Dentro do competitivo mercado globalizado, todos procuram uma maneira de se diferenciar, ou seja, oferecer um serviço que ninguém oferece ou oferecer um serviço com tamanha qualidade que nenhum outro concorrente consiga oferecer.

Nos últimos anos, com o aumento do poder aquisitivo, os brasileiros têm investido cada vez mais em qualidade de vida. As academias estão lotadas, os estúdios pilates conquistaram seu espaço, os parques e as ruas cheios de pessoas praticando “running”, e como não podia ser diferente, as bikes também tiveram seu “boom” de mercado.

O aumento do poder aquisitivo, juntamente com a busca de uma melhor qualidade de vida, fez com que as pessoas relembrassem do grande prazer que tinham em pedalar na infância, mas muitas vezes, limitados a bicicletas simples e sonhando com as grandes marcas/modelos do mercado. Agora com a vida financeira organizada e vendo o grande número de pessoas pedalando, essas mesmas pessoas voltam para realizar aquele velho sonho de ter uma “boa bike” e junto arrasta amigos e familiares.

Acontece que o mercado de hoje é muito diferente do mercado de 10 ou 20 anos atrás. As informações estão muito mais disponíveis aos consumidores, as pessoas leem e estudam mais, e priorizam bons produtos e serviços. Juntamente com isso, uma fatia do mercado vem se especializando cada vez mais para atender essa demanda, enquanto outra parcela permanece parada no tempo. Ao mesmo tempo em que nos deparamos com “bike stores” ainda convivemos com “bicicletarias” que vivem há anos no mesmo padrão. Algumas até passam uma maquiagem, mas continua a mesma de sempre. No cenário descrito acima, os ciclistas descobriram que não basta investir nos melhores equipamentos. É preciso fazer a coisa de maneira correta, para se extrair o máximo da prática esportiva.

Foi aí, então, que o Bike Fit conquistou o seu espaço. Já conhecido há alguns anos na Europa e na América do Norte, ganhou maior visibilidade na era “Armstrong”. Certamente ele foi uma vitrine para o mundo em relação ao Bike Fit. Sempre preocupado com os mínimos detalhes para extrair os melhores resultados, evidenciou a sua preocupação com equipamentos, medidas e posicionamento.

No Brasil, essa ciência foi introduzida de forma lenta e desconfiada, no início visto como importante somente para atletas competidores à procura de tempos mais baixos. Outro ponto que vale ser mencionado é que naquela época existia um número menor de marcas e modelos e as geometrias não apresentavam a grande variedade que existe hoje. As bikes eram muito semelhantes. Os estudos para desenvolvimento de quadros eram muito limitados, e os ajustes eram empíricos, baseados em altura do ciclista e comprimento do entre pernas (cavalo).

Com o passar dos anos o número de bikes aumentou, as geometrias evoluíram e se tornaram específicas para cada propósito. Foi investido muito em estudos e pesquisas para melhoria de posicionamento, ganho de performance, conforto e prevenção de lesões, onde atualmente é possível avaliar um ciclista antes da compra e orientá-lo a adquirir a melhor configuração para seu biótipo/condicionamento físico. Aparelhos que avaliam os ciclistas em três planos (3D) fazem uma análise dinâmica enquanto é simulado um intervalo de pedalada. As grandes equipes ainda submetem esses ciclistas a testes em túnel de vento para aprimorar a performance.

Na última década, vários profissionais brasileiros da área da saúde se qualificaram para oferecer essa ciência àqueles que procuram por qualidade na pedalada. Pela escola que me formei, somos aproximadamente 35 profissionais em atividade. Somando as demais escolas de formação, acredito que o número total esteja por volta de 100 profissionais no Brasil.

Juntamente com esse crescimento do mercado é possível observar uma crescente procura por esses serviços, muitas vezes baseados apenas no lado comercial do Bike Fit.

Muitas pessoas vêm oferecendo esse serviço sem ter a mínima noção do que realmente é Bike Fit. Curiosos que se autodenominam autodidatas (Dr. Google) devoram posts em sites sem nenhuma relevância científica e saem por aí aplicando suas metodologias. A última moda tem sido os aplicativos para smartphones ou páginas da internet que oferecem o “Bike Fit Calculator”. Se já não bastasse a falta de coerência dos métodos, ainda temos alguns termos científicos que dificilmente alguém que não tenha cursado anatomia saberia identificar com precisão.

Dentro de uma sessão de Bike Fit um dos vários pontos importantes é a perfeita identificação e marcação dos pontos anatômicos com os sensores 3D.

Recordo-me que há seis anos, quando assessorado por um consultor na elaboração do plano de negócios da minha empresa, um dos pontos a ser levantado era a concorrência. E quando entramos em contato com os concorrentes e perguntávamos sobre a formação o que ouvíamos era: “fulano pedala há mais de 20 anos”, “ciclano foi campeão da prova não sei das quantas”, “beltrano é um dos melhores mecânicos da região”. Como se isso fosse condição “sine qua non” para trabalhar como Fitter. Concordo que não são indispensáveis, muito pelo contrário, conhecimento de mecânica e experiência com bikes é importante sim, mas o mais importante é ter formação e estudos para isso. O conhecimento é a base da pirâmide. Caso contrário, os melhores cardiologistas seriam os que já sofreram uma parada cardíaca (pobres proctologistas).

A próxima novidade será o que os lojistas vêm chamando de “a máquina de fazer Bike Fit”. Concordo que equipamentos são essenciais para a realização de um bom trabalho. Inclusive, valorizo muito e procuro sempre estar oferecendo o que há de melhor em equipamentos. Mas daí para ofertar um serviço onde a máquina é o realizador de Bike Fit, existe alguns anos luz de distância.

Caso contrário, os melhores cardiologistas seriam os que já sofreram uma parada cardíaca

Recentemente ouvi a seguinte expressão de uma das maiores autoridades em Bike Fit a nível mundial: “o melhor sistema de Bike Fit ainda são os neurônios”. Isso significa que mesmo tendo o melhor equipamento, se o material humano não possuir conhecimento para ler e interpretar as informações fornecidas pelo sistema, de nada vale o equipamento. Equipamentos transformam posicionamentos em números, que nos permite quantificar o quanto está bem ou mal posicionado e a partir daí os ajustes são realizados.

Como analogia para ajudar a compreender, podemos utilizar o alinhamento e balanceamento de rodas para carro. O equipamento é fantástico, mas se me colocar diante dele ou de seus resultados, não sei o que significa e nem o que fazer para corrigir o problema. Já nas mãos de um profissional capacitado, o alinhamento sai de maneira impecável.

Durante a anamnese, quando pergunto ao ciclista: “já realizou Bike Fit antes?”, não muito raro recebo a seguinte resposta: “já fiz com Fulano, um daqueles caseiros, mas nunca fiz um Bike Fit assim, de verdade”. De imediato me vem o pensamento. Mas se o Bike Fit não é de verdade, ele só pode ser o sou antônimo, ou seja, só pode ser de mentira. Percebido isso, dentro da minha curiosidade passei a perguntar: “mesmo sabendo que não é um Bike Fit de verdade, porque você fez?”, e na maioria das vezes ouço: “ah, porque entre esse Bike Fit e nada, é melhor fazer esse Bike Fit sem fundamento”.

Pois então, eu afirmo: nada é melhor do que esse caseiro, sim! Frequentemente recebo ciclistas que tiveram lesões devido ao mau posicionamento definido por pessoas que não sabem o que estão fazendo. Valorize seu corpo. Não o submeta às mãos de quem está interessado apenas no lado comercial do Bike Fit.

Com certeza você já deve ter ouvido alguém falar: “eu não acredito em Bike Fit”. Bike Fit não é benza, mandinga ou simpatia, algo que é necessário acreditar para ter efeito. O grande diferencial do Bike Fit é mensurar a qualidade do seu posicionamento e poder trabalhar esses números para a evolução da qualidade da pedalada do ciclista. É criar um projeto a curto, médio e longo prazo para esse ciclista. É criar seu histórico de posicionamento e geometrias, para poder acompanhá-lo ao longo dos anos. É encaminhá-lo a profissionais das mais diferentes áreas, para aprimorar necessidades físicas que atualmente limitam seu posicionamento.

Bike Fit não é método, fórmula, regra. É ciência que ajusta a bike ao corpo do ciclista e não o corpo do ciclista à bike

Tendo como base tudo isso, frequentemente sou questionado de como identificar um bom lugar para fazer Bike Fit. Verifique: qual a formação do profissional? Onde ele estudou Bike Fit? Seus diplomas em Bike Fit são emitidos por qual centro de formação? Esse centro de formação é relevante? Ele procura se atualizar com frequência? Onde são feitas essas atualizações? Quais são os equipamentos por ele usados? Qual metodologia ele emprega nos ajustes? Qual sua experiência com Bike Fit? As informações por ele fornecidas e perguntas respondidas são pautadas em artigos científicos ou apenas no senso comum?

Para ilustrar, dia desses recebi a ligação de um comerciante que vende o serviço de Bike Fit para seus clientes, querendo tirar uma dúvida.  Do outro lado da linha, ele questionou: “estou com um cliente aqui em cima da bike e detectei que ele tem uma perna maior que a outra. O que me aconselha fazer?” Perguntei: “como você sabe que uma é maior que a outra?” Ele respondeu: “olhando dá pra ver”. De cara já pensei: caramba, que olho é esse que mede com precisão o comprimento das pernas? Querendo ajudá-lo questionei: “mas essa diferença é tíbia ou fêmur?”. Fui surpreendido pela pergunta: “como assim?”, e percebendo que ele não sabia do que se tratava, dei sequência perguntando: “essa diferença de alcance que você percebe é estrutural ou funcional?”. Fui novamente surpreendido pela resposta: “como assim?” seguido da expressão: “vai com calma. O Bike Fit que faço aqui, não é um Bike Fit de verdade, é somente uma ajuda, uma orientação”.

É disso que venho falando acima. Não existe ajuda, orientação, meio Bike Fit ou Bike Fit mais ou menos. Ou você fez ou não fez Bike Fit. Não adianta se iludir, perder tempo e dinheiro. Na pior das hipóteses uma lesão provocada por um mau posicionamento vai lhe custar muito mais tempo e dinheiro para se reabilitar.

Digo e repito: Bike Fit não é método, fórmula, regra. É ciência que ajusta a bike ao corpo do ciclista e não o corpo do ciclista à bike. E o corpo é dinâmico, sofre alterações em relação à capacidade motora, flexibilidade, peso, condição física, distribuição antropométrica, sendo necessário acompanhamento e orientação profissional.

O Bike Fitter, sempre que vê alguém entrar pela porta do seu Estúdio Bike Fit, antes de enxergar o cliente e o ciclista, enxerga um ser humano que merece respeito e cuidados, e que confia sua saúde física nas mãos de um profissional.