Era um desses sábados cheios de compromissos. Manhã ensolarada. Caminhava triste pela calçada quando uma visão me tirou de um transe para colocar em outro, bem mais suave.

Uma ponte. Caminhávamos pelo mesmo local. Eu de um lado e ele do outro. Eram dois meninos, apenas um carregava algo que me elevou o–––s pensamentos e me vi parada em meio à multidão observando a cena. O menino carregava nos braços uma Monark zerinho, daquelas
de dar inveja a outros garotos da sua idade e suas condições financeiras. Fiquei ali por não sei quanto tempo apenas olhando e procurando uma explicação para o fato de ele não estar pedalando e sim carregando a bicicleta.

Instantaneamente, fui transportada para a velha poltrona lá da sala, quando imaginava ter a minha “magrela”… Quantos planos eu fiz naquela velha sala, diante da televisão ainda sem cores…

Confesso que as cores eram tantas em meus pensamentos e desejos, que até combinava com
o cinza da “caixa falante”.

Até poder comprar a minha bicicleta vermelha demorou muito tempo. Namorei muitos modelos, cores, formas, desenhos, imagens…
Olhando aquele menino, lembrei-me que também eu muitas vezes carreguei minha vermelhinha nos braços, quando o terreno não permitia que ela me carregasse… Tempos tão vivos na memória, no coração, na emoção e no corpo, algumas marcas de umas quedas aqui e ali… Foi
com aquela vermelhinha que comecei minha carreira, mais tarde seria retirada de mim e nunca
mais a veria…

Em uma manhã com sol brilhante, o que faria um menino carregar nos braços sua Monark?

Irresistível foi a minha curiosidade em obter essa resposta. Só que quando me dei conta do tempo e de minhas divagações, o menino já tinha saído da ponte e ia apressado distante de mim… Sem pensar duas vezes, saí correndo atrás dele e puxei conversa. Depois de
passado o susto de uma maluca correndo atrás dele é que pude entender seus motivos para carregar aquela Monark, adivinhe? Vermelha!
Aquele menino conseguira, depois de muitas economias e uma ajudinha da madrinha, adquirir sua bicicleta. A emoção era tanta, que o brilho dos olhos dele se confundia com o brilho do sol. Ele decidiu levar sua Monark nos braços para curtir cada momento daquela conquista.

Queria estrear sua “magrela” na rua de casa, precisava dividir aquela alegria com os amigos, os vizinhos. Compartilhar a sua felicidade era
tudo o que ele desejava, além de fazer planos de viagens futuras, conhecer outros lugares… Preferi não atrapalhar mais seu momento
único…

Pedi-lhe um abraço e voltei aos meus compromissos, só que agora um novo dia amanhecia para mim…