Oficialmente, o inventor do Mountain Bike, ou seja, da bicicleta de montanha, foi o americano James Finley Scott, que em 1953 resolveu modificar a sua bike Schwinn para andar em estradas de terra. Tempos depois, uma turma de hippies comandada por Tom Ritchey e Gary Fisher, resolveu pegar suas bikes pesadonas e descer montanha abaixo em uma fazenda na Califórnia. Mas os verdadeiros criadores do Mountain Bike nunca foram americanos e sim brasileiros, isto mesmo, brazucas!

Em um sábado chuvoso, eu estava pesquisando num sebo de livros da cidade quando me deparei com um manuscrito, já todo amarelado, sem capa, mas ainda com letras bem legíveis. Este livro, de autor desconhecido, era na verdade um diário pessoal, datado de 12 de abril de 1951. Um diário escrito por um funcionário de telégrafo, no sertão brasileiro. Veja alguns trechos deste diário.

Santa Clara, Abril de 1951.

Estavam todos reunidos na feira, hoje à tarde, lá em frente a barraca de Mané Cem – aquele magarefe que matou o Boi do Bego. Boi maruás, de umbigueira baixa que pesava para mais de 25 arrobas, parados debaixo de um pé de Juá, cavalos e um monte de burro empinador. Todo mundo de prosa, falando da aposta e de quem será o vencedor da aposta de chegar primeiro montado lá do outro lado do Pé de Serra, subindo os Morros dos Coiteiros. O prêmio era um galo de briga de Chico da Rinha que estava passando o terreiro e, para comemorar, botou um galo da casa na disputa.

Eram pelo menos doze candidatos. Todos já sobre suas celas com chapéu e esporas estrelinha. Do outro lado se via a meninada reunida fazendo a maior zoeira, cercados com porcos, carneiros e o resto das verduras do final da feira. Estava o velho Mané Cem se preparando para dar o sinal da partida quando, do nada, apareceu um cabra escuro, parecendo índio Kiriri, corpo parecendo uma tora de Aroeira e cabelo de melaço de Umbu. Só podia ser um índio. Chegou e foi logo dizendo: “quero participar desta apostada. Não tenho burro mas tenho esta moça aqui”.

Todo mundo riu quando ele apontou para a bicicleta. Até então, bicicleta era usada somente para ir à missa no domingo e nada mais. Objeto considerado frágil e de seminarista. Ninguém queria saber de trocar seu bicho de quatro patas por um negócio de duas rodas balão. Mané Cem se aproximou do caboclo e foi falando: “se é de rocha mesmo, quero ver subir com este troço o morro sem apear!”. O índio alinhou sua bicicleta com a tropa enquanto Mané foi logo pegar o rojão para dar a largada da peleja. Se ouviu um estouro e saiu todo mundo escabriado, picado pelas ruas de Santa Clara. Enquanto a espora comia no centro, dando para ver o sangue descer nas barrigueiras dos animais, o índio caboclo estava lá trás com sua donzela amargurada, a bichinha de duas rodas.

Foi sair da cidade e pegaram as trilhas que levava ao Pé de Serra, passando nas lagoas do Urubus e só se via poeira. Na beira do rego tinha a vala do mata cobra e depois daí começou a subida do Morro. Na frente ia o burro Pitomba, montado pelo vaqueiro Peroba, um amansador de burro bravo, preto feito rolo de fumo com uma marca no rosto, herança do bicho treiteiro. Lá de baixo a gente via a fileira da tropa subindo a serra. Foi nessa hora que o índio apareceu do nada e, socando o pé, pedalando mais forte que dois bois de arrasto, foi ganhando posição. Já chegando no topo da serra, o índio se encontrava em segundo e na virada para descida pegou a dianteira.

Enquanto os animais espumavam uma pasta branca, mostrando cansaço, o índio parecia encantado e descia a toda prova já do outro lado morro abaixo, em um Downhill alucinante. Chegou em primeiro e ainda esperou muito tempo pelo segundo. No final do dia, de volta para a cidade, teve muita cachaça e farofa de carne e, enquanto todo mundo comemorava, o índio caboclo já cortava trecho pra casa abraçado com o seu prêmio: o galo pedrês.