As cidades estão, a cada segundo, mais pulsantes e complexas. Quem observa o Skyline a distância não consegue contemplar seus meandros, muito menos perceber a cidade a partir de outras perspectivas. Do alto dos arranha-céus, o entremeado de ruas, de alamedas, passeios, túneis, praças, pontes e viadutos não são observados desde uma perspectiva humana. Para compreender o dia a dia da mobilidade, ali, na cota do pedestre, incontáveis formas de bicicletas surgem a cada esquina, sugerindo que este lugar seja o delas. As bicicletas urbanas vão tomar o espaço que lhes confere. Duvida?

Basta uma ligeira olhadela nas ruas pelo país e nos deparamos com novos modelos de bicicletas destinadas a contemplar o uso diário em meio urbano. Não importa se a cidade está impermeabilizada pelo asfalto ou se ainda conserva o calçamento original. Não importa se há estrutura cicloviária disponível e efetiva, ou não. As bicicletas urbanas estão, efetivamente, ocupando as ruas!

Elas apresentam um design específico, ergonomicamente pensado para favorecer o ir e vir. O visual recorrente é mais slim, adaptado ao corre-corre contra o relógio das urbes, muitas vezes para chegar ao trabalho ou à faculdade como opção ao transporte público. Elas estão sendo, ao mesmo tempo, protagonistas e coadjuvantes de um fenômeno civilizatório em meio à cidade, promovendo além do deslocamento, contemplação, ativismo urbano de qualidade e intermobilidade.

Alguns companheiros irão dizer que a conveniente adaptação das mountain bikes para o uso na cidade também seja válida. Concordamos, mas neste momento queremos dar um pouco mais de luz a esta categoria característica de bicicletas, sejam elas urban, fixed gears, elétricas, customizadas, dobráveis, confort, vintage etc.

É fato que cada desenho de bicicleta corresponda a uma finalidade e estilo de deslocamento sobre rodas e pedais, por este motivo, encontramos uma diversidade positiva, colorindo as ruas e humanizando as cidades. Parte deste movimento urbano pró-vida encabeçado pelo uso prioritário da bicicleta têm movido a indústria no país, porém, mais marcante do que isto é o resultado em qualidade de vida tanto para a cidade quanto para o usuário.

Conversamos com nossos companheiros de pedal urbano de várias partes do país (ah, como seria bom conversar com todos!), que nos repassaram suas impressões sobre o uso das bicicletas urbanas. Alguns ciclistas opinaram a respeito das características que mais se destacam nas bicicletas urbanas. Começamos com a variável:

Conforto

Claudio Silva, arquiteto na SEMOB – Ministério das Cidades.

“Destaco o conforto, e não necessariamente o desempenho. Este é para mim o principal requisito da bicicleta de uso urbano. Digo isso, porque a opção de pedalar na cidade também envolve uma vontade de desfrutar do vento no rosto e gozar da possibilidade de olhar as outras pessoas nos olhos, além de perceber com tranquilidade as mudanças que naturalmente acontecem nos edifícios e espaços públicos livres. Por isso, a bicicleta urbana fica ainda melhor quando tem guidão alto e mais próximo do tronco, banco macio e largo e pneu fino. Essa faz meu tipo!”

Concordando com Claudio e somando a variável UTILIDADE, Dora ainda exprime a necessária e benfazeja opção de notar a cidade, de percebê-la:

Utilidade

Dora Moreira, artesã de bicicletas e criadora na Dora – Bicicletas Estilizadas.

“Em minha opinião, para uma bicicleta ser considerada urbana, é necessário que conte com para-lama, bagageiro traseiro, cesta utilitária e cobre-corrente. Esses são os itens que identificam basicamente uma bicicleta urbana e ajudam na locomoção de quem pedala para ir ao trabalho, escola, compras no mercado e, até mesmo, para o passeio. De todos os itens, a meu ver, o que mais se faz necessário é o para-lama, porque sem ele fica inviável pedalar em locais molhados e após uma chuva. Como artista e usuária de bicicletas na cidade, acredito que não seja possível negar que o que tem mais repercussão entre aqueles que aderiram à bicicleta, como veículo, são as sensações de redescoberta da cidade, além da melhoria no humor e da liberdade, por não fazermos parte do trânsito caótico e constante dos grandes centros”.

E das Minas Gerais, Juiz de Fora, o Guilherme lembra, além do conforto, da variável SEGURANÇA:

© sense DIVULGAÇÃO

“Conforto também é fundamental, ela precisa ter uma geometria adequada permitindo uma postura um pouco mais ereta.”

Segurança

Guilherme Mendes, mineiro de Juiz de Fora, 40 anos, bike anjo e fundador do MobiliCidade JF.

“Em minha opinião, características que são indispensáveis em uma bike de uso urbano são o conforto e a segurança. O conforto, por exemplo, se traduz em uma posição adequada do ciclista, com o tronco mais ereto e o uso de um selim confortável. Quanto à segurança, luzes dianteira e traseira e uma tranca de qualidade”.

E de que adianta ter um design bacana e todo o conforto, se esquecermos do que regulamenta o CTB? Vale a indicação do Luis:

Regulamenta o CTB

Luis Patricio, membro do Grupo Transporte Humano, autor do livro ‘Minha garagem é uma sala de estar’ e um dos fundadores da UCB – União de Ciclistas do Brasil.

“Para quem usa no dia a dia é indispensável que ela disponha de espaço pra carregar os pertences pessoais. Pode ser um bagageiro, uma cesta ou um alforje, mas tem que ser prático para poder carregar uma mochila, a compra do supermercado ou uma pizza. Conforto também é fundamental, ela precisa ter uma geometria adequada permitindo uma postura um pouco mais ereta e um guidão curvo ergonômico. E alguns itens que costumam ser acessórios em bicicletas esportivas, mas que para uso urbano são obrigatórios como: para-lamas, protetor de corrente, buzina, luzes e um descanso firme”.

A Priscila adotou uma urbana como promotora do seu movimento, invariavelmente, lá em Curitiba – PR, e não dispensa a ERGONOMIA:

Ergonomia

Priscila Maris, proprietária da Agência de Turismo Poltrona 1 Art & Bike (www.poltrona1.com.br/)

“Adotei a bicicleta como meio de transporte em Curitiba há seis anos, a princípio, utilizando-a para ir ao trabalho, pois sou da área de turismo. Foi um processo gradativo, iniciando as pedaladas para ir o trabalho, às compras de supermercado, às baladas à noite e para o lazer urbano. A verdade é que a bicicleta virou uma extensão das minhas pernas, o meu movimento é a partir dela. A minha bicicleta é uma urbana, aro 29. Ela me permite circular pela cidade comodamente e sem necessidade de usar uma roupa específica de ciclismo. A posição mais ereta da bike urbana proporciona uma visibilidade total do nosso meio. Os pneus mais finos, o bagageiro (para a colocação de alforjes) e os para-lamas dianteiro e traseiro são acessórios imprescindíveis para que possamos circular livremente e realizar qualquer atividade que costumeiramente faríamos com um carro, por exemplo”.

E tem mais gente bacana fazendo coro, né, Janaísa?

Janaísa Cardoso, fotógrafa, artista e criadora no Bicicletários Imaginários (www.bicicletariosimaginarios.com.br)

“Ela deve oferecer a comodidade para transitar nas ruas sem ser preciso usar roupas de ciclismo. O ideal é ter o quadro baixo para facilitar no embarque e desembarque, protetor de corrente e para-lamas para não sujar a roupa, guidão curvado para manter a coluna ereta, além de bagageiro para carregar o que for preciso”.

© MERIDA DIVULGAÇÃO

Além da questão CONFORTO, UTILIDADE, SEGURANÇA e ERGONOMIA, vale salientar a variável INTERMODALIDADE. E o Phillip, lá em Brasília – DF, não deixou de evidenciar isto:

Intermobilidade

Phillip James Fiuza Lima, coordenador geral da ECCO Conexões, fundador da Bambu Bike do Brasil, revendedor exclusivo no Brasil da SweetSkinz (www.sweetskinznobrasil.com.br)

“Para ter uma bicicleta confortável e segura para andar na cidade é importante usar pneus adequados para uso no asfalto, mas que permita pegar uma terra compactada, se for necessário. O quadro deve permitir o uso de bagageiros para cargas leves como alforjes, por exemplo. Um quadro dobrável tem grandes vantagens para uso intermodal com outros meios de transporte e para guardá-la, porque faltam muitos locais com bicicletários decentes e funcionais”.

Já pensou, se com tudo isto, a sua bicicleta urbana deixasse você na mão por falta de cuidados carinhosos? A mecânica aparece no depoimento do Robson, associada a uma MANUTENÇÃO PREVENTIVA que não nos deixa na pior quando precisamos de nossa bike 100%:

Manutenção preventiva

© MOBELE DIVULGAÇÃO

Robson Combat, pai do Dimitri, analista de T.I e membro da T.A (Transporte Ativo: www.ta.org)

“Eu já escrevi alguns artigos sobre esse tema. Em resumo, eu diria que o pedalar urbano como meio de transporte é bem diferente de outros (esporte, lazer, viagem etc.). Quando pedalamos para o trabalho, por exemplo, o objetivo é ter certeza de chegar, de forma confortável e segura. No caso de furar um pneu ou quebrar um componente da transmissão quando realizamos uma pedalada de lazer por volta de casa, no pior dos casos, voltaremos empurrando a bicicleta. Mas, se isso ocorre quando vamos ao trabalho, de fato se torna um transtorno real. Temos ainda necessidades extras, como local para transporte de bolsas e mochilas, além de proteções na bicicleta que garantam que cheguemos limpos ao destino. Então, eu diria que é muito importante ter componentes mecânicos de qualidade que garantam que a bicicleta não vai quebrar no trajeto. Nisso incluo pneus e câmaras, além de uma fita antifuro ser muito bem-vinda, eu uso sempre. Como itens de conforto e utilidade eu diria que são fundamentais o uso de para-lamas (nos protegem da água que vem do chão), cobre-corrente (protegem a barra das calças), bagageiro e cesta (para transporte de bagagens do dia-a-dia). Para finalizar, devemos estar atentos aos cuidados naturais que teríamos com qualquer outro meio de transporte: ter manutenção da bicicleta sempre em dia”.

“O quadro deve permitir o uso de bagageiros para cargas leves, como alforjes.”

As bicicletas urbanas, em sua grande maioria, já trazem de série itens de sinalização luminosa ou sonora. E a Claudiléa não se esqueceu disto:

Segurança

Claudiléa Pinto, ciclista urbana convicta

“A bicicleta urbana é como uma vestimenta que utilizamos diariamente, ou quase isso. Contudo, sendo possível, é necessário que ela seja compatível com o tamanho de cada indivíduo, com a geografia da cidade e com o trajeto que se fará para, então, oferecer conforto e segurança nas pedaladas. Aqui no Rio, considerada uma cidade plana, tem-se a facilidade de trafegar com todos os modelos, com ou sem marchas. Verificar os itens luminosos indicados por lei e exagerar no que puder a mais, como pisca-pisca, coletes refletivos para noite. Um ciclista urbano, que lida com um tráfego diário intenso e violento, precisa ser visto, ouvido e estar bem sinalizado”.

O Ataíde também crê que a bicicleta urbana esteja desenhada e configurada para ser como a roupa que usamos, diariamente. Neste aspecto, ele comenta:

Ataíde Júnior, ciclista, marido e pai de três lindos filhos.

“Quase usando a poesia, seria o mesmo que uma roupa que vista bem conforme sua necessidade. Quanto à parte técnica, uma híbrida é tudo de bom, com aro 700, para-lamas e uma pequena sineta para dizer que está passando. No mais, é vento no rosto e a alegria que não cabe no coração”.

© PASHLEY DIVULGAÇÃO

Vamos acrescentar a este conjunto de características essenciais da bicicleta urbana mais uma variável, lembrada pela Rebeca, a MECÂNICA ACESSÍVEL, além da crescente opção pela bicicleta elétrica:

Mecânica acessível

Rebeca Menezes, sócia-proprietária
de O Ciclista Elétrico, em Manaus.

“A bicicleta urbana é para todos que usam a bike diariamente. Ela é fácil de manusear, prática e acima de tudo precisa dispor de equipamentos para quem a utiliza no dia a dia em variadas situações, seja para subir ladeiras íngremes, ou ruas esburacadas. Grupos com fácil manuseio e pouca manutenção facilitam muito pra quem utiliza a magrela sempre. A bicicleta elétrica, por sua vez, se torna muito prática neste sentido, pois facilita o pedalar para pessoas que não querem fazer muito esforço para ir ao trabalho, faculdade etc”.

Concordando plenamente com o senso estético da Dora, até porque são artistas que usam a bicicleta como tela, o Zé adiciona uma pitadinha a mais de PRATICIDADE, quando sugere o uso de cubos de marcha interna:

Praticidade

Zé Mario, publicitário, artesão de bicicletas e owner na Sem Raça Definida
(www.semracadefinidasaddles.com.br)

“Pela minha experiência de andar de bike na cidade, existem alguns pontos que uma bicicleta para ser considerada urbana deveria ter: bagageiro, para evitar mochilas ou bolsas penduradas no corpo, provocando suor; proteção de partes da bicicleta que poderiam sujar a roupa, como para-lamas, cobre-correntes e afins, pois as pessoas não estão predispostas a se sujar, afinal, não estão andando de bicicleta por esporte, mas por opção de locomoção. Sobre a parte mecânica, devem ser simplificadas, a fim de ter a mínima manutenção. Pra esse ponto, acho interessantes os sistemas do tipo cubo com marchas internas, cardã, single speed ou até mesmo fixa. Outro ponto que deveria ser levado em conta é possuir algum sistema de segurança acoplado nela, afinal, vão ficar constantemente amarradas em diversos lugares. Ah, tem outro ponto: a estética das bicicletas urbanas é diferente das bicicletas de uso esportivo. São bicicletas que tem design mais clássico, casual”.

O Jorge, esposo da Rebeca, dialoga com o Zé, e sugere a associação de ROBUSTEZ entre as características bem-vindas no setup das bicicletas urbanas:

Robustez

Jorge Mojica Aguirre, colombiano radicado em Manaus, proprietário de O Ciclista Elétrico
(www.ocebikes.com/oce)

“A princípio as características seriam a praticidade, como a existência de cestos ou alforjes, para-lamas etc.; o conforto, com uma posição mais ereta; a robustez e mecânica descomplicada, como as que têm grupos Nexus da Shimano, por exemplo. Opcionalmente, colocaria motorização elétrica para facilitar as subidas e minimizar a transpiração”.

Lembrando-se dos ACESSÓRIOS, a Renata dá a dica:

Acessórios

Renata Flor, Socióloga e membro da Assoc. Rodas da Paz

“As bicicletas urbanas são a opção que aumenta a praticidade e conforto de quem escolhe usar a bicicleta no cotidiano, e abrem possibilidades para todo um mercado de acessórios importantes para esse uso diário, como para-lamas, alforjes e cestinhas. O uso crescente da bicicleta como meio de transporte certamente vai ampliar a demanda por bicicletas urbanas”.

© DURBAN DIVULGAÇÃO

E o assunto não se esgota, e nem é nossa pretensão. Para tanto, finalizamos este bate-papo em forma de texto com um resumo bem bacana do experiente Luis Antônio, lá da bela Florianópolis:

Luis Antônio Peters

“O uso da urbana, em princípio, permite a pedalada numa posição mais confortável e ereta. Entretanto, pessoas que circulam por trajetos mais longos podem preferir posturas mais voltadas para o desempenho, mais aproximadas às posições de competição. Estas últimas, também devem preferir bicicletas mais despojadas de qualquer acessório que acrescente peso para elas ‘desnecessário’. E, claro, há muitas variações possíveis entre essas duas possibilidades. Dois desses ‘pesos’ adicionais que considero importantes são os para-lamas e os bagageiros. Pessoalmente, acho desconfortável ter de levar mochila, pelo menos numa base rotineira. Cidades mais planas normalmente não requerem sistema de troca de relação de tração, o que simplifica bastante a manutenção, porém, cidades mais acidentadas topograficamente já podem recomendar relações que facilitem as subidas mais íngremes. O mercado oferece muitas opções para o ciclista, que deve considerar a sua condição física na escolha. Falando em meio urbano, não se pode deixar de pensar na opção das bicicletas urbanas dobráveis atuais, que são altamente convenientes para viagens com mais de um modal. As dobráveis disponíveis normalmente já oferecem os para-lamas e o bagageiro. A adoção de pneus finos diminui o atrito e melhora o desempenho do ciclista, mas tira muito o conforto do rodar. Pneus mais largos absorvem mais os choques e vibrações, mostrando-se mais adequados para as condições das nossas ruas, costumeiramente muito sujeitas a buracos e irregularidades”.

E viva a Bicicleta, sempre!

© Richard Walch / Specialized