Toda mudança que signifique ampliação dos direitos sociais provoca reações por parte de quem se beneficia da restrição dos direitos. Quando falamos em conferir direitos iguais para o uso do espaço urbano, devemos saber que enfrentaremos a oposição de muitos daqueles que atualmente levam vantagem com o modelo rodoviarista.

Os reacionários, aqueles que reagem aos movimentos de democratização da sociedade, geralmente estão quietos, para não chamar a atenção para os privilégios que possuem – mas quando grupos sociais se organizam para reivindicar a parte que lhes cabe, eles vociferam para conservar as regras, legais ou imaginárias, que garantem seu status.

Os ciclistas são o alvo mais recente dos conservadores. Os amantes dos motores não se conformam com a possibilidade do governo desviar, do rio de dinheiro público gasto inutilmente em viadutos e pistas duplas, algumas gotas para o benefício de ciclistas. É bem ali no oco da sua engarrafada propriedade metálica que eles começam a elaborar, mentalmente ou nos smartfones, o texto que publicarão nos jornais que são mantidos… pelos anúncios da cadeia produtiva automobilística!

Nestes textos, colunistas e amigos dos editores de opinião, sempre evocando o direito de ir e vir, o progresso da humanidade e a integridade física dos seus concidadãos, não economizam substantivos e adjetivos para qualificar as pessoas e instituições que não reivindicam mais do que segurança viária: bobalhões, foras da lei, talibikers, assassinos, impunes, atrasados, picaretas, boçais, mauricinhos, iluminadinhos, farsantes, manipulados, ecochatos, arrogantes, filhinhos de papai, moderninhos etc. E, para deleite próprio, eles encontram nos comentários dos seus leitores tudo aquilo que, por falso pudor, não puderam escrever.

Estes formadores de opinião não podem aceitar que a bicicleta receba incentivos, caso contrário cairão por terra seus argumentos de que ela é ineficiente. “Como assim, pobres montando bicicletas enferrujadas, chegando antes de mim ao nosso destino comum?”, é a preocupação que eles têm vergonha de admitir. Mas não se trata apenas de uma bronca pessoal, é uma questão de classe: não basta que os ciclistas continuem pedalando espremidinhos na sarjeta, é preciso que eles permaneçam quietinhos e sem reclamar. Para eles, as mudanças sociais devem ser conduzidas pelo marketing e pela bolsa de valores, e não pela organização da população instruída.

É preciso sufocar e difamar todos os movimentos sociais: sem terra, sem teto, sindicalistas, ecologistas, feministas e, obviamente, cicloativistas! Esbravejam, então, contra as bicicletadas mensais, bicicletas-fantasma e outras manifestações alegando que elas atrapalham o trânsito – como se não fossem eles mesmos que atravancam as ruas cotidianamente! Tudo mentira: no fundo, são movidos pela aversão a todos que se empenham por uma sociedade igualitária, porque a igualdade ameaça seu modo de vida fútil e esbanjador. Mais inadmissível ainda, para eles, é encontrar, entre os protestantes, os da sua classe: “Não é possível, jovens bem nascidos, matriculados nas melhores escolas da cidade junto com meus filhos, sobre bicicletas caríssimas, revelando com palavras de ordem as inconsistências do meu estilo de vida!”, se contorcem de indignação nossos autodesignados porta-vozes da maioria.

Os reacionários estão de tal modo preocupados em manter suas regalias que ficam cegos diante das evidências: nenhuma família pode entregar um carro a menores de 18 anos, poucas famílias podem ter carro, pouquíssimas famílias podem ter um segundo carro; muitas pessoas que possuem carro preferem usar a bicicleta e muito mais pessoas ainda só não usam bicicleta porque se sentem ameaçados!

Insultar os ciclistas por exigirem ciclovias (nas vias de trânsito rápido e denso) e acalmação do trânsito (nas demais vias da cidade) é mais do que afrontar o bom senso, é contradizer os êxitos alcançados por cidades e países que investiram na mobilidade ativa. Os reacionários agem com má-fé quando insistem que a bicicleta é perigosa, pois sabem que isso deriva justamente da falta de políticas públicas favoráveis; são cínicos quando aludem à subutilização da infraestrutura cicloviária existente, pois sabem que ela não atrai usuários justamente por ser escassa, desconectada e de péssima qualidade; e declaram sua inépcia quando interpretam que os ciclistas reivindicam ciclovias para cruzar megalópoles e quando reclamam do relevo e do clima, fatores estes que não caracterizam nem todas as cidades, nem todos os dias do ano.

Por último, há um aspecto mais cruel nessa perseguição aos cicloativistas. Apontando suas penas contra quem só quer equidade, eles oferecem conforto moral para aqueles motoristas que, sentindo-se reis da rua e tratando o espaço urbano como seus quintais, agridem os ciclistas: buzinadas, fininhas, xingamentos, tapetadas e outras cacas são mais comuns do que os articulistas querem admitir. Os reacionários da reforma urbana precisam ser informados que não passam de mentores intelectuais da barbárie.