Europa. Ah Europa! O lugar mais famoso do mundo pra cicloturismo, mais cicloamigável que existe, mas que por incrível que pareça se mostrou um dos trechos mais difíceis da jornada até agora. No texto passado, do Leste Europeu, eu expliquei o conceito da armadilha climática que o cicloturista corre o risco de cair numa jornada longa como esta. Pois bem, por mais que tentei sair das altas latitudes a tempo, não consegui escapar e as chuvas e o frio me pegaram pra valer. No meu trajeto europeu atravessei a Itália, Suíça, França, Inglaterra, Espanha e um pedacinho de Portugal.

© Nicholas Allain Saraiva

Entrei na Europa pelo norte da Itália no início do outono, vindo da linda e verde Eslovênia, país que recomendo a todos os cicloturistas. Mantive-me sempre pelo norte, seguindo em linha reta para oeste, com objetivo de atravessar os Alpes pelo Mont Blanc para chegar em Chamonix, famosa cidade de montanha na França. Foi um trajeto de 700 km, um dos mais planos que pedalei, passando pela região de Veneza, Verona e Milão, sempre mantendo-me nas estradinhas secundárias das áreas rurais. Um meio rural bastante desenvolvido e produtivo e que, por isto mesmo, foi difícil encontrar estradas boas para pedalar, com pouco tráfego e/ou acostamento; a maioria delas eram estreitas, sem acostamento e com tráfego intenso. Mas estava indo tudo muito bem, com clima bom, ritmo forte e médias altas, até chegar na base dos Alpes, onde o clima fechou e chovia. Busquei um lugar para acampar e esperar por uma melhora, mas no dia seguinte o tempo estava pior, chovendo forte e possivelmente nevando no col da montanha. Depois do apuro que passei no Quirguistão ao atravessar uma montanha em condições semelhantes, não quis arriscar e apelei para o ônibus. Foi o ônibus mais caro do mundo, 30 libras por uma viagem de 20 minutos entre Courmayeur (Itália) e Chamonix, por um túnel de cerca de 15 km sob os Alpes.

© Nicholas Allain Saraiva

A partir daí acabou o meu sossego! A oeste dos Alpes, o tempo já estava outro e a partir daí foram dois meses e meio marcados por chuvas e frio. O clima na Europa nesta época do ano permanece a maior parte fechado com algumas janelas de tempo bom, de não mais que três ou quatro dias e a tendência é piorar com o avanço do inverno. Isto atrapalhou demais aproveitar a viagem e os países. O pior de todos foi a França, que choveu 18 dos 23 dias em que estive lá. Para piorar, esta época do ano já é baixa temporada, a maioria dos campings estão fechados, é proibido acampar livremente na Europa e hotéis são muito caros (impeditivos para o meu orçamento), por isto tive literalmente que me esconder todas as noites, esperando que não viesse nenhum chato na manhã seguinte me encher a paciência. Foram dias de acampamentos péssimos, moral em baixa e pedal desanimador, montando barraca debaixo de chuva em terrenos ruins, desmontando encharcada e passando o dia molhado.

© Nicholas Allain Saraiva
© Nicholas Allain Saraiva

A passagem para a Espanha foi um alívio, pois o tempo estava melhor, não chovia e foi mais fácil achar bons locais pra acampar. A estrutura fundiária da Espanha é bem diferente dos outros países europeus que passei, com população concentrada em cidades e extensas áreas rurais ou naturais despovoadas. Além disso, os campings não fecham na baixa temporada, dando para alternar entre alguns dias de camping “selvagem” e camping pago, onde além do banho quente há a oportunidade de recarregar os eletrônicos. Na sequência, Portugal surpreendeu pelo excelente grau de conservação da paisagem e povo simpático, com muito verde, rios cristalinos, ótimos pontos de camping selvagem e o mais barato dos países europeus. Muito frio também, minha barraca congelou nas quatro noites em que acampei em terras lusitanas. Entre Espanha e Portugal eu atravessei para Marrocos onde passei um mês no país africano, uma ótima experiência que descreverei num próximo texto.

© Nicholas Allain Saraiva

Quanto à ciclo estrutura, a França e Suíça são os países mais preparados em que passei, com uma malha impressionante de ciclovias, desde urbanas, periurbanas, até rotas cicloturísticas de médias e longas distâncias. Existe um projeto chamado “EuroVelo” (www.eurovelo.com/en/eurovelos) que está desenvolvendo e implementando roteiros cicloturísticos cortando toda a Europa em diversas direções, com vias exclusivas para bike, passando por florestas, canais, rios, praias etc. Neste site tem os roteiros, mapas e arquivos para GPS. A França é cortada por vários destes roteiros, que são muito agradáveis de pedalar, mas ao final não me mantive muito neles, pois eu os achei pouco eficientes para deslocar largas distâncias, com muito ziguezague, muitas entradinhas difíceis de achar, redutores de velocidade etc. São desenvolvidos para passear, mas não para apertar o passo e ganhar terreno. Os dias pedalados nestas ciclovias raramente passaram de 60 km, então, se a sua pegada for de passeio, são perfeitas.

© Nicholas Allain Saraiva

Para pedalar em estradas, a Espanha foi o melhor dos seis países, principalmente por causa da característica das vias e do povo super bike-amigável. Na Itália, França e Inglaterra existem basicamente dois tipos de vias: as autopistas, onde não são permitidas bicicletas, ou estradinhas apertadas e sem acostamento, onde você pode ir de bike. Por mais que os motoristas europeus sejam respeitosos (e são), as estradas apertadas e quase sempre com bastante movimento fazem o pedal ficar tenso, chato e um pouco perigoso. Por isto, na França e Inglaterra, apesar de eu achar as ciclovias pouco eficientes, acabei usando-as bastante. Na Espanha, assim como no resto da Europa, as autopistas são vedadas à bike, mas as estradas secundárias e terciárias não são estreitas e normalmente têm um belo acostamento. É claro que tem altos e baixos, mas em geral são assim. Suíça é outra maravilha para o cicloturismo, tem ciclovia em todo lugar e os motoristas são incrivelmente respeitosos.

© Nicholas Allain Saraiva

A Europa me surpreendeu, foi dura, mas também muito gratificante, por ter visto velhos amigos e familiares que não via há muitos anos. Terminei o pedal pelo continente na cidade de Gibraltar, de onde peguei um barco para Marrocos. Foram 166 dias e cerca de 10.500 km para atravessar todo o continente Europeu desde o rio Ural no Cazaquistão, que marca oficialmente a fronteira entre a Ásia e Europa. Atravessando o estreito de Gibraltar foi uma visita rápida ao continente africano, pois tive apenas um mês antes do voo para os EUA. Voltei para Espanha, para a cidade de Tarifa, o ponto mais sul da Europa e corri (literalmente) para Portugal, pois tinha um voo marcado para sete dias (660 km).

© Nicholas Allain Saraiva

Voei para a Califórnia, na costa oeste dos Estados Unidos e meus planos são de chegar no Brasil, mais precisamente em Brasília, em aproximadamente seis meses – cerca de 13.000 km restantes, reta final da minha volta ao mundo.