparável GPS Garmim Etrex 30, sabendo que Los Angeles, Santa Monica e Malibú, mesmo estando no litoral, são rodeadas de parques florestais (California State Parks) nos topos e por entre as montanhas, resolvi desbravá-las e criar o meu próprio cardápio de trilhas.

Encontrei um playground de singletracks infinitos que se interligam num curioso emaranhado por entre as diversas serras, com muita subida e consequentemente downhills intermináveis, uns mais técnicos e outros mais tranquilos. Da mesma maneira, encontrei “fire roads” que são estradões de barro em perfeito estado de conservação (nenhuma surpresa para um local com baixíssimo índice de chuvas), abertos nas montanhas para dar acesso a equipes de bombeiros em ocorrências comuns como os grandes incêndios florestais que acontecem por lá, alimentados pelo ar e vegetação muito secos. Como tudo nos EUA obedece normas e regulamentações, tive a boa surpresa de saber que era permitido se pedalar neste tipo de trilha, embora a finalidade inicial destas não fosse o lazer.

As opções de entrar e sair das trilhas são inúmeras e posso dizer que numa mesma cadeia de montanhas é possível se pedalar um mês sem que se repita o mesmo trajeto do começo ao fim. © Sérgio Novis

Tudo isto em locais de natureza intocada, muito bem preservada e com a enorme cidade de Los Angeles bem aos seus pés. Uma vista privilegiada que nenhum turista mais conservador jamais irá ter, sendo que muitos residentes de LA nem sequer sabem da existência destes locais. As opções de entrar e sair das trilhas são inúmeras e posso dizer que numa mesma cadeia de montanhas é possível se pedalar um mês sem que se repita o mesmo trajeto do começo ao fim.

A diversão é garantida do momento em que se sai pedalando de casa, pois o acesso à região mais montanhosa é pelas praias, com suas impecáveis, organizadas e bem sinalizadas ciclovias construídas no meio da praia, na larga faixa de areia de Venice Beach e Santa Mônica.

Nestes locais, você pode sentir com força a “vibe” californiana, com centenas de pessoas correndo, se exercitando, andando de skate, patins, bikes convencionais, elétricas, estradeiras, fat bikes, beach bikes, mountain bikes, e outras novidades de duas rodas ou mais rodas que nem saberia classificar (bikes que deslizam sem ajuda de pedais, triciclos onde os pedais ficam acima do selim, bikes que puxam trollers com bebês, cachorros e até os pertences de alguns “homeless”).

Nos arredores da Califórnia, a estrutura ciclística é fantástica. © Sérgio Novis

Tudo isto por entre as praias ensolaradas e de temperaturas amenas, com muita harmonia e um democrático espaço para todos poderem usufruir. Pessoas, sejam elas turistas e residentes, das mais variadas etnias, origens, línguas e estilos fazem desta ciclovia por si só uma pedalada muito interessante. Parar pra se tomar um sorvete ou uma cerveja gelada nos inúmeros bares e cafés do calçadão, apenas observando o que acontece a sua volta, já é uma experiência inesquecível.

Nas imediações de Santa Mônica além do emblemático Píer com sua roda gigante, pude também constatar a existência do pequeno e simplório Hotel Califórnia, aquele mesmo da música tão famosa do grupo Eagles nos idos de 1973. Para os menos aventureiros, que não tenham intenção ou tempo de ir às montanhas para uma sessão de MTB, estando numa viagem mais tradicional, existem vários pontos de aluguel de bicicletas ao longo deste calçadão e esta experiência de pedalar por ele é realmente imperdível.

Curioso é também observar a sinalização ao longo da ciclovia, que nos locais mais movimentados separa a área de bikes da área de pedestres, skatistas e afins e em outros, um pouco mais vazios, estimula a boa convivência entre eles numa única faixa disponível para todas as modalidades, onde um pouco de respeito, cautela e atenção redobrada ajuda a evitar acidentes.

© Sérgio Novis

Em locais de acesso à ciclovia, ou onde esta porventura cruze com ruas, é comum também a sinalização e semáforo exclusivo para bikes, mas nem toda esta organização me poupou de ver algumas “ghost bikes” em alguns locais homenageando seus infortunados proprietários que se foram em acidentes ciclísticos, inclusive uma que relatava um acidente fatal entre duas bikes (este é o cúmulo da má sorte, eu pensei).

A diversão é garantida do momento em que se sai pedalando de casa, pois o acesso à região mais montanhosa é pelas praias, com suas impecáveis, organizadas e bem sinalizadas ciclovias construídas no meio da praia…

Tragédias à parte, com a devida cautela, me parece muitíssimo seguro se pedalar nesta região repleta de ciclovias, ciclofaixas, sinalização apropriada e um respeito maior aos ciclistas por parte dos motoristas, nem que seja pela severidade da aplicação da lei, que é o que me parece que falta aqui no nosso país. Além disto não temos a preocupação de termos nossa bike tomada sob a mira de um revólver, faca ou algo do tipo, modalidade que, infelizmente, tem crescido muito junto com a escalada de violência desenfreada no nosso país, e afeta diretamente o cicloturismo e o planejamento das nossas viagens sobre uma bike.

© Sérgio Novis

Talvez por isto, mesmo estando sozinho, me enchi de ânimo e disposição e quando estava havendo o campeonato mundial de surf em San Clemente, Trestles (WQS Oakley Lower Pro), aquele que mais uma vez foi vencido por um brasileiro, o Felipe Toledo, resolvi pedalar os 140 km que separam a cidade sede deste evento de Los Angeles, para assistir este campeonato que reuniu ícones do surf, outro esporte que pratico. Logo me deparei com uma estrutura fantástica de ciclovias pelas praias, na maioria das cidades costeiras, ciclofaixas nas ruas adjacentes e a Pacific 1, que é uma antiga e famosa rodovia costeira totalmente pedalável e sinalizada para este fim.

São tantas as opções seguras que diria que esta viagem pode até ser realizada por qualquer pessoa que tenha a mínima condição de pedalar longas distâncias.

Optei por fazer o caminho mais panorâmico, entrando em cada cidadezinha costeira, mesmo que aumentasse um pouco a minha rota, visitando e fotografando os locais mais pitorescos que ia encontrando pelo caminho e fazendo o que mais gosto quando estou em cima de uma bike, que é dar mais importância ao caminho do que ao destino, esquecendo do tempo e deixando ele passar sem maiores preocupações.

Logo na saída de LA, via Marina Del Rey, a beleza das marinas repletas de barcos e veleiros já me impuseram um ritmo mais lento para poder curtir toda aquela beleza e, depois, a passagem por um túnel debaixo das pistas de pouso do LAX (Los Angeles Internacional Airport) foi uma experiência ímpar, com todos aqueles jatos se aproximando para aterrissar numa interminável fileira que de longe se avista, todo aquele barulho deles passando a poucos metros por cima de você. Uauuuhhh!

© Sérgio Novis

No caminho de retorno, alguns dias depois descobri outra opção de ciclovia pela areia da praia, que ao contrário do túnel que passa debaixo da pista mais usada para pouso, fica no prolongamento da decolagem dos grandes jatos internacionais. Ambos os percursos foram de grande interesse para mim, um piloto que até hoje é apaixonado por aviões e nunca se cansa de vê-los pousar e decolar.

De Los Angeles a San Clemente várias foram as praias e localidades que visitei no meu percurso. Vale citar, na ordem do trajeto de ida, El Porto, El Segundo, Manhattan Beach, Seal Beach, Redondo Beach, a bela Long Island com o navio museu ‘Queen Mary” (quase irmão de época do Titanic e que já foi o maior navio do mundo), aportado nesta localidade e aberto à visitação.

Depois ainda passei por Huntington Beach (local também sede de um mundial de surf do World Tour), Newport Beach, Balboa Island, Laguna Beach, Crystal Cove, Dana Point e finalmente San Clemente, onde cheguei às 20 h, logo após o pôr-do-sol. Tudo isto debaixo de um dia ensolarado, com ótima temperatura de primavera, em torno de 22 °C, perfeito para uma pedalada longa que em outras condições poderia ter sido muito mais desgastante. Certamente, a primavera e o outono são mais propícios para este tipo de aventura pela ausência de temperaturas extremas (frio ou calor) nesta região.

A estrutura e condição do sul da Califórnia foi tão acima das minhas expectativas que, como fundador de um grupo de pedaladas na cidade em que resido, Maceió – AL (vide matéria Trilhas de Alagoas, da Revista Bicicleta edição 52 – junho/2015), o Singletrack Adventures, em vias de lançar uma programação cicloturística integrando várias cidades e ecossistemas do nosso estado, passei também a vislumbrar uma operação internacional ao levar para as trilhas californianas pessoas que tenham o espírito aventureiro de vivenciar fantásticas pedaladas como as que prospectei.