Quem acompanha as postagens do Roda Mundo sabe da minha paixão incontrolável pelo Egito. Pirâmides, templos, Nilo, Mar Vermelho, Biblioteca de Alexandria, sem falar na comida e nas pessoas. A lista é incontável.

Mesmo assim, creio nunca ter falado abertamente sobre segurança, sendo essa talvez a maior ressalva que costumo receber quando recomendo a terra dos faraós. Pois bem, vamos a isso mais detalhadamente. Antes, o resumo: sim, é seguro, extremamente, com ressalvas a lugares e situações, como em qualquer outro lugar do mundo.

Para chegar a tal conclusão, usei dados estatísticos e experiências pessoais. Parti da minha própria percepção ao cruzar o país de ponta a ponta, usando também a visão de outros viajantes mais experientes. Para confrontar e validar os fatos, recorri a dados de segurança nacionais e internacionais sobre o Egito.

Ataques terroristas

Longe de mim maquiar dados, não estou aqui pra isso. Os dados soltos podem ser alarmantes, porém a análise detalhada gera um resultado mais do que otimista. Comecemos com a parte dura, para ir relaxando em seguida.

Apenas em 2017, foram registrados oficialmente 7 ataques terroristas no país, sendo outros 6 em 2016. Somente até agosto de 2018, já são três ataques registrados. O DAESH (ou o autointitulado “Estado Islâmico”) tem de fato presença confirmada no país, inclusive assumindo a autoria de alguns desses atentados que listei.

Em nenhum desses ataques os alvos ou vítimas foram turistas, ou muito provavelmente você não estará na região dos ataques, simples assim. Os alvos principais são cristãos coptas ou correntes minoritárias muçulmanas, principalmente na região do Norte do Sinai.

Você não vai acidentalmente passar no Norte do Sinai, sequer vai conseguir passar por lá caso queira. Há um controle minucioso para chegar até a parte asiática do Egito, passando pelo Canal de Suez, simplesmente uma das regiões mais militarizadas do mundo. Já no Sinai, os ataques são apenas na região norte, sendo que os destinos turísticos estão na região sul. Caso você acidentalmente pegue um caminho errado, existirão zilhões de barreiras policiais na estrada, que te impedirão de seguir e se expor a qualquer risco. De qualquer região que eu citar ou a sua imaginação listar, nenhuma delas estará em zonas de risco.

Mesmo assim, eu não recomendaria a visitação desavisada em igrejas coptas, ou de algumas mesquitas, as quais não incluo nenhuma das atrações listadas turisticamente. Recomendo fortemente as mesquitas milenares egípcias, ainda que com a checagem prévia com os locais ou com um guia de confiança.

Sobre se mover livremente pelo país

O turismo continua sendo uma das principais forças de emprego e geração de riqueza no Egito. Por essa razão, as autoridades locais tomam cuidados milimétricos para que o turista esteja seguro. Seu veículo pode ser escoltado voluntariamente pela polícia, ou mesmo será oferecida proteção oficial durante as excursões. Inicialmente, tenho a impressão de que tudo isso não seria necessário, ou pode ser que nada disso pareça necessário justamente por causa da eficiência dessas medidas. Seja como for, funciona.

Cruzando de bicicleta, tanto cuidado pode ser sufocante. Fui escoltado por um carro policial durante duas semanas, em toda a travessia do Nilo, inclusive com guarda no local escolhido por mim para dormir pela noite. Os policiais sempre foram extremamente amáveis, te oferecem chá ou comida sempre que param, sempre sorrindo. Mesmo assim, não aceitar essa proteção não chega a ser uma opção, portanto existe a sensação de perda de liberdade sim.

Outro fator curioso: em tempos em que a grande mídia demoniza os muçulmanos, a religião é justamente um fator que aumenta a hospitalidade e segurança pelo país. Se alguém te assaltar e for descoberto, não se trata somente de um crime policial, mas de um atentado à honra gravíssimo, a tal ponto que a família do assaltante sente a necessidade de mudar de cidade por vergonha do ato. Além disso, um dos pilares básicos do alcorão é a assistência ao peregrino, o que propicia uma felicidade genuína ao ser útil ao visitante. Em árabe, os viajantes possuem o poético nome de “filhos da estrada”, e é tocante ser reconhecido dessa maneira.

Se como peregrino você é respeitado, como turista você representa a maior força econômica do país, duas razões fundamentais para que exista uma grande preocupação com o seu bem-estar.

Pode ser incômodo?

Pode sim, porém isso é mais chato do que inseguro, apenas nas atrações extremamente turísticas. Nesses locais, há uma quantidade considerável de pessoas tentando obter vantagens de turistas, podendo ser de maneira até bastante insistente e invasiva.

Ouço muito seguidamente que “os egípcios só querem tirar vantagem dos turistas”. Corrigindo: “os egípcios que você conheceu”, o que significa que você viu pouco ou quase nada dos egípcios. Na vida cotidiana, fiz amigos que levo até hoje, recebo mais coisas gratuitamente do que me pedem, um egípcio médio pode fazer de tudo para que você saia do país pensando que não há nada melhor do que o Egito ou os egípcios. Há poucos lugares no mundo como esse em que penso em retornar, em grande parte por causa dessas pessoas.

Mas nem tudo são flores. Certamente, caminhar pelas pirâmides ou nas ruas de Luxor pode ser um exercício de paciência, dizer “não” uma ou dez vezes raramente será suficiente para a insistência em vender algo cessar. O que acontece é que as pessoas conhecem apenas as zonas turísticas, por isso tomam como realidade apenas aquilo que conhecem. Pra variar, conhecem pouco ou quase nada e propagam umas certezas injustas e rasas. Indo somente aos pontos turísticos, há mais recomendações do que cuidados de segurança. Um guia que conheça os melhores locais pode ser de grande ajuda, ou ainda contratar serviços que são baratos e aliviam um monte de dor de cabeça. Os preços do Egito são extremamente atrativos, por isso dá para se conceder uma série de luxos que você sequer antes cogitaria em outros lugares. Faça amigos, sente-se sem pressa num café e aborde pessoas, será um prazer para eles te contar dos cantos que só eles conhecem, e jamais te cobrarão por isso.

Como curiosidade, explico o panorama que causa tal desespero na abordagem com os turistas. Após uma crise cambial fortíssima, seguida da fuga de turistas (justamente por algumas das razões que listei anteriormente), há no país uma oferta em grande escala e qualidade, acompanhada de uma demanda cada vez mais escassa. Nessa pessoa insistente que te aborda, há alguém desesperado para obter o pão de cada dia, mas que quer obter isso através do próprio trabalho. Pensar nisso vai gerar empatia e tornar a abordagem menos pior.

PREPARE OS OLHOS, OU TODOS OS SENTIDOS, TODOS ELES SERÃO ESTIMULADOS E AGRACIADOS NAS TERRAS DA “DÁDIVA DO NILO”

© Suzane Snape

O que esperar do Egito?

Pense se você visitaria este país: de acordo com o levantamento Vox/The Guardian de 2018, por lá ocorreram mais de 1.600 ataques em massa com arma de fogo desde 2016, além de quase uma dezena de ataques terroristas. Egito? Nem de longe. Falo dos Estados Unidos. Visitar as terras do Tio Sam é considerado extremamente seguro para turistas, pois em nenhum dos ataques os alvos são visitantes estrangeiros. Soa familiar?

Existe a tendência de naturalizar e relativizar o que faz parte da nossa zona de conforto, ao mesmo tempo em que tememos o que desconhecemos. Te digo então brevemente para o que se preparar ao visitar o Egito.

Prepare-se para conhecer o Nilo, um oásis gigante e misterioso que dá vida e verde em meio ao Saara. Para conhecer milênios de história nas pirâmides do Cairo, no Vale dos Reis e em Abu-Simbel. Para ver cores que seguem brilhantes e intocadas nas paredes dos templos de Luxor. Para conhecer os maiores destinos de mergulho do mundo no Mar Vermelho e no Golfo de Aqaba. Para caminhar pelas ruas do Cairo e se surpreender com a magia da vida árabe. Para comer comida fresca como um rei. Tudo isso, com uma estrutura comparável a grandes potências turísticas, mas com preços que parecem ofensivos de tão baratos.

Prepare os olhos, ou todos os sentidos, todos eles serão estimulados e agraciados nas terras da “Dádiva do Nilo”. Tendo ao menos metade das boas experiências que tive, o Egito tem tudo para ser um dos melhores destinos da sua vida.