Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O relógio marcava zero hora de sábado quando terminamos de carregar a van e engatar a carreta com as bikes para partimos de Curitiba em direção a Bom Jardim da Serra – SC. Nove horas depois, uma parada em São Joaquim para o café da manhã, uma tirolesa de 1.000 metros no Snow Valley para acordar e estávamos prontos para começar o dia. Deixamos pra trás o Vale da Neve e às 12 h 30 min estávamos em Bom Jardim dando os primeiros giros nos pedivelas.

A ideia, como de costume, veio de um pedalante amigo nosso. Gesten sugeriu: “Vamos reunir um grupo de amigos e fazer a Rota dos Campos de Cima da Serra?”. Não deu outra. Reunimos 11 amigos: Rose, Feijão, Vera, Caverna, Gabriel, Aquilino, Dedé, Tânia, Gesten, Sabrina e eu.

© Arquivo Pessoa

Dia 1

No mais árduo e ensolarado dos dias, foram cerca de 58 km até a região do Cânion Monte Negro em estradas com raras opções de apoio como bares e mercearias. Neste trecho, foi possível contemplar muitos campos e plantações, além do parque eólico que, com suas inúmeras e enormes hélices, se torna uma visão singular na paisagem. A dificuldade do trajeto é moderada, mas pela distância, quantidade de subidas e pouca presença de sombras, exigiu bastante de cada um. Fomos bem abastecidos de água, isotônicos, barrinhas, azeitonas, além de variadas opções de guloseimas preparadas pela nossa amiga Rose, que nos ajudaram a repor as energias. Com o sol que mais parecia um maçarico sobre nossas cabeças, fizemos algumas “paradas técnicas” em rios para mergulhar e refrescar o corpo.

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Ao anoitecer, chegamos em um pequeno hotel com chalés a cerca de 6 km do Cânion Monte Negro onde, antes de dormir, realizamos um verdadeiro safári em nossos quartos para nos livrar das mais diversas espécies de seres voadores e rastejantes. As opções de hospedagem são limitadas e a estrutura das pousadas é bastante simples. Convém fazer reserva antecipada e é imprescindível levar repelente.

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Dia 2

Por volta das oito horas percorremos 6 km para visitar o Cânion e admirar um visual deslumbrante. É válido reservar duas horas para caminhar e contemplar a beleza do lugar. Seguimos pelos 35 km que nos levariam até São José dos Ausentes. Um fato interessante é que nesses dois primeiros dias, pedalamos pela divisa dos estados alternando entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul e o único jeito de sabermos de que lado da fronteira estávamos era perguntando para moradores da região.

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Chegamos ainda à tarde em São José dos Ausentes, no mesmo instante em que uma forte chuva se aprumou sobre a cidade, apenas para refrescar e limpar o caminho para o dia seguinte.  São José dos Ausentes é uma cidade daquelas que deve ter uns 700 metros de norte a sul e é considerada o ponto mais alto e frio do estado gaúcho. Possui um posto de gasolina logo na entrada que concentra praticamente toda a rede de serviços da cidade, como restaurante, farmácia, supermercado, padaria e hotel que, para nossa surpresa, possui ótimas acomodações, bastante confortáveis e assim conseguimos compensar a batalha da noite anterior.

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Dia 3

Tomamos café e seguimos até o topo da Serra da Rocinha, aproximadamente 15 km de São José, de onde se avista a cidade de Timbé do Sul, mais de mil metros abaixo. Lá em cima há uma rampa de decolagens para asa delta, de onde pode-se tirar fotos do horizonte e da cidade ao longe. Ali também é o momento

baixar os selins ao máximo e liberar as suspensões para a descida de 1.200 metros em 22 km de estrada de terra com muitas pedras. No final da descida a fadiga nas mãos e braços é quase inevitável. Aliás, estar com os freios perfeitos é vital.

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No pé da serra, paramos em um boteco para descansar os braços e tomar uma cerveja gelada antes de seguir até a cachoeira da Cortina, cerca de 4 km. Para chegar até a cachoeira, os últimos 2 km são bem fortes, com subidas curtas mas bem íngremes e uma trilha onde é necessário empurrar a bike até um ponto onde será preciso largar a magrela no mato para seguir a pé. O sacrifício é recompensado por uma queda d’água de cerca de 100 metros com um lago na base onde pode-se mergulhar, nadar e entrar debaixo da enorme cortina cristalina.

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Após o banho e visual renovador da cachoeira, fizemos uma visita a cidade de Timbé para almoçar. Os restaurantes, embora simples, são muito bons e o povo bastante hospitaleiro. Após uma comidinha caseira e um providencial descanso, hora de retornar morro acima para seguir no sentido de Cambará do Sul.

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A cidade de Cambará do Sul reserva boa surpresa aos apreciadores de uma culinária mais refinada. O restaurante “O Casarão” possui um diversificado buffet de saladas colhidas na própria horta e, além de massas próprias, possuem variadas opções de trutas, das quais podemos destacar a truta ao molho de amêndoas e ao vinho como umas das melhores. Outrossim, possuem uma farta carta de vinhos para bons níveis de exigência.

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Dia 4

Seguimos de Cambará até o Parque Nacional da Serra Geral, onde está o cânion Fortaleza. Distante cerca de 22 km, o lugar nos deixou inebriados com a beleza que vai desde cachoeiras que saem do meio de paredões de pedra e caem no vazio, até o cânion em si pelo seu gigantismo e natureza estonteante, sem deixar de citar nosso improvável encontro com uma simpática raposa, habitante da região, que nos acompanhou durante alguns minutos de caminhada. Certamente um lugar para elevar o espírito. Todos nós saímos de lá com uma sensação de renovação e encantamento que apenas quem foi sabe do que se trata. Antes de sair do parque, porém, pegamos uma trilha de 1 km até a cachoeira e Pedra do Segredo, de onde pode-se avistar do centro, o enorme corredor formado pelo Cânion.

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Depois de tanto visual,  pedalamos 22 km de volta a Cambará para uma truta de despedida no “O Casarão” e então seguimos para São Francisco de Paula, distantes 50 km. Em São Francisco é imperdível uma visita à Livraria Miragem. A livraria com três andares, funciona também como atelier de artesanatos, galeria, café e museu e possui um sobrado de 1918 nos fundos, onde funcionava o Banco Nacional do Comércio e cuja placa com o nome do gerente à época continua na fachada.

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Embora inicialmente tivéssemos previsto pernoitar em São Francisco, optamos por seguir de van até Gramado, cerca de 60 km, haja visto que muitos de nós não conhecia a cidade e seria interessante aproveitarmos um pouco mais.

Gramado é incrível, com seu charme, sua vasta opção de hotéis, restaurantes, lojinhas, fábricas de chocolates, museus, etc… É sem dúvida uma cidade que tem que ser desfrutada e qualquer dica seria preciosismo da minha parte. Entretanto, por pura coincidência, nos hospedamos na pousada Vovó Carolina, cuja proprietária vem desenvolvendo diversos trabalhos junto à prefeitura para aumentar as opções de serviços e sinalizações para ciclistas, além de parcerias para disponibilizar bicicletas públicas na cidade.

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Dia 5

Saímos de Gramado até a cidade de Três Coroas, cerca de 35 km leves e com uma descida de 12 km muito agradável. Em Três Coroas, nosso objetivo era visitar o Khadro Ling, um dos maiores Templos Budistas Tibetanos das Américas e o primeiro da América Latina. O templo situa-se no alto de um morro onde é necessário subir 5 km de ladeira bastante íngreme, pavimentada por pedras irregulares para ciclista nenhum botar defeito. A estratégia, como não poderia deixar de ser, foi: paciência budista e concentração tibetana.  Na maior parte da subida é necessário apelar para a “vovozinha” (aquela marcha que giramos 20 vezes o pedal para avançar 10 cm).  Dessa forma, calma, respiração, foco e… se necessário, uma paradinha e uma empurradinha não é demérito.

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Ao alcançarmos o cume do outeiro, nos deparamos com o descuido de não checarmos o horário de visitação. Das 11 h 30 min às 14 horas é vedado o acesso de visitantes pois os monges se recolhem para almoçar. Chegamos lá às 11 h 40 min! Após cinco dias em cima do selim, aproveitamos as boas energias do local para colocarmos as bikes na carreta e voltar até Gramado, onde pudemos curtir nossa última noite antes do retorno a Curitiba.

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