Em 2004, aos 30 anos de idade, mudei de vida. Nesse ano, decidi que ficaria um ano viajando pela Ásia. Um dos últimos países dessa viagem foi a China. Naquela viagem eu já tinha meu interesse pelas pessoas dos lugares. Digo no sentido, como vivem, como se organizam, o que comem… Quando deixei a estação de trem de Pequim, minha primeira parada na China, emoldurado por construções altíssimas, notei um balé composto por milhares de bicicletas embaladas pelas sinetas tocadas pelos ciclistas, disputando espaço ao lado dos carros. Mesmo que, atualmente, no país onde se reproduzem como coelhos, vigora a lei do mais rico ou do maior, onde ter carro é status, muita gente ainda depende da bicicleta.

© Charles Zimmermann

Após uns dias em Pequim, acostumando-me com as bicicletas que surgiam de todas as partes, e com a ideia fixa de registrar a vida cotidiana daquelas pessoas, eu me vi obrigado a fotografá-las, pois elas faziam parte do contexto.

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As grandes cidades chinesas, inclusive Pequim, são marcadas pelos hutongs, que são vielas de casas geminadas, tão estreitas que só permitem a passagem da bicicleta. A bordo de uma bike alugada, aventurei-me sobre rodas e fui pedalar pelos hutongs. É neles que se nota a vida cotidiana dos moradores: vejo-os fazendo alongamentos, estendendo roupas lavadas, esvaziando penicos, criando galinhas e meninas indo à escola de bicicleta e com o típico uniforme composto por uma saia azul marinho até abaixo dos joelhos, camisa branca e gravatinha vermelha. Voltei para casa, realizei uma exposição específica das imagens captadas na China, e as fotografias com bicicletas roubaram a cena – eu as mostrava com certo orgulho e diferenciação das demais.

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Dois anos depois, passei 10 meses no continente africano. No Egito, onde alguns pesquisadores levantam a hipótese de que por ali, nos antepassados, havia um transporte sobre duas rodas, a bicicleta faz parte do cenário nos fins de tarde dos parques do Cairo. Famílias se aglomeram ao redor da bicicleta do vendedor de chá, repleta de garrafas térmicas. Tomam chá de hortelã, enquanto admiram o pôr do sol. No Quênia, na Tanzânia, em Uganda, concluí que a bicicleta está mais para ser empurrada do que para ser pedalada. Nas cidades e ao longo das estradas, ligando um povoado a outro, cachos de banana, sacas de arroz, sacas de cimento, camas desmontadas, tudo o que se possa imaginar é transportado na bicicleta, enquanto ela é empurrada.

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Nos últimos anos, uma viagem puxou a outra. Alguns meses depois eu estava em Cuba, onde as bicicletas aparentam ser o símbolo da liberdade. Elas estão em todas as partes da ilha e foram enviadas pelos “camaradas” chineses.

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Nos últimos anos regressei duas vezes à Ásia. No interior agrícola do Vietnã, as bicicletas são o verdadeiro meio de comunicação entre o campo, a cidade e os mercados. Além de transporte, nas cidades as bicicletas são vistas aos milhares, presas sobre plataformas, formando bancas para a venda de frutas e peixes. Loucos pelo consumo como os chineses, no Vietnã aos poucos elas devem perder espaço para as motocicletas, mas certamente terão sempre seu espaço cativo.

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Na Índia, em Bangladesh, na Indonésia, na Malásia e no Nepal, seu uso basicamente está ligado aos riquixás, no qual o passageiro se acomoda sobre um triciclo. Sempre muito enfeitado com laços, fitas, buzinas de caminhão, pinturas de paisagens nos para-lamas. Na Malásia, são decorados como se fosse uma Harley-Davidson.

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No interior do Brasil, pode-se entender melhor essa relação das bicicletas com os brasileiros. Sempre se vê alguma criança pedalando, ou aprendendo a pedalar, muitas vezes com a bicicleta de adulto da família. Em todo grupo de crianças reunidas, tem bicicletas ao chão por perto.

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Lamento que nos países em desenvolvimento ao redor do mundo as duas rodas estão perdendo a simpatia para as quatro. Mas isso é cíclico. A bicicleta, de alguma forma, voltará a ocupar seu espaço nas sociedades.