Quando posso, me retiro pras praias do norte fugindo das pedras da grande cidade.

Por lá temos um canto onde mais Marylene nos aquietamos pra ouvir o vento, ver o céu e sentir o mar.

Levo sempre minha bike pra trilhar, no mais das vezes só, pelos caminhos, sendas, passagens e estradas que vou descobrindo conversando aqui e ali com os caiçaras e nativos. Assim fiz nos estertores de 2013 até o nascer do ano agora.

Há por lá um caminho que vai deixando pra trás o asfalto, as casas, as pessoas e vai se embrenhando morro, mata, pedras e terra acima. É duro de domar e eu só o desafio quando me sinto forte de corpo e alma e preciso estar só pras minhas conversas comigo mesmo que só são ouvidas pela surdez da minha bike.  O caminho termina no alto de um promontório, onde à beira de um penhasco se agarra um pequeno farol. Lá em baixo, a imensidão do Atlântico.

Nas poucas vezes que vou por lá, me sento no fim do caminho à sombra de um frondoso jequitibá, tendo a vista do farol, pra descansar o suficiente e encarar a volta, tão cansativa, ou mais, que a ida. À frente, um portão e muros altos deixam entrever partes de uma casa que se deduz bonita, altiva, distinta, isolada e só. É a última casa de um pequeno condomínio que termina ali. Ficava imaginando quem lá se refugiaria, naquela bucólica solidão e imensa paz.

Pouco antes do Natal, saí pedalando sem destino. O vento sul me chamou pro norte, me deixei, fui pro farol. Cheguei bem, descansei a magrela e me sentei à sombra. O imenso portão se abriu e por ele saiu uma figura simpática que logo me viu e dirigiu o olhar curioso.

– quer água?

A água da minha Camel acabara e a da caramanhola estava pela metade.

– quero!

A partir daí a conversa fluiu espontânea, alegre e solta, como desconhecidos velhos amigos.

Observações, ideias, visões, conceitos, sorrisos largos, como se pauta combinada e ensaiada houvesse.

– o que você faz na vida além de pedalar ?

– sou artista, publicitário…

– cara! Sou artista também! O seu nome?

– Otoni Gali …

– não! Eu te conheço!…

– e o seu?

– Carlos Araújo…

– não! Mais te conheço eu!!!! Você não está na Itália a serviço do Vaticano e do governo italiano?

– Psiu!!! Dei uma fugida pro Brasil…

A conversa cresceu e nos lembramos de 35/40 anos atrás quando nos conhecemos no ateliê do Élcio, na Francisco Leitão onde, juntamente com Renina Katz, Iglesias, Maria Bonomi, Guilherme de Faria, Darel, Fang, Gilberto Salvador, Tomie Ohtake e muitos outros, confidenciávamos nossas histórias e criávamos nossas litografias. Relembrou até de conversas que tivemos enquanto desenhávamos na pedra calcária o que seria tratado, prensado e eternizado em papel de algodão. Conversamos certa vez sobre o sopro Divino…disse. Papo de artistas…

Descansado e renascido pela energia que ali surgiu, na presença de um dos maiores artistas da arte contemporânea, após conhecer sua esposa Ana e seus filhos, retomei a bike e trilhei a volta.

Chegando no meu canto, encostei a magrela e a agradeci pelo presente recebido, sem olhar no cateye, pois ele jamais conseguiria marcar o quanto e para onde viajamos naquele dia.

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