A Revista Bicicleta tem publicado mensalmente artigos sobre grupos femininos de pedal, com a intenção de dar visibilidade às expressões múltiplas do universo da bicicleta. Entendemos que a organização de tais grupos amplia de maneira qualitativa a compreensão por parte da sociedade a respeito do movimento em torno do ciclismo, seja no meio urbano, seja nas trilhas e caminhos rurais, seja por necessidade de deslocamento ou por diletantismo e esporte.

Na edição deste mês, um simpático grupo de atletas de Goiânia – GO que não arredam pé das trilhas e provas em terra. Não há tempo ruim, nem desafio que não possa ser superado, com muita adrenalina mas com muito charme, também. Afinal, elas são Brutas do Pedal e mandam o seu recado.

O nome do grupo sugere força, agressividade, raça, disciplina, perseverança, coragem e radicalidade, mas também ousadia, beleza e paixão. Como surgiu o Brutas do Pedal e quem faz parte deste time de feras das trilhas?

O grupo Brutas do Pedal surgiu do feliz encontro de mulheres comuns, que se dividem entre as obrigações do dia a dia e uma mesma paixão: a bicicleta! Duas amigas se encontraram, há pouco mais de um ano, compartilharam suas dificuldades no esporte e, de pedal em pedal, juntas, tiveram a ideia de formar um grupo e ter mais companheiras de pedal – hoje mais que companheiras: amigas.

Com o tempo, convidamos amigas e conhecidas que tinham pensamentos semelhantes, pois também viam o MTB, não apenas como uma forma de lazer mas, como um esporte competitivo, um estilo de vida que exige comprometimento, dedicação, garra e brutalidade. Assim, o time se formou e, hoje, o grupo Brutas do Pedal conta com 12 integrantes: Izis Alfaia, Janaína Junqueira, Juliana Paniago, Laiane Gonçalves, Luana Drogomirecki, Lucélia Santos, Viviane Fernandes, Ludmilla Lucena, Mariana Vieira e Pollyana Karla, todas de Goiânia, além de Renata Gabrielle, de Anápolis, e Lucília Lobo, de Pirenópolis.

© Divulgação

Como são os treinos e quais os principais desafios que vocês encontram nas competições?

Os treinos são sempre fortes e constantes. Nem sempre nós conseguimos reunir todas as integrantes do grupo para treinarmos juntas e, muitas vezes, os treinos da semana acontecem de forma individual. Nos finais de semanas, os encontros acontecem com maior frequência, e é quando o grupo se reúne para fazer o que mais gostam juntas: pedalar e brutalizar nas trilhas. Hoje, contamos com um treinador. A maioria de nós está se preparando para que 2015 seja um ano mais competitivo, com mais desafios e conquistas.

Os principais desafios das provas, além daqueles inerentes ao nosso esporte – que é pouco valorizado e muito carente de reconhecimento, de apoio e incentivo – é que, muitas vezes, as categorias femininas não seguem os padrões normativos dos regulamentos oficiais. A menor quantidade de atletas femininas levam os organizadores de provas a estabelecerem uma única categoria para mulheres, ou duas, obrigando atletas amadoras e profissionais a disputarem o mesmo pódio.

Isso, de certa forma, inibe novas adeptas a participarem das competições, a categoria não se fortalece e, em contrapartida, os organizadores não incentivam e tampouco investem nas premiações. É um ciclo que desfavorece uma participação mais efetiva das mulheres nas corridas. No entanto, já pudemos observar que, mesmo com essa desvalorização, o esporte vem conquistando novas adeptas. Hoje, a quantidade de mulheres que pedalam aumentou consideravelmente com relação a dois ou três anos atrás. As principais provas do país, como a Copa Internacional, já conseguem estabelecer categorias bem definidas para as mulheres e, acreditamos que, muito em breve, isso venha a refletir mais fortemente nas demais provas. É a força da mulher conquistando seu espaço.

© Divulgação

Como foi participar da Pedalada Solidária Natal das Luzes, na trilha Juriti?

Desde que o grupo foi formado, sempre levamos a questão “solidariedade” muito a sério e, sempre que possível, apoiamos iniciativas desta natureza, arrecadando e distribuindo brinquedos, alimentos e até bicicletas, nas instituições e comunidades carentes. O brilho nos olhos e nos sorrisos de tantas crianças é realmente impagável.

Neste ano, participar da Pedalada Solidária Natal das Luzes, na trilha Juriti e na pedalada urbana organizada pela Go Ciclo, foi gratificante para todo o grupo pela oportunidade de realizar um gesto solidário mas, também, porque tivemos uma recepção muito calorosa, especialmente entre as mulheres, que têm as Brutas do Pedal como uma referência, uma fonte de inspiração para se dedicarem mais ao ciclismo e evoluir no esporte.

É realmente uma sensação maravilhosa contar com o reconhecimento e o carinho das pessoas.

© Divulgação

Vocês escolheram o MTB como a modalidade-chave do grupo, mas a gente observa que também praticam Speed. Isto têm incentivado outras mulheres a praticar o esporte na região? Como observam o crescimento das modalidades de ciclismo feminino em Goiânia e entorno? Há jovens promissoras aparecendo nos eventos?

Todas começamos praticando MTB. No ano de 2014, a maior parte do grupo optou também pela Speed, para facilitar os treinos, já que a modalidade MTB demanda muito tempo e os treinos noturnos estavam ficando complicados e perigosos.

Em relação ao incentivo a outras mulheres, acreditamos que exercemos, sim, um papel importante, especialmente na nossa região, mas que já vem se estendendo a diversos outros lugares do país e da América Latina.

Recebemos, diariamente, mensagens em nossa página do Facebook, com relatos de mulheres que nos conheceram e se viram, assim, motivadas a se dedicar ao esporte. Esta dedicação vai desde comprar a primeira bicicleta ou a recuperar aquela bicicleta antiga que estava encostada, para recomeçar, ou ainda, aumentar o volume de pedais e buscar evoluir como atleta.

Frases como “o nosso objetivo é ser como vocês”, “quando eu conseguir acompanhar vocês, eu ficarei satisfeita”, têm se tornado comuns, e é algo que realmente nos enche de alegria, não de orgulho.

O esporte vem crescendo, muitas mulheres vêm adotando o ciclismo e o MTB como estilo de vida e, muitas vezes, nos surpreendemos com a proporção que isso vem tomando. Na Pedalada Solidária de Natal, na trilha Juriti, reunimos todas as mulheres para uma foto e ficamos surpresas com o tamanho do grupo.

© Divulgação

Observamos que esse crescimento se estende a todo o estado e ao país. Através da fanpage e de algumas competições, fizemos amizade e ‘trocamos figurinhas’ com várias mulheres com perfis parecidos com o nosso, que pedalam forte, com constância, e que competem em Anápolis, Pirenópolis, Jaraguá, Itaberaí, Rio Verde, Brasília e em outros estados.

Algumas dessas mulheres se destacam muito nas provas e têm, sim, um potencial promissor. O nível de exigências físicas e técnicas nas competições é cada vez mais elevado tornando as provas cada vez mais competitivas! É o que sempre falamos para nossas amigas: “Não pode ter moleza, não! Temos que treinar cada vez mais, com graxa nas canelas, ‘sangue nozói’ e força na peruca! Não tem espaço pra mimimi!”, dizemos em tom de brincadeira.

Por onde passam vocês têm uma legião de admiradores especiais, como é o caso da menina de Firminópolis que fez um desenho super bacana em homenagem ao grupo. Na opinião de vocês, que papéis o grupo tem assumido além de competir fortemente no cenário de MTB brasileiro?

Hoje nós nos damos conta de que assumimos um papel de responsabilidade social, inserindo um estilo de vida diferenciado no cotidiano de muitas pessoas, desde uma criança – como a nossa amiguinha que nos homenageou – até donas de casa, muito comprometidas com as tarefas do dia a dia, com estilo de vida mais sedentário, que perceberam, através do grupo, que a mudança é possível, independente da frequência e da intensidade.

É possível e vale a pena investir em um esporte, adotar bons hábitos alimentares e, ainda, usufruir de um aspecto do MTB que não falamos até o momento, que é o aspecto de sociabilidade.

O nosso esporte nos coloca em contato com várias pessoas, que compartilham interesses semelhantes, e daí surge a possibilidade de criarmos laços com novas pessoas e construirmos grandes amizades.

Somos um grupo que acredita seriamente no que faz. O fruto deste trabalho são milhares de seguidores e admiradores. E quando recebemos homenagens, como da garotinha de Firminópolis, nos sentimos honradas e nos damos conta da importância do nosso papel. Somos muito gratas aos nossos amigos e seguidores!

© Divulgação

Acompanhando as redes sociais é recorrente encontrar o apoio que vocês dirigem a outros grupos femininos de pedal, como forma de incentivo, apreço e união. Vocês têm consciência do valor social que o grupo leva consigo ao fomentar o ciclismo feminino e valorizar as companheiras de pedal de outros grupos? Como vocês se sentem?

Sim, temos plena convicção da nossa responsabilidade em fomentar o ciclismo feminino e valorizar as nossas companheiras. Para nós, é motivo de orgulho sermos uma referência para os grupos que já existem e para os novos que estão se formando. Lutamos pelo reconhecimento e pela valorização da nossa categoria no esporte e acreditamos que é a união que faz a força.

Quanto mais mulheres, quanto mais fortes e preparadas elas estiverem, melhor para toda a categoria e, consequentemente, para o esporte. O público feminino, hoje, é agente determinante no mercado. Somos brutas! E esta não pode ser uma batalha isolada. Nós queremos e podemos contribuir para o reconhecimento e a valorização do ciclismo como esporte no país.

Hoje, o grupo conta com 12 meninas. Como é conviver em uma equipe formada por pessoas tão diferentes? Está havendo uma renovação na equipe como forma de atrair novos talentos?

Realmente não é fácil conviver com pessoas tão diferentes, mas o que nos une é o amor pelo esporte e isto é capaz de superar qualquer dificuldade.

Neste ano o grupo, antes com nove amigas, cresceu e conta com três novas integrantes. Aprendemos a lidar e a respeitar as individualidades de cada uma, e isso é resultado de um longo processo de adaptação, por isso a inserção no grupo é feita com bastante cautela. O futuro é incerto, mas acreditamos, hoje, que temos um grupo bem consolidado. Somos mais que um grupo, somos uma família!

© Divulgação

Para finalizar, que mensagem vocês deixam para as companheiras de pedal espalhadas pelo Brasil?

Antes de tudo, agradecemos o reconhecimento, o carinho e as oportunidades que vêm surgindo desta troca. Não desistam nunca dos seus sonhos e acreditem, os obstáculos e as dificuldades existem para nos fortalecer e provar o quanto somos capazes. Para quem quer começar, o momento é agora! Para as que já estão no caminho, continuem sempre firmes!

‘Bora’ treinar, mulherada, com força nas canelas, muita garra, determinação, disciplina, superação e, sempre, com muita brutalidade no pedal!

Brutas do Pedal – Vivendo Desafios, Superando Limites.

É por este e por milhares de outros motivos que nós amamos este esporte. Viva Bicicleta, sempre!

Realmente não é fácil conviver com pessoas tão diferentes, mas o que nos une é o amor pelo esporte e isto é capaz de superar qualquer dificuldade.