Com praias famosas como Rosa, Garopaba e Guarda do Embaú, o litoral sul de Santa Catarina é um dos pontos mais belos da costa brasileira. É também o destino das baleias francas que, de agosto a novembro, podem ser avistadas com seus filhotes quando visitam a região no período de amamentação. De bicicleta é possível cruzar toda a Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, de Imbituba até o sul da ilha de Florianópolis, por estradinhas de terra, trilhas e praias de areia firme, terminando com uma travessia de barco para a ilha.

O roteiro inicia-se na sede do Projeto Baleia Franca, na pacata praia de Itapirubá, ao sul de Imbituba. Dali, pedalando em ritmo tranquilo, em quatro dias chega-se à Florianópolis. Pelo caminho, belíssimas praias e incríveis mirantes, com grandes chances de avistar as majestosas baleias.

© Jonatha Junge

Mas mesmo se nossas amigas gigantes não derem o ar da graça, ainda assim a viagem à beira-mar valerá cada minuto pedalado. Permita-se flagrar revoadas de gaivotas, acompanhar os contornos de espumas que as marolas desenham na areia, zanzar livremente sem a pressão de buzinas e os limites rígidos de uma estrada. É um contato íntimo com a seleta parte sul do litoral catarinense, contemplando mar, costões, dunas e restingas, vivenciando a vida caiçara.

No primeiro dia, ao atravessar Imbituba, não deixe de conhecer o Museu da Baleia Franca, que funciona numa antiga estação baleeira, expondo equipamentos e painéis históricos da ignominiosa época de matanças.

Após Imbituba o trajeto segue até a Praia da Ribanceira, e mais adiante não é raro topar com uma Barra, onde a Lagoa de Ibiraquera vem se conectar ao mar, e por vezes a única forma de atravessar é de canoa. A Barra é incerta: rompe, à força de temporais mais impiedosos, ou à força das máquinas que escavam a areia, num ato periódico e sem aviso prévio para renovação das águas da Lagoa. Mas não se preocupe com a travessia: é comum o empréstimo de bateiras em restaurantes da beira do canal, que acomodam as bicis e levam à outra margem em poucas remadas. Assim, evita-se um longo contorno para chegar à Praia do Rosa, o ponto de pernoite do primeiro dia.

No dia seguinte o rumo inicial é a Praia do Ouvidor. A partir dali não há saída, a menos que se peça autorização ao Projeto Gaia Village, que mantém vistosas bioconstruções na beira da praia, unidas à sede da propriedade por um caminho todo ladrilhado com cerca de 4 km. É um trecho isolado e de rara beleza, atravessando dunas, restinga, um rebanho de búfalos e áreas de recuperação ambiental. Donizete, morador local e funcionário do projeto, faz uma apresentação aos visitantes a respeito da reserva particular. Com variados ecossistemas litorâneos, 900 hectares são preservados e recriados conforme o anseio dos proprietários, baseados no legado de José Lutzenberger, um dos mais ilustres ambientalistas brasileiros, falecido em 2002.

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Da sede do Gaia o roteiro leva à outra Barra, desta vez no canto sul da Praia da Ferrugem. Com água pelos joelhos, aqui o jeito é tirar os sapatos e levar a bicicleta nas costas. Na sequência, a pedida é uma visita ao centro histórico de Garopaba, pausa para um lanche antes de seguir em estradões de areia até o Siriú. Uma dica é alongar o caminho com o contorno da Lagoa do Macacu, num trecho ainda mais tranquilo, com visuais privilegiados que os “morrinhos” curtos e inclinados proporcionam. A Praia do Siriú, mais isolada e com pouco movimento, é também um ótimo local para encontrar as grandes baleias antes de encarar um dos maiores obstáculos da viagem. O Morro do Siriú é a subida mais forte deste roteiro. Após vencê-lo, e admirar do alto a vasta planície costeira, uma merecida descida para a Praia da Gamboa, pernoite do segundo dia de pedal. Aqui o sossego é total, numa das praias mais preservadas da região.

No terceiro dia é hora de rumar à oeste para o interior, nosso sertão, evitando assim ter de pedalar pela rodovia. No caminho chega-se em Três Barras, comunidade rural de Palhoça, onde é possível provar dos costumes e quitutes camponeses na casa das irmãs Maura, Vilma e Inácia, que mantém um dos últimos engenhos artesanais de mandioca na região. Ambientada em galpão rústico, entre rodas de moagem, prensas e tachos, repletos de bijus quentinhos e fumegantes, a mesa posta no engenho é o verdadeiro amálgama entre as culturas indígena e açoriana.

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Alguém conhece a bijajica? É a massa da mandioca, misturada à pedaços de amendoim e especiarias, e assada em vapor. Uma perdição. E o nego deitado? É um preparado à base de fubá, envolto em folha de bananeira e assado. Preciosa iguaria. Fora as bolachinhas, bolo de milho e tapiocas que as irmãs servem com abundância. O trabalho delas já é reconhecido como um importante resgate cultural através da gastronomia, fato que chamou a atenção do Slow Food International, movimento ao qual recentemente integraram-se.

Das Três Barras o trajeto retorna em direção à costa. O destino do dia é a Guarda do Embaú, onde é interessante chegar cedo para subir a trilha até a Pedra do Urubu de onde pode se avistar toda a praia até a Gamboa. No retorno da trilha não deixe de provar o famoso pastel de berbigão enquanto os pés se esquentam na areia.

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O quarto dia reserva ainda mais aventuras. O percurso de 8 km pela orla em ferradura da Praia da Pinheira pode ser uma suave pedalada ao sabor do vento sul, ou então um desafiador trecho com as fortes lufadas do vento nordeste – questão de sorte.  Para chegar em Floripa a melhor escolha para o cicloviajante é uma travessia de 40 minutos em baleeiras pela Baía Sul, sob o comando dos pescadores da Caieira que vem nos buscar na Praia do Sonho.

Já na ilha, um pedal para conhecer o casario colonial do Ribeirão da Ilha e em seguida uma visita ao cultivo de ostras, atividade que tornou esta região muito procurada pela excelente qualidade da sua produção. É possível degustar uma ostra fresquinha, direto no produtor, ou aproveitar os excelentes restaurantes que oferecem os mais variados pratos, como a ostra gratinada.

Mais 10 km pela planície no interior da ilha e chega-se à Praia do Campeche, fechando assim a Rota das Baleias, um roteiro de cicloturismo acessível a todos em qualquer época do ano. Se tiver tempo, aproveite para passar mais um dia e pedalar pelo sul da ilha, a melhor parte de Floripa para o cicloturismo, e que também é frequentada pelas nossas companheiras de viagem, as baleias francas.

As baleias francas no litoral catarinense

Elas são dóceis e costumam desfilar seu colossal e gracioso meneio bem perto da costa, durante a fase reprodutiva. Por esse motivo, receberam o nome de baleias francas. Tamanha docilidade, incompatível com a perfídia humana, por pouco não condenou o bicho à extinção, quando milhares de exemplares eram assassinados de maneira torpe visando o aproveitamento de sua preciosa gordura.

O município de Imbituba-SC foi o último do sul a abandonar essa abominável prática, em 1973. A partir daí, parte da comunidade científica chegou a considerar as baleias francas como extintas, tratando as raras aparições como eventos isolados e que não configuravam a existência de uma população. Atento a relatos de pescadores e veranistas, dando conta de que “baleias pretas” apareciam esporadicamente nos mares da costa catarinense, o vice-almirante Ibsen Gusmão de Câmara passou a investigar essas ocorrências, por iniciativa própria.

Com a adesão de voluntários, o trabalho de Ibsen evoluiu rápido e culminou no Projeto Baleia Franca, em funcionamento desde 1982. Baseados em pesquisas, entrevistas e observações, passaram a registrar as contínuas avistagens de mãe e filhote em águas catarinenses, numa faixa compreendida entre Florianópolis e o Cabo de Santa Marta. Tal fenômeno desde então passou a justificar a existência do projeto, que mantém os propósitos de “garantir a sobrevivência e a recuperação populacional da baleia franca em águas brasileiras”.

Na migração reprodutiva que fazem desde as Ilhas Geórgia do Sul, as baleias viajantes aparecem em Santa Catarina entre julho e novembro de cada ano. Portanto, essa é a época em que aumentam as chances de admirar as simpáticas evoluções do bicho. No entanto, em 2013 foram proibidos os barcos que levam turistas para ver as baleias, por conta do eventual risco que tais embarcações podem trazer aos animais. Mas sua avistagem pode ser feita enquanto se pedala livremente por longos trechos de areia batida do litoral catarinense, lembrando que as francas aparecem comumente bem perto da costa. www.baleiafranca.org.br.

© Jonatha Junge

Informações

Dias de viagem: de 3 a 5
Distância: entre 100 km e 177 km – média de 35 km por dia
Altimetria: Com pouco desnível, a subida acumulada fica em 200 m por dia, exceto no terceiro dia com 470 m devido ao Morro do Siriú.
Melhor época: entre agosto e novembro é possível avistar as baleias francas, mas o roteiro pode ser feito durante todo o ano.
Quem leva: Caminhos do Sertão Cicloturismo. caminhosdosertao.com.br