“Eu não consigo encontrar a motivação certa para sair e pedalar”, “sinto muita ansiedade antes de fazer um pedal”, “acabo por ficar muito estressado quando não consigo render no pedal”, “tenho perdido a concentração nas partes mais técnicas, o que me leva a perder tempo e às vezes algumas quedas acontecem”. Essas são algumas expressões que costumeiramente podemos falar para amigos, colegas de pedal, ou mesmo em algum monólogo interno. Mas essas afirmações carregam conceitos psicológicos importantes, tanto para o desempenho no esporte, quanto para a nossa vida cotidiana. Os termos motivação, autoconfiança, estresse, nível de ativação e atenção estão presentes em nossa fala, mas realmente sabemos o que eles são?

Neste artigo buscarei apresentar essas variáveis psicológicas. Em outro momento abordarei de forma individual cada variável e como cada uma delas pode ser trabalhada, já que todas são passíveis de controle, havendo o treinamento específico. Todas as pessoas podem desenvolver habilidades psicológicas, basta treinar! O psicólogo esportivo é o profissional que pode orientar através de metodologia técnico/científica o desenvolvimento dessas habilidades. Então, vamos compreender melhor a motivação, autoconfiança, estresse, nível de ativação e atenção.

Motivação

A motivação é um processo determinado por muitas variáveis que energiza e dirige o nosso comportamento. Ou seja, é o que nos leva a realizar um comportamento específico ao invés de outro (nosso caso é andar de bicicleta), com toda a energia que julgamos necessária, com mais ou menos persistência (tempo gasto e como usamos esse tempo) e com um objetivo claro (competir, pedalar mais que os meus amigos e colegas de grupo, realizar um Audax, completar a Brasil Ride etc).

Todos nós, sem exceção, pedalamos por algum motivo (algo que nos motiva). Esse motivo é o que nos faz gastar mais ou menos tempo dedicando-se aos treinos na bike, cuidar da alimentação, da recuperação, da manutenção do equipamento, da musculação, enfim, de tudo que envolve a preparação para conseguirmos alcançar com êxito nossos objetivos dentro do esporte. Mas o que motiva uma pessoa a levantar às 5 h da manhã para pedalar antes de enfrentar um dia inteiro de trabalho?

Para responder a essa questão precisamos compreender que as razões que nos levam a querer andar de bicicleta podem ser tanto internas quanto externas. A motivação extrínseca é a voltada a recompensas externas como: reconhecimento social, louvor, dinheiro, prêmios e troféus. A motivação intrínseca se refere às razões internas, como a satisfação pessoal, a realização, o orgulho e a superação pessoal. A motivação intrínseca pode atuar naquele dia em que levantar às 5 h para pedalar está mais difícil, naquele momento decisivo da competição que temos de ir ao limite, ou mesmo em um trecho mais duro de um pedal. Ela está ligada às nossas crenças mais profundas e, claro, à paixão que sentimos pelo esporte. É comum que uma predomine sobre a outra e não raro há uma alternância das duas ao longo do tempo.

Agora responda para si mesmo. Qual sua motivação para pedalar? Quando todas as recompensas externas esgotam, por que você continua?

Autoconfiança

A autoconfiança pode ser definida como uma convicção, ajustada à realidade, que uma pessoa tem de alcançar um objetivo utilizando seus próprios recursos. Suponhamos que uma pessoa vá participar de uma corrida (um desafio, um pedal mais forte, uma trilha), ou seja, ela tem noção da situação a que vai se expor. Se essa pessoa tem autoconfiança ela vai reconhecer em si seus pontos fortes, mas também suas limitações. Reconhecendo isso, ela vai tirar proveito de seus pontos fortes e pensar em estratégias para afrontar suas fraquezas, buscando atingir seu objetivo.

A autoconfiança pode ter uma relação direta com o desempenho na bike. Com um nível adequado de autoconfiança, realista e ajustado, o desempenho em cima da bike será sempre melhor do que quando a autoconfiança é baixa, ou mesmo uma “falsa autoconfiança”.

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Um exemplo de falsa autoconfiança seria quando o ciclista se encontra com uma baixa autoconfiança e antes de uma competição ou pedal mais forte começa a fazer afirmações do tipo: “melhorei muito no morro”, “hoje vai ser meu dia”, “você vai me ver agora e depois só na chegada”, “trouxe uma corda pra puxar fulano no morro”, “todos os KOMs hoje vão ser meus”. Afirmações como essas podem esconder uma fraqueza no atleta. Ele está apenas tentando evitar um problema real que é a falta de confiança em si mesmo. Afirmações como essas podem ser um autoengano e uma vez que suas crenças não se confirmem no decorrer da prova, sua autoconfiança pode ficar ainda mais reduzida, abalando seu desempenho. A crença de uma falsa autoconfiança pode vir do ambiente, através dos técnicos, preparadores físicos, familiares ou mesmo colegas de treino e amigos. Quando o atleta é constantemente “aconselhado” com afirmações do tipo “você está indo para ganhar”, “você é melhor que os outros”, “você vai conseguir”, “é pra ser seu”, “repita em sua cabeça que você é o melhor”, “acredite profundamente que você é o melhor”. Se a autoconfiança estiver baixa, de nada adianta se autossabotar com essas afirmações. Seria muito melhor uma análise real das condições do atleta identificando suas habilidades e fraquezas e pensar em estratégias para lidar com as situações inerentes da competição.

A autoconfiança é uma variável que exige autoconhecimento. Cabe ao ciclista conhecer suas capacidades e quais são as suas chances considerando o estado em que se encontra naquele momento frente à situação a ser enfrentada. O ideal para se ter um bom rendimento é evitar o autoengano e analisar suas reais condições. Para que sua autoconfiança esteja ajustada é preciso que você realmente compreenda a condição em que se encontra e saiba como você reage às diferentes situações da competição, buscando manter os pés no chão. Bons resultados podem ser alcançados com uma boa “cabeça”, mas raramente com ideias fantasiosas e irreais.

Estresse

O estresse é a maneira como nosso corpo responde a situações que considera como ameaçadoras, tanto internas (conflitos internos, crenças pessoais desadaptativas, crenças de que tudo tem de estar perfeito, “ou é assim, ou não é”), como externas (situações da competição como atrasos, chuva no dia do pedal, problemas no trabalho). O estresse é a manifestação do corpo mobilizando recursos pessoais para resolver essas situações.

As pessoas tendem a manter uma ideia generalista de que o estresse é sempre algo negativo. O estresse acaba por se tornar um conceito utilizado de forma indiscriminada em muitas situações onde ele não deveria estar, muitas vezes utilizamos o conceito como uma forma de explicar as situações difíceis em que nos encontramos. Quando temos recursos suficientes para lidar com uma situação de risco e somos capazes de superá-lo, será algo bom para nós, algo que nos torna mais fortes e adaptáveis. Quando os nossos recursos não são suficientes ou adequados é que o estresse pode se tornar realmente um inimigo.

Cada pessoa deve encontrar seu nível de ativação ideal e uma vez que ele seja identificado é possível, através de algumas técnicas psicológicas, chegar até ele e mantê-lo durante as competições melhorando sua performance.

Vamos ao exemplo: antes de iniciarmos um pedal podemos nos encontrar em um estado de nervosismo, ou seja, a situação está sendo interpretada como uma ameaça e alguns pensamentos catastróficos podem surgir (“hoje vou sofrer muito”, “esse sol vai me cozinhar”, “vou cair naquele trecho”, “essa galera pedala muito, não vou aguentar”, “essa prova é a mais difícil do Brasil”, “eu não devia ter levantado hoje”). Se não somos capazes de controlar a situação, porque não sabemos o que fazer, automaticamente uma reação de “bola de neve” começa a se instalar e na medida que se aproxima o momento do pedal os sintomas se acentuam cada vez mais. Na noite que antecede o evento pode haver insônia, a preocupação aumenta e o estresse e a ansiedade tomam conta. Chega um momento em que o excesso de estresse vai começar a ultrapassar nossos limites suportáveis e não vamos conseguir render como o esperado no momento do pedal, isso se não passarmos mal antes mesmo da competição. Já tive casos em meu trabalho em que atletas nos seus primeiros eventos sofrem tanto no dia que antecede a competição que o corpo começa a produzir sintomas muito desagradáveis como problemas gástricos e intestinais, dores de cabeça e no corpo, além de pensamentos catastróficos que os incapacitam. Essas reações levam a um mal desempenho no dia do evento e consequentemente se elas se estendem ao longo de várias competições há uma grande probabilidade de uma espiral descendente se formar, levando o atleta a ver as competições e desafios como momentos aversivos em sua vida.

Por outro lado, se somos capazes de controlar a situação, porque temos recursos físicos e mentais suficientes, se vemos a situação como um desafio e não como uma ameaça, conseguiremos nos adaptar à situação e atingir nossos objetivos. As reações de estresse podem ser monitoradas, controladas e direcionadas a nosso favor. Situações que antes eram aversivas, podem se tornar desafiadoras e impulsionar o nosso rendimento, levando-nos ao próximo nível de nossos treinamentos. A superação pessoal é para todas as pessoas. Supere-se!

Atenção

A atenção é uma variável psicológica importante em todos os momentos dentro do ciclismo, seja em um passeio, em um treino com um pelotão ou nas competições. De maneira prática e básica, a atenção diz respeito aos estímulos que nos fixamos em um determinado momento, sejam eles internos ou externos e às respostas que damos a eles.

Quatro dimensões da atenção:

Atenção interna/externa: atenção interna se refere à quando prestamos atenção nos estímulos e respostas que são internos (tudo aquilo que acontece dentro de nós), pensamentos (“hoje estou bem nesse pedal”), sentimentos (“meu joelho não está doendo”, “como estou cansado hoje”) ou movimentos (“pedalar mais forte”). A atenção externa se refere à tudo aquilo que acontece fora do ciclista em seu ambiente (o downhill que desceremos, o barulho da corrente e dos pneus, os outros ciclistas).

Atenção ampla/estreita: atenção ampla se refere à quando o ciclista tem de focalizar vários estímulos simultaneamente (estar ciente das pedras e buracos no caminho, cuidar com a roda do colega à frente e pedalar mais forte). A atenção estreita se refere à habilidade de direcionar o foco a um único estímulo (focar na frequência cardíaca, no ritmo de quem está na nossa frente).

Como é de se supor, as dimensões se combinam e podemos ter atenção ampla/externa ou estreita/interna etc. Cada uma dessas abordagens pode ser o enfoque em uma ou outra atividade, dependendo do objetivo que buscamos com ela.

A atenção é como as outras variáveis e pode ser melhorada através do treinamento. É comum ouvirmos que algumas pessoas perdem a concentração rapidamente, ou seja, a pessoa pode ter um baixo nível de atenção concentrada ou simplesmente seleciona o estímulo errado para manter sua atenção. Em ambos os casos pode-se trabalhar e melhorar através de treinamento.

Nível de ativação

O nível de ativação é a resposta global fisiológica e psicológica do nosso organismo em uma determinada situação. A inter-relação de três variáveis que já vimos (estresse, motivação e autoconfiança) é que vai dar origem ao nível de ativação específica em um determinado momento. O nível de ativação funciona em um continuum que vai desde os estados mais baixos, como os do sono profundo, até os mais elevados, em estados de alerta máximo. A resposta de ativação possui manifestações fisiológicas (batimentos cardíacos, respiração, suor, tensão muscular), comportamentais (gestos motores e verbais observáveis, agitação, fala excessiva, gritos, ou silêncio) e cognitivas (pensamentos, monólogo interno, autofala, imagens mentais). O nível de ativação afeta o desempenho influenciando diretamente nas condições fisiológicas, mobilizando toda a energia necessária para esses processos. Mas também tem influência crítica e direta em processos psicológicos básicos como a atenção, processamento da informação e em nossa tomada de decisões.

Há um consenso na psicologia do esporte de que devemos buscar um nível de ativação ideal para competir. O nível de ativação ideal é aquele nível em que o ciclista consegue ter seu melhor desempenho. Normalmente não vai ser muito baixo (sono e preguiça) e nem elevado ao extremo (pode ficar ansioso). Cada pessoa deve encontrar seu nível de ativação ideal e uma vez que ele seja identificado é possível, através de algumas técnicas psicológicas, chegar até ele e mantê-lo durante as competições melhorando sua performance significativamente.

Quer saber como identificar seu nível de ativação ideal? Sabe aquele dia em que você sai para pedalar e parece que tudo flui de maneira quase perfeita? Você se sente bem, as pernas estão rendendo, a cabeça está boa, as curvas encaixam, acerta o desenho da trilha, passa pelos obstáculos… Você realmente se sente uno com a bike e com a estrada e o tempo parece que simplesmente não existe. Você nem vê as horas passarem. Parabéns se você já viveu isso! Guarde muito bem essa memória e busque vivenciá-la novamente. O nome disso é estado de fluxo (flow) e acredite: é uma boa medida para saber sobre o seu nível de ativação ideal.

Agora, pegue sua bike e vá viver momentos de flow.