Se o tiozinho que cruza a cidade de bicicleta ainda passa despercebido no trânsito, os ciclistas que passam velozes em bando, com roupa justa e capacete, são bem notados – principalmente, porque piscantes, à noite. Na maior parte das cidades brasileiras os cidadãos que usam a bicicleta como meio de transporte ainda não fazem aglomeração nas ruas, mas, apesar da falta de dados concretos, podemos afirmar que na maior parte das cidades médias e grandes existem de um a vários grupos organizados de ciclistas, que reúnem até dezenas de participantes, com o objetivo de praticar lazer esportivo.

Lazer, porque não visam competição nem o cumprimento de funções sociais; destinam-se a desestressar, passear para curtir o trajeto, conviver com pessoas do mesmo gosto. Mas esportivo, porque em geral percorrem não menos do que 20 km em ritmo rápido, o que queima calorias, tonifica os músculos e confere destreza na condução da ferramenta.

Os grupos de pedalada não são novos, mas só tornaram-se mais populares a partir da oferta de bicicletas de melhor desempenho e conforto, as mountain bikes, a partir da década de 90. Antes delas, as bicicletas sem marchas desestimulavam o seu uso em longas distâncias com o fito de diversão; e as bicicletas com marchas eram, na sua maioria, do tipo “de corrida”, speed, que são menos confortáveis e menos versáteis.

Com isso podemos também depreender que trata-se de uma atividade, prioritariamente, de classe média a alta. As bicicletas adequadas para estes giros costumam custar mais do que os trabalhadores da classe baixa podem pagar, e não raro encontramos nesses grupos bicicletas com especificações – e preços – bem além do que a atividade requisitaria.

Apesar de alguns dos integrantes destes grupos também frequentarem trilhas enlameadas fora das cidades, a maioria deles tem no rolê urbano – ou nos arredores – a principal atividade. Da mesma forma, o mais comum é que tais pedaleiros não usem a bicicleta como meio de transporte, reservando-a quase exclusivamente como meio de diversão. É provável que a questão da segurança patrimonial possa explicar uma parte desse comportamento, pois os proprietários de bicicletas caras sabem que elas são bastante visadas.

O fator segurança também está envolvido na formação dos grupos. Economicamente, porque pedalar em grupo, principalmente à noite, torna seus integrantes menos suscetíveis a assaltos; e fisicamente, porque pedalar em bloco torna o ciclista mais visível e desestimula comportamentos desrespeitosos dos motoristas.

Podemos começar por aí, então, a elencar alguns benefícios das pedaladas grupais para a promoção do ciclismo – e, consequentemente, para a sociedade, para a natureza e para a qualidade de vida pessoal.

Os grupos de pedalada tem sido responsáveis pelo recrutamento de novos ciclistas, o que por si só é um fato positivo. Muitas pessoas gostariam de pedalar, mas precisam sentir segurança, o que podem encontrar aliando-se a pessoas com os mesmos interesses. Existem grupos que tem um “nível” de dificuldade mais baixo, reunindo idosos, crianças e pessoas que gostam de pedalar devagar, o que é propício a ciclistas iniciantes ou inexperientes; ali se pedala em ritmo mais leve e por distâncias mais curtas. E também existem alguns grupos que, mesmo pedalando duro na terça-feira, mantém uma pedalada branda na quinta-feira.

Se nem todos os “grupedaleiros” se animam a ir ao trabalho de bicicleta, ainda assim há de se valorizar os que o fazem. Adquirir destreza através do grupo aumenta a autoconfiança para encarar sozinho a hora do rush com a mochila nas costas. Além disso, os “ciclogrupeiros”, quando estão de carro, passam a respeitar mais os ciclistas no trânsito do dia a dia e difundem a modalidade em seu grupo de convivência.

O pessoal do pedal grupal também não pode ser confundido com o cicloativismo. As mobilizações e campanhas promovidas pelos grupos que encaram a bicicleta politicamente – bicicletadas, ONGs e similares – não costumam atrair muitos “bikers”. Os cicloativistas que realizam qualquer atividade dentro de salas não podem depender da adesão dos colegas do lazer esportivo, mas o sucesso é maior quando as atividades são feitas sobre o selim, em passeios familiares ou cicloprotestos. Mas não se pode dizer que eles não estão atentos às disparidades na gestão da mobilidade urbana – vivenciando a cidade sob a ótica da bicicleta tendem a apoiar a pacificação do trânsito e, ainda que não dependam dela, a instalação de infraestrutura segura.

Pedalar em grupo é legal. É legal porque está dentro da lei e porque é bacana. É uma atividade que traz prazer para quem a pratica, demonstra a diversidade de usos e de funções da bicicleta, dialoga com a cidade e difunde a cultura da bicicleta.