O CONFLITADOR

Era um sábado ensolarado de inverno, resenha no canto da rua, pós pedal em uma via tradicionalmente usada para treinos em Barueri. Estávamos falando sobre o treino plano cheio de subidas, que era pra ser num ritmo Z2 (ainda irei descobrir o que é isso) e que acabara em  um rachão… quem nunca?

Bom, as risadas e zoadas foram interrompidas por uma freada seguida da insistente buzina! Uma sujeito visivelmente irritado parara à alguns centímetros de minha roda, e exigia espaço para passar… olhei ao redor, notei que o cidadão tinha duas faixas para passar e me mantive imóvel, com aquele sorriso de “vá catar coquinho” e aguardei a primeira ofensa:

“Seu folgado, sai do meio da rua”. (Obviamente troquei alguns substantivos e adjetivos para não ser censurado no meu 1o texto nesta revista).

Cheio de razão, proferi uma dúzia de provérbios num tom mais alto que a buzina do sedan alemão, que foram rebatidos com outros elogios pelo revoltado motorista. Cheguei mais perto para poder retrucar ainda mais quando olho para o banco de trás. Uma assustada menina, vestida de bandeirantes, olhava para o nada com uma expressão de terror. Caiu a ficha e tirei a bike da rua, envergonhado.

Pois é senhores, poderia ter acabado mal, mas poderia ter começado bem!

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Este mundo não é só nosso!

O pedal nos liberta das amarras do dia a dia, nos entrega saúde, libera todas as substâncias que nos ajudam a sermos felizes, nos reúne em comunidades com a melhor resenha possível, nos desafia em um mundo só nosso… e este é o problema:

Este mundo não é só nosso! É co-habitado pelos pedestres (que na “cadeia” de mobilidade possuem prioridade e são mais frágeis), veículos movidos à combustão (e seus motoristas preocupados com seus problemas do dia a dia, atrasados ou simplesmente desligados), outros ciclistas (que pedalam como nós, poderiam ser nossos amigos, mas são de outro grupo em outro treino) e os iniciantes (sim, todos nós fomos um dia, não sabíamos como reagir quando alguém grita “esqueeeeerda”). Em algum momento somos, fomos ou seremos estes parceiros de via, que não estão contra nós, mas simplesmente possuem uma realidade pontual que não sabemos, nem procuramos saber aliás.

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Em algum momento somos, fomos ou seremos estes parceiros de via, que não estão contra nós, mas simplesmente possuem uma realidade pontual que não sabemos, nem procuramos saber aliás.

Já presenciei professores de ciclismo e profissionais experientes xingando um pedestre que atravessou na faixa reservada à ele, em plena USP, ciclistas gritando com motoristas que não olharam para o lado ao entrar em uma rua (sendo que estava na faixa da direita) e, recentemente, tivemos casos de acidentes graves, agressões e baixaria em um dos locais mais movimentados pelos ciclistas em SP. O que tudo isso tem em comum? A falta de empatia, respeito e inteligência.

Voltando ao meu caso, o que faltou em mim?

Empatia? Sim, poderia ter me colocado no lugar do motorista, que pode estar com algum problema ou ter algum problema, que eu não posso resolver mas não preciso piorá-lo;

Respeito? Sim, desrespeitei meus colegas, que estavam constrangidos pelo show de blasfêmias, desrespeitei o trânsito, pois estava parado no meio da rua, desrespeitei o tal do motorista, com meus “elogios reversos” e agressividade na fala, desrespeitei meu esporte, com um exemplo que deve ter reverberado na comunidade do dono do sedan branco;

Inteligência? Pois é amigos, o que eu esperava com minha atitude? Que o cara descesse, pedisse perdão e se oferecesse para limpar a corrente da minha bike? Ou pior, que o cara quisesse realmente brigar, para eu poder descontar a raiva que tenho do mundo? O que me impediu de fazer diferente e continuar uma agressão?

O EGO! O mesmo ego que tento agradar, que se orgulha quando faço um pedal longo com os amigos, acordando cedo e treinando duro para me dar bem em uma prova, o mesmo que fica feliz quando estou com algum equipamento novo, ou quando um kudo, um like… Ele precisa ser alimentado, ele é meu companheiro fiel e insistente.

Precisamos descobrir outras formas de alimentar o ego, sem partir para uma agressão (verbal e até fisica).

Se eu simplesmente tirasse a bike e pedisse desculpas, acenando e sorrindo, o dia de todos teria terminado melhor.

Se o tal do professor tivesse parado para o estudante atravessar, ou então avançado com cuidado e pedindo desculpas por desrespeitar a regra.

Se as pessoas que se agridem nas ciclovias da vida, relevassem e deixassem o outro passar, mesmo que ele tenha gritado “esqueeeeeeerda” de forma desproporcional.

Se ao nos sentirmos agredidos, tivéssemos  coragem (isso sim precisa de coragem) e fossemos conversar com calma com o agressor (ou pessoa que quase nos derrubou), explicando que ela poderia ter causado um acidente e sugerindo uma atitude diferente…

Enfim, somos os protagonistas da paz que buscamos, em qualquer momento de nossa vida. Sempre tento agir conforme sugeri acima, nem sempre consigo, mas quando faço da forma agressiva, o melhor acontece quando percebo e peço desculpas. O “valeu” ou “sem problemas” que recebo alimenta mais meu ego que uma agressão consumada.

Edu Gasperini: Filho, pai, e empreendedor no mundo dos esportes e relações.

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Somos os protagonistas da paz que buscamos