Nas últimas décadas a indústria de bicicletas investiu alto em tecnologias que permitem um melhor desempenho dos ciclistas em geral, desde ciclistas urbanos a atletas de alta performance.

Atualmente é possível adquirir equipamentos confeccionados em fibra de carbono, freios hidráulicos, suspensões a ar e “inteligentes” (que se ajustam ao terreno automaticamente), sistema de troca de marchas eletrônico, medidores de potência, ciclocomputadores interligados a GPS e por aí vai…

O fato desses equipamentos terem se tornado populares no mercado permitiu que pessoas comuns façam um uso mais eficiente das bicicletas, seja percorrendo maiores distâncias ou imprimindo uma maior velocidade média ou os dois juntos.

Dentro dessa evolução tecnológica, muitos ciclistas observam que tão importante quanto ter um bom equipamento, é ter a certeza de que a bicicleta está literalmente “ajustada”, “vestida” ao seu corpo de modo a proporcionar o melhor conforto na bike, evitando dores e lesões. Outro ponto importante é se certificar que a energia aplicada pelo ciclista está sendo convertida em deslocamento, sem desperdício de força e economizando o movimento.

“O grande diferencial dessa tecnologia é a avaliação em tempo real da dinâmica do posicionamento do ciclista na bike e de maneira tridimensional. Dessa forma, a bike literalmente se veste ao corpo do atleta.”

No mundo todo, atletas começam a modificar os ajustes, distâncias e comprimentos das suas bikes em busca da tríade: “conforto, força e eficiência”. No início essas modificações eram feitas de maneira empírica por meio da tentativa e erro, pautados na percepção e sensibilidade do atleta. Não demorou muito para que os grandes centros de pesquisa esportiva iniciassem seus trabalhos de estudo na análise do movimento do ciclista. Foram muitos protocolos sugeridos por meio dessas pesquisas para ajustar os ciclistas na bike.

Quando o assunto é Bike Fit, vários centros passaram a se destacar ao redor do mundo: Serotta International Cycling Institute (SICI), Slowtwitch, Bike Fit, BikeFitting, Guru, Retül, GeoBiomized, Fit4Bike, entre outros.

Até então, as avaliações eram realizadas de maneira estática. As pesquisas então direcionam para a análise em movimento por meio de filmagens. Mas mesmo estando em movimento, no momento da análise o vídeo era pausado para avaliar a posição do ciclista.

Foi então que a incorporação da informática permitiu a análise do ciclista durante a pedalada em rolo de treinamento indoor. O ciclista pedala e por meio de diferentes metodologias, seus ângulos de extensão e flexão, bem como as distâncias entre seus pontos anatômicos são mensurados.

Não temos dúvida de que o grande diferencial dessa tecnologia (3D) é a avaliação em tempo real da dinâmica do posicionamento do ciclista na bike e de maneira tridimensional. Dessa forma, a bike literalmente se veste ao corpo do atleta.

© Jens Herrndorff – retul.com

Um dos maiores erros é tentar ajustar o corpo do ciclista à bike. O Bike Fit nada mais é que o ajuste da bike ao corpo do ciclista, respeitando suas particularidades. Caso o ciclista apresente alguma assimetria antropométrica, fisiológica/funcional, o mesmo deve ser encaminhado a um especialista para tratamento, sendo futuramente reposicionado na bike.

© Jens Herrndorff – retul.com

Como qualquer conhecimento produzido, a tendência é que essa ciência caia no senso comum. Atualmente, esses sistemas 3D começam a ser comercializados como ferramenta para Bike Fit associados a grandes fabricantes de bicicletas, sendo que em algumas delas, o sistema opera em modo Wizard, permitindo que qualquer pessoa realize o Bike Fit sem que exija qualquer conhecimento específico do profissional, como se fosse um aplicativo de smartphone.

Um bom Bike Fit precisa ser acompanhado de uma boa anamnese e uma boa avaliação física, não somente para preencher protocolos, mas sim para que, de posse dessas informações, o Bike Fitter, devidamente formado, consiga ajustar a bike ao corpo do atleta.

A grande tendência é que, a exemplo do que já acontece em alguns países, as lojas comecem a adquirir esses equipamentos e oferecer esses serviços aos seus clientes como um produto agregado. Acontece que o equipamento por si só não faz nenhum milagre. Assim como uma boa serra tico-tico não faz de qualquer pessoa um bom marceneiro e nem a aquisição de um Fórmula 1 não vai fazer de você um corredor do circuito mundial. Os aparelhos de Bike Fit 3D só têm utilidade quando operados, manuseados e interpretados por alguém que seja devidamente preparado para isso.

Como identificar um bom serviço de Bike Fit?

O primeiro passo é identificar se o Bike Fitter possui formação na área da saúde. Muitas pessoas esquecem que a bike está sendo ajustada apenas como um caminho, para reposicionar o corpo do ciclista. Mas no final quem sofre as consequências do ajuste é o corpo do ciclista. Somente um profissional da área de saúde terá cursado disciplinas como anatomia, fisiologia, cinesiologia, biomecânica etc.

© Jens Herrndorff – retul.com

Outro ponto importante é verificar se esse profissional possui registro profissional para atuar como Bike Fitter. Não é raro vermos a figura do “ajustador de bicicleta” relacionada a alguém que trabalha em oficina de bicicleta, ou é/foi competidor, ou dono de loja, ou pessoa influente no ciclismo. Nada disso é suficiente para trabalhar com Bike Fit. Não que esses valores não agreguem ao profissional, mas formação e conhecimento técnico/científico são fundamentais.

O que vem preocupando é que muitos protocolos são criados e destinados a pessoas que nem sequer sabem a diferença entre um músculo e um ligamento, nunca estudaram ao menos uma Biologia Celular ou mesmo uma Citologia Básica. Ficam presos a padrões de cores, onde por exemplo palmilhas de diferentes cores são destinadas a diferentes tipos de pisada, sem nem ao menos saber o que é uma pisada pronada, neutra ou supinada.

E já que tocamos nesse ponto, o maior objetivo do Bike Fit é ajustar a bike, nunca se esqueça disso. No momento em que o objetivo passa a ser ajustar o ciclista, o processo vai se tornando mais específico. Por exemplo, se um ciclista possui uma pisada pronada, associada a um encurtamento muscular e como consequência seu joelho passa muito longe do quadro, qual o problema em esse cliente pedalar assim se não lhe causa prejuízo algum?

Se um ciclista apresenta diferença no comprimento das pernas e seu corpo já está adaptado a essa especificidade e isso não lhe causa prejuízo, uma vez que o corpo “aprendeu” a compensar essa diferença modificando o ângulo do tornozelo, por exemplo, qual o problema?

© Jens Herrndorff – retul.com

O problema é, muitas vezes, modificar esses ângulos de posicionamento. Em um primeiro momento o atleta até pode aumentar alguns watts de potência, mas a longo prazo pode causar lesões de alta gravidade. Somente um profissional com formação adequada para saber quando tratar a origem do problema e quando tratar o problema.

Sendo assim, reforço que equipamento por si só não faz milagre algum.

É muito importante saber se o profissional cursou uma faculdade na área de biomédicas com ênfase na área de saúde. Se estudou disciplinas fundamentais para o bom entendimento da anatomia, morfologia e cinética musculoesquelética. Se o curso que ele realizou de Bike Fit é isento de interesses comerciais em vendas de bicicletas e seus componentes.

Portanto, quando for fazer um Bike Fit, pense bem! Pense, não apenas em alguns segundos a mais que deseja obter, mas, em seu corpo, sua saúde – faça a escolha certa!