Praias incríveis, natureza fascinante e muita pobreza. As ilhas de Cabo Verde, na África, têm grandes contrastes e graças as suas trilhas sinuosas é um bom destino para mountain bikers com nervos de aço.

Para muitos europeus fugindo do inverno do velho continente, as ilhas do Cabo Verde são um refúgio e um paraíso. Eles sonham com praias vazias, natureza intocada e uma rica cultura musical. Por quê? Talvez porque eles nunca visitaram o arquipélago antes ou estiveram isolados “fritando” os corpos debaixo do sol em um hotel chique nas ilhas de Sal e Boa Vista.

Estes turistas não suspeitam da amarga pobreza da população. Aqueles que percorrem de bicicleta as ilhas seriam cegos se não vivenciassem os problemas dos cabo-verdianos. O que me impressiona é que nem mesmo a metade dos nativos vivem no Cabo Verde. Estes enviam dinheiro para os familiares nas ilhas, que morreriam de fome sem a ajuda dos “nativos do exterior”. Paraíso é outra coisa!

© Fábio Zander

Primeiro dia – Rui Vaz, ilha de Santiago

Nosso hotel, em Rui Vaz, na ilha de Santiago, fica no meio das montanhas a 800 metros de altitude. Nosso destino de pedalada era Praia, capital de Cabo Verde. Depois pedalamos em direção a Cidade Velha, primeira cidade de Cabo Verde fundada pelos portugueses que descobriram as ilhas em 1456.

Primeiro se chamou Ribeira Grande, pois existia um rio na região que desbocava no mar. Hoje resta apenas um grande cânion e o leito seco do rio. Na época dos portugueses, Ribeira Grande foi importante para o comércio de escravos com a América e o açúcar para a Europa, além de ser um ponto estratégico para reabastecimento das caravelas com alimentos e água para a travessia do Atlântico.

Antes de descermos para a Cidade Velha visitamos o forte de São Felipe que foi muito utilizado para defender a cidade. Entretanto, a cidade sucumbiu por ter localização ruim, pois era muito atacada por piratas interessados nas riquezas que o comércio de escravos gerava. Ribeira Grande perdeu muito de sua importância depois da abolição da escravidão.

A cidade de Praia foi fundada mais tarde, não muito longe de Cidade Velha, em um local mais alto e melhor posicionado para defesa. Foi crescendo e se tornou mais tarde a capital do Cabo Verde até os dias atuais.

Vivenciamos durante a pedalada muita pobreza, o que me faz perguntar: até que ponto o turismo faz bem aos lugares que visitamos nesse mundo? Dá a impressão de que somos vistos por muitos moradores como “as carteiras ambulantes”, prontos para dar dinheiro. Triste, mas qual seria a solução?

© Fábio Zander

Segundo dia – Assomada, ilha de Santiago

Depois de aproximadamente cinco quilômetros por uma estrada calçada de pedras e sob neblina, entramos em uma trilha para seguir até a base do Pico da Antonia, com 1.394 m. Não subimos a montanha por causa da forte neblina em seu topo.

Continuamos a linda pedalada por trilhas mais técnicas em um sobe e desce por platôs e pequenas serras. Avistamos alguns macacos “roubando” milho, que é muito cultivado na ilha. Há muitas plantas com espinhos que resultaram em arranhões em nossas pernas e braços.

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Terceiro e quarto dia – Tarrafal, ilha de Santiago

Um dia cheio de subidas. Pedalamos por asfalto até um passo e, antes do almoço, um trecho puxado pelo parque nacional em direção a uma bela vista panorâmica da ilha a 1.062 metros de altitude. O dia estava ensolarado, céu azul e as montanhas levemente esverdeadas deram um belo contraste.

Seguimos por trilhas quase fechadas pela vegetação espinhenta e mais alguns pneus furaram durante o dia. O trecho não foi tão técnico, mas sem a atenção devida existia o risco de tombos, o que também acabou acontecendo. Chegamos em Tarrafal no final de tarde. Os nossos pequenos chalés ficavam em frente à praia.

Na areia estavam “estacionados” diversos barcos coloridos dos pescadores e nas águas protegidas da pequena baía estavam alguns veleiros ancorados. Estar em Cabo Verde e não comer frutos do mar é quase impossível: existe uma grande variedade de pratos com camarões, lulas e peixes, destaque especial para o atum.

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Quinto dia – Pedra Badejo, ilha de Santiago

O pedal do dia foi curto, mas lindo. Começamos com grande cautela, pois a forte neblina deixou os paralelepípedos da estrada bastante escorregadios. Depois de um sobe e desce pelas montanhas chegamos a um pequeno córrego que atravessamos diversas vezes de um lado para o outro, seguindo por uma estreita trilha. Encontramos no final muita gente às margens trabalhando em plantações, principalmente de milho. Alguns trechos foram pedalados dentro do córrego.

Quando chegamos ao hotel de Pedra Badejo, começamos a desmontagem das bicicletas, que seriam encaixotadas para o navio que segue para a ilha de São Vicente.

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Sexto e sétimo dia – Mindelo, ilha de São Vicente

A cidade de Pedra Badejo tem muita pobreza e não tem muitos atrativos. Pela manhã fizemos com o grupo uma caminhada pelas plantações de banana, cana-de-açúcar, mamão, entre outras frutas. Visitamos uma destilaria caseira de grogue, também conhecida como cachaça. Foi um passeio curto, mas bem bacana com interação com os moradores locais. Um tranquilo voo de 45 minutos nos levou a Mindelo, a segunda maior cidade de Cabo Verde, a mais bonita que visitamos.

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Oitavo e nono dia – Coculi, ilha de Santo Antão

Curtimos a travessia de balsa de São Vicente a Santo Antão com vento forte e mar agitado. As ondas vêm de todos os lados e fazem a embarcação dançar, subindo e descendo, tombando para direita e para esquerda. Até os nativos mostraram o que comeram no dia anterior. Um rapaz com cabeleira tipo Bob Marley distribui alguns baldes. Por sorte eu me sinto bem e tenho tempo para curtir o cenário fora da balsa.

Atrás de mim fica São Vicente com sua vegetação rala, alguns morros e pequenos vales. À nossa frente Santo Antão, conhecida como a Ilha das Montanhas, com uma paisagem desértica impressionante formada por cânions e vales.

A ilha vulcânica de Santo Antão tem menos verde e é bem mais desértica, provavelmente pela forte ação do vento e por não ter outras ilhas ao norte. Durante a pedalada é possível ver rochas de todas as cores e as diversas camadas de lava vulcânica por onde a estrada corta as montanhas.

A estrada segue pela costa: à direita o mar, à esquerda as montanhas e o “deserto”. No outro dia seguimos de van até o início da trilha. Um trajeto lindo e bem mais técnico acompanhado de alguns precipícios ao lado da trilha.

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Décimo dia – Ponta do Sol, ilha de Santo Antão

Até o momento esta foi a trilha mais bonita da viagem em um trajeto incrustado nas rochas dos penhascos da ilha. As alturas em que se pedala com os precipícios sem proteção alguma são de tirar o fôlego e exigem atenção redobrada.

Durante a pedalada avistamos quase sempre o mar agitado e as ondas batendo com força nos rochedos. A espuma branca chega a espirrar no rosto em trechos mais baixos. Carregamos diversas vezes as bicicletas nas costas, subindo alguns metros por escadarias esculpidas nas rochas. Depois de algumas horas chegamos na pequena vila de Fontainhas, que parece um ninho de águia no meio de um penhasco.

A vida é dura por aqui e não existe acesso para automóveis. A vila só pode ser alcançada por mar ou por esse caminho de mulas, transformado por nós temporariamente em trilha de mountain bike. Paramos em um pequeno bar para tomar um refrigerante, curtir a linda vista das montanhas e o Atlântico. Do radinho de pilhas emana a música Sodade, de Cesária Evora, uma conhecida cantora cabo-verdiana, nascida em Mindelo, na ilha de São Vicente, falecida em 2011. A música é melancólica, saudosa e triste. A pedalada seguiu em direção a Ponta do Sol, a extremidade mais ao norte da ilha de Santo Antão. Uma pedalada tranquila.

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Décimo primeiro dia – Porto Novo, ilha de Santo Antão

Pela manhã fomos de ônibus até o início de nossa pedalada a 1.365 metros de altitude. Incrível a umidade no ar, a neblina e a floresta de pinheiros. Isso tudo em uma ilha onde falta água e a maior parte é desértica. Existem muitos terraços espalhados pelo caminho onde os moradores plantam suas batatas, milho e mandioca.

Pedalamos no entorno de uma antiga cratera de vulcão de onde escutamos os locais cantando em seu interior enquanto cuidavam de suas lavouras. Empurramos as bicicletas por uma trilha íngreme e acidentada até a borda da cratera e lá de cima escuto o Robert, um dos participantes olhando assustado para baixo soltando um “Wow!!!”. Isso não é uma palavra alemã, portuguesa e nem crioula, a língua nativa. Provavelmente ele quis dizer: “Você está louco? Aqui nós desceremos de bicicleta?”. O que me faz lembrar de uma antiga frase de propaganda da marca de equipamentos para montanhismo Black Diamond: “because flat sucks” (algo traduzido como: porque plano é monótono/chato) e que poderia ser usada para nossa pedalada morro abaixo.

O caminho é estreito e segue quase verticalmente para baixo. Para o apoio psicológico durante a descida por trilhas técnicas e sinuosas, existe um pequeno muro que em caso de queda seguraria uma bicicleta: o ciclista mesmo voaria desfiladeiro abaixo. Robert me olha, balança a cabeça e decide empurrar a bicicleta nos trechos mais técnicos. A coisa também não é tão dramática assim, pois os cenários e as paisagens espetaculares valem cada metro empurrado.

Chegando em altitudes mais baixas pedalamos por pequenas plantações de café e cana-de-açúcar. Atravessamos pequenas vilas e as crianças nos acompanharam por centenas de metros com fôlego para gritar “bombons, fotos, money”, enquanto outras perguntam nossos nomes e não param de tagarelar. Terminamos a pedalada na vila de Paúl, no meio da tarde, onde tivemos o transfer de van até a cidade de Porto Novo.

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Décimo segundo dia – Porto Novo, ilha de Santo Antão

A última pedalada da nossa viagem foi na parte leste da ilha, que é bem mais desértica, menos habitada e com pouco movimento de turistas. Antes da longa descida ao nível do mar, fizemos um piquenique a 1.560 metros de altitude em um platô ao lado da casa de um eremita que vive em uma caverna no meio das rochas. Daqui curtimos um visual lindo das montanhas e o mar.

A trilha desce técnica, exigindo atenção dos mountain bikers. Quem não se sente bem e seguro, empurra a bicicleta, curtindo o visual até mais do que aqueles que descem pedalando.

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Décimo terceiro dia – Mindelo, ilha de São Vicente

Este foi um dia livre em Porto Novo. Também aproveitamos para preparar a viagem de volta, já que na manhã seguinte pegaríamos a balsa para a ilha de São Vicente e à noite pegaríamos o voo de volta para a Europa.

Naquele momento já batia a “sodade” de Cabo Verde, como na canção de Cesária Evora. Saudades das inúmeras trilhas, lindas paisagens, montanhas espetaculares e gente receptiva. Só existe uma única receita contra saudades: retornar, o mais rápido possível.

Informações Gerais

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Cabo Verde

Quinze ilhas formam o arquipélago de Cabo Verde, sendo nove delas habitadas. O arquipélago é dividido em:

  • Ilhas de Barlavento, que ficam ao norte: ilhas de Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Sal, Boa Vista e as inabitáveis Santa Luzia, Branco e Raso;
  • Ilhas de Sotavento, que estão ao sul: ilhas de Maio, Santiago, Fogo, Bravo e as Ilhéus de Rombo.

Cabo Verde foi descoberto pelos portugueses em 1456, é uma república e desde 1975 independente de Portugal. A capital chama-se Praia, que fica na ilha de Santiago.

Aproximadamente 450 mil pessoas vivem em Cabo Verde, a metade na ilha de Santiago. Impressionante são os aproximadamente 700 mil cabo-verdianos que vivem no exterior e que praticamente mantém, junto com o crescente turismo, a economia do arquipélago enviando dinheiro aos parentes.

O Pico de Fogo, na ilha de Fogo, é a maior montanha de Cabo Verde e tem 2.829 metros de altura.

Pedalando em Cabo Verde

© Fábio Zander

Três ilhas são ideais para o mountain bike: Santo Antão, Santiago e São Nicolau. Fazer “island-hooping” entre as ilhas é uma boa ideia, mas fica mais complicado com o transporte da bicicleta, principalmente saindo das ilhas de Sotavento em direção a Barlavento, e vice-versa, pois são aproximadamente 200 quilômetros de distância que podem ser vencidos com um voo interno. O problema é o excesso de peso com a bicicleta. Outra solução seria uma balsa e aproximadamente 30 horas de navegação por águas agitadas.

A maior concentração de trilhas (mais técnicas) ficam na ilha de Santo Antão. Em Santiago, onde fica a capital Praia, existem boas opções de trilhas; menos técnicas, mas igualmente lindas.

Clima

Sol o ano inteiro e temperaturas entre 25 e 28°C. Nas montanhas, as temperaturas são um pouco mais baixas, com muita neblina pela manhã. Temperatura média das águas do Atlântico: mínima de 20°C.

Bicicletas All Mountain

© Fábio Zander

Cabo Verde está em minha lista “top 5” dos melhores spots para pedaladas técnicas com bicicletas do tipo all mountain. All mountain: o que é isso? Juntei algumas informações sobre essa categoria que me fascina há anos.

O meu primeiro contato com o mundo das bicicletas all mountain foi no final de 2009 em Munique, na Alemanha, quando comecei a guiar as minhas primeiras travessias pelos Alpes. Foi paixão à primeira vista, principalmente pelas características que combinam com o meu estilo de pedaladas.

Eu já lia muito a respeito da categoria em revistas especializadas, mas a decisão de comprar uma all mountain foi feita após uma pedalada de reconhecimento por trilhas nos Alpes. Percebi naqueles dias de reconhecimento que minha full suspension que até então tinha 100 mm de curso nas suspensões dianteira e traseira não aguentava o tranco de subir e descer as trilhas mais técnicas do trajeto.

Um alto investimento que valeu a pena, pois a minha bike me acompanha até hoje por trilhas espalhadas ao redor do planeta.

All, traduzido do inglês, significa tudo. Nessa categoria as bicicletas realmente podem tudo, são polivalentes e servem para todos os fins. Uma categoria que segue a ideia original do mountain bike, que é subir e descer bem as montanhas, curtindo assim a natureza, a trilha e a sensação de liberdade.

Uma all mountain deve ter como base um quadro robusto com curso de suspensões entre 140 e 150 mm, além de componentes sólidos que aguentem um forte downhill para que ao final do dia não caia aos pedaços. Também não deve ser muito pesada para um longo uphill, deve ter no máximo 13,5 kg na balança.

Abaixo seguem as principais características de uma bicicleta all mountain

  • Quadros: São normalmente de alumínio.
  • Distância entre eixos:Quanto maior a distância, maior o conforto durante a pedalada. Quanto menor, mais ágil e uma pilotagem mais “nervosa”. Para um quadro de tamanho M, provou-se em testes que a medida de 1.140 mm entre os eixos é um bom compromisso.
  • Comprimento da traseira: Um medida curta de aproximadamente 430 mm dá agilidade na pedalada. Uma medida mais longa torna a bicicleta mais lenta, fornece mais conforto e sobe melhor as montanhas.
  • Ângulo tubo selim: O objetivo é pedalar ergonomicamente “em cima” dos pedais, por isso o ideal é um ângulo de inclinação acentuado de aproximadamente 74,5°. Assim é possível mais pressão na frente da bicicleta, principalmente em subidas.
  • Ângulo da curva de guidão: Um ângulo acentuado (aprox. 68°) faz a pilotagem ser mais ágil – às vezes nervosa. No entanto, um ângulo mais raso (aprox. 67°) prevê uma pedalada mais suave, fornecendo estabilidade direcional.
  • Comprimento coluna: Quanto mais longo o comprimento, mais estendido fica o ciclista sobre a bicicleta. Em um quadro de tamanho M a medida recomendada é de aproximadamente 590 mm.
  • Reach: Reach é a medida entre o eixo do movimento central e o tubo da caixa de direção. Se o ciclista sai do selim para subir uma montanha, sua postura e proporções de peso mudam durante a pedalada. Um longo reach melhora a integração com a bicicleta e dá mais controle sobre a mesma. Se o reach é muito longo a bicicleta fica mais “agitada”.
  • Rodas/pneus: A tendência são os aros mais largos, no mínimo 21 mm, assim os pneus se acomodam melhor e se protegem melhor contra pancadas. Pneus devem ser largos, a partir de 2,35”. Essa categoria de bicicletas tinha até o ano passado as rodas de tamanho 26” como padrão, mas a tendência é cada vez mais em direção ao 650B (27,5”).
  • Cockpit: Quanto mais largo o guidão, melhor o controle em uma trilha. Um boa medida é 750 mm, o suficiente para uma all mountain. O guidão pode ser sempre encurtado. A mesa de guidão deve ser curta, entre 60 e 70 mm para uma pilotagem ágil e direta com posição confortável.
  • Freios: Discos dianteiros e traseiros com 180 mm são obrigatórios para um bom desempenho. Para ciclistas mais pesados é aconselhado um disco com 200 mm de diâmetro na frente.