“É impossível descer aqui”, “vou desclipar a sapatilha para não cair”, “essa descida é muito técnica pra mim”.
As frases acima são exemplos de pensamentos diante do desafio de transpor um caminho mais técnico ou uma descida um pouco mais inclinada. Mas o divertido do ciclismo (MTB) é justamente a possibilidade de desenvolver técnicas aliadas a muito condicionamento físico.

Desenvolver habilidades para viver novos desafios, assim é na bike, assim é na vida. O medo na bike está fortemente relacionado a nossa autoconfiança. Quando ainda não nos desenvolvemos tecnicamente é normal o receio frente às novas situações em diferentes terrenos. O mais comum é primeiro desenvolvermos a parte física, pedaladas no asfalto, no estradão e a perna acaba ficando boa. Mas e quando o pedal for em meio à natureza em um lugar bonito, mas com trechos no barro, com singletrack, rockgardens, cascalho solto, areia fofa ou trechos em off camber? Não podemos deixar de viver momentos maravilhosos por medo de uma trilha um pouco mais técnica. Não podemos ficar na vontade, sabendo que pode ser um pedal épico mas por receio criar a velha desculpa de que tem um compromisso no trabalho, quando na realidade o compromisso é com o medo que te imobiliza diante de uma nova situação. Como lidar com o medo?

O medo é uma reação natural do ser humano frente a uma situação de ameaça. A forma como interpretamos uma situação determina se ela é uma ameaça ou não. A trilha que é ameaçadora para um ciclista iniciante pode ser um momento de alegria para alguém mais experiente. O que separa esses dois ciclistas é basicamente o nível de autoconfiança advindo da experiência. A trilha com descidas e obstáculos para um iniciante é ameaçadora porque ele tem baixa confiança em sua técnica. Logo, vêm pensamentos do tipo “não vou conseguir”, “vou cair”, “se eu ficar clipado vou ficar grudado na bike e me machucar”, “é alto demais” “se eu usar o freio da frente vou capotar”. Um monólogo interno se inicia e diante de uma ameaça as frases que povoam a mente são pouco estimulantes. As reações diante da ameaça são debilitantes, causam retesamento nos músculos (atrapalhando a execução da técnica), suor excessivo, coração acelerado, respiração curta e rápida (falta de ar) e a sensação incômoda de frio na barriga e secura na garganta, ou seja, sensações altamente aversivas.

Agora, vamos analisar como são as sensações de um ciclista experiente. Normalmente um ciclista mais experiente sente-se mais autoconfiante frente as trilhas com obstáculos. Isso gera um padrão de percepção diferente. O ciclista experiente não vê a situação como ameaça, ele enxerga um desafio à sua frente. Um desafio é algo a ser ultrapassado, só percebemos um desafio quando julgamos ter capacidades para enfrentá-lo. A postura que adotamos diante de um desafio é diferente de uma ameaça. No desafio, nos sentimos estimulados e os pensamentos mais comuns são do tipo: “trilha top”, “isso é mountain bike”, “aqui eu estou em casa”, “vou ir só porque aquela trilha é show”, “aquela descida faz valer todo o pedal”, “hoje eu vou zerar aquele trecho”. As sensações que acompanham esse ciclista normalmente são de alegria, de bem-estar, e até de flow (como já citei na edição anterior).

Agora vamos ser práticos e utilizar algumas estratégias para lidar com o medo de cair.
Minha intenção aqui não é explicar as técnicas de pilotagem da bike, mas sim abordar as variáveis psicológicas envolvidas. Existem artigos e vídeos explicativos muito bons na internet e até escolas e profissionais especializados no ramo. De qualquer forma, é sempre interessante que um profissional ou alguém com experiência esteja acompanhando as primeiras inserções dos iniciantes em trilhas, descidas muito inclinadas, obstáculos etc.

A experiência não é adquirida por osmose, ou seja, não adianta esperar que ela um dia surja por mágica dentro de você, apenas assistindo os vídeos do Red Bull Rampage. A experiência é adquirida na medida que nos expomos às diferentes situações nos pedais. Quando nos expomos, a nossa autoconfiança pode aumentar. Conseguir realizar uma tarefa tendo um maior número de acertos do que de erros é o que nos torna confiantes em sua realização. Mas atenção! Correr riscos desnecessários não pode ser uma opção, tudo deve ser pensado e planejado.

Os diferentes terrenos exigem diferentes técnicas, por isso, aprenda sobre elas. Antes de fazer uma tentativa em campo, mentalize as situações, imagine-se fazendo a técnica, visualize-se executando a técnica em um trecho já conhecido. Uma vez na trilha, antes de executar mentalize novamente e só depois faça a primeira tentativa. Acredite, ao fazer isso você fortalece as conexões nervosas que estão envolvidas nos movimentos, facilitando assim a execução da técnica (falarei em outro artigo especificamente sobre os benefícios da mentalização).

É comum termos nos grupos de pedal o cara que demonstra ter facilidade em situações técnicas. Observá-lo passando por essas situações. Veja como são os seus movimentos e peça para que ele vá devagar de forma que você possa acompanhá-lo no percurso, seguindo o traçado que ele faz. Aos poucos você irá aprender a ler as melhores linhas do terreno e quando menos esperar estará cruzando lugares antes considerados impedaláveis. Aprendizagem por observação pode ser muito eficaz.

Controle as expectativas, não pense que porque um ciclista faz uma descida técnica parecer fácil, ela será. Ninguém nasce sabendo pedalar, todos aprendem a andar de bicicleta. Fazer o difícil parecer fácil envolve muito treino. Então, adote uma postura de desafio, mas faça as coisas de maneira gradativa, não crie expectativas exageradas, pois isso pode gerar sérias frustrações. Comece pelo mais simples e vá dificultando aos poucos, não pule estágios. Domine o feijão com arroz primeiro e só depois passe para a lição mais avançada.

Quando estiver diante de um novo desafio, faça uma leitura de suas condições. Identifique seus pontos de tensão e relaxe a musculatura, respire profundamente algumas vezes de modo a normalizar o consumo de oxigênio e controlar os batimentos cardíacos. Utilize as técnicas que mencionei no meu primeiro artigo na edição 56 da revista (técnica do Pare e Autoinstruções). Essas técnicas podem auxiliar no controle dos pensamentos intrusivos que minam a nossa coragem e atitude.

Por fim, saiba que o diferencial de um atleta campeão muitas vezes é a capacidade de, frente às situações-problemas inerentes das competições, percebê-las como um desafio e não como uma ameaça. Se conseguirmos nos diferentes âmbitos de nossa vida analisarmos as situações-problemas como desafios e não como ameaças, com certeza conseguiremos pensar e agir de maneira mais adaptativa e acertada.

Desejo ótimos desafios a todos!