Vale Europeu com a mascote

Em busca de nossa própria essência de viajantes, de nosso próprio “eu” em fuga, assim… de uma hora para outra, organizamos nossas mochilas para mais uma aventura em nossa vida nômade. O roteiro dessa vez foi o Circuito Vale Europeu, primeiro do Brasil desenhado especialmente para o cicloturismo e, com certeza, um dos mais lindos da América. Coco, nossa mascote companheira de viagem, foi a primeira cachorrinha a receber o certificado de conclusão do circuito.

O sol, nosso companheiro de viagem, já se erguia no céu e cobria o Vale Europeu, nordeste de Santa Catarina, com uma luz que refletia cores e flores nos jardins das românticas casas coloniais que adornam e marcam o Circuito do Vale Europeu como um dos mais bonitos do Brasil e o primeiro totalmente desenvolvido para bicicletas. Em seus aproximadamente sete dias de percurso, são muitas as bucólicas pontes de madeira sobre cristalinos regatos e rios que abundam na região, colonizada, durante os séculos XIX e XX, em sua maioria, por italianos e alemães que buscavam nas belezas da Mata Atlântica uma alternativa de vida em um continente de possibilidades.

Nos lançamos nessa aventura com muito amor e alegria e contando em terminar junto da Coco, o primeiro cãozinho a percorrer o circuito, desde que este fora criado.

© Emi e Lara – Jardim do Mundo

Sobre o circuito

O roteiro é totalmente auto-guiado em seus aproximadamente 300 km de extensão. Isso significa que você encontra indicações e placas durante todo o caminho, que se inicia e termina no mesmo lugar, no centro da cidade de Timbó-SC. Além de Timbó, ainda percorre os municípios de Pomerode, Indaial, Rodeio, Dr. Pedrinho, Rio dos Cedros e Benedito Novo e opcionalmente Apiúna. Geralmente é percorrido em sete dias, pois existem sete check points onde você recebe um carimbo em seu passaporte, que é retirado junto de planilhas e panfletos informativos no início do percurso, confirmando sua passagem pelas localidades pertencentes ao roteiro, que pode ser montado de acordo com a experiência de cada ciclista, podendo ser percorrido em menos ou mais dias.

A média de quilometragem por check point é de 40 km e existem possibilidades de pernoite em todos os momentos do circuito, seja em campings ou hotéis.

Nossos equipamentos

Quando falamos de equipamentos, leve em consideração o fato de que somos os dois “fominhas” de estrada, porém, ciclistas amadores, o que faz de nossa seleção de equipamentos duvidosa – ou uma dentre muitas outras possibilidades.

Nossas bikes, duas “Bike Manufaktur”, feitas à mão, são nossos principais equipamentos e onde depositamos toda nossa confiança, pois não levamos pneu ou câmara sobressalente ou qualquer kit de reparos além de algumas chaves. Foi na raça. De resto, três alforjes (dois quebraram), um cestinho para levar Coco, água e muita fruta, algumas peças de roupa e material de higiene. Não levamos barracas, programamos nossas estadas nos lugares mais em conta e bacanas que encontramos, mas uma outra ótima opção é a barraca e o carisma que te leva a um convite para ficar em algum quintal, artigo que abunda em lindeza durante todo o roteiro.

© Emi e Lara – Jardim do Mundo

Diário de bordo

Paramos em Apiúna para descansar dos quase 500 km entre o norte gaúcho e o pequeno e modesto hotel à beira dos últimos 30 km de estrada até Timbó, que seriam vencidos para então iniciarmos o circuito, após uma noite de sono.

Preparamos os alforjes e conjeturamos as inúmeras possibilidades de Coco ser barrada nos hotéis, sendo o primeiro cachorrinho a fazer o percurso.

Estávamos conscientes que seria impossível resistir aos seus olhares de “me leva” e então encaramos a fria necessidade de se armar um teto de amor quando nos for negado um pouso. Principalmente porque não carregávamos uma barraca.

© Emi e Lara – Jardim do Mundo

Primeiro dia

Timbó a Pomerode

45 km

Saída: 10 h

Chegada: 17 h

Deixamos nosso carro no Hotel Bluehill, a apenas algumas centenas de metros do início do Circuito do Vale Europeu. Lá mesmo, na recepção do hotel, pudemos comprar as planilhas, passaportes e materiais relativos ao circuito por seus  R$ 15, com direito a um certificado no final dos circuito.

Tudo organizado, nos pusemos a pedalar os primeiros quilômetros do circuito em direção a Rio do Cedros e então Pomerode. Pedalamos uns 20 km até estacionarmos em frente a uma igreja para nosso lanche trivial que, quase sempre, consistia em bananas, mamão, algumas bolachas e muita água. É um dia com muita subida e uma agradável descida ao final, esta que nos recebeu abaixo de uma chuva muito bem-vinda, que cobria as românticas casas enxaimel que marcam a cidade de Pomerode por sua colonização alemã. Casinhas que brindavam nossa chegada ao nosso primeiro destino do circuito do Vale Europeu e um trecho que mostra muito do que se espera do circuito.

Em Pomerode foi muito difícil encontrar um hotel ou qualquer lugar para ficar pois a cidade, que já é turística, recebia muita gente para as festas de páscoa, rally velocidade e festival da cerveja. Cidade lotada. Conseguimos um hotel ruim por um preço alto. O único com quarto disponível.

Segundo dia

Pomerode a Indaial

43 km

Saída: 9 h

Chegada: 16 h

Saímos “cedo” e começamos a pedalar muito empolgados. Pedalamos muito dentro da cidade, primeiro para carimbar o passaporte e depois para encontrar o início do circuito. Percorremos cerca de 14 km dentro da cidade e começamos o trajeto com a promessa de muitas belezas que esse caminho oferece. Cerca de 10 km de subidas depois, nossas expectativas foram por água abaixo quando, após passar por uma turma de jipeiros que nada nos disseram, fomos alertados por moradores de que o tal rally percorreria os mesmos quilômetros do circuito de cicloturismo e que seria arriscado continuarmos.

Tivemos de pensar rápido sobre nossa viagem e o que faríamos a partir dali. Decidimos percorrer o trecho de 30 km de asfalto que separa Pomerode de Timbó, naquele dia super quente e desfavorável, movimentado como fim de tarde de segunda.

Guiamos com calma até Timbó. Lá chegando, pegamos nosso carro, pusemos nele nossas bikes e rumamos a Indaial, até o Hotel Fink, que nos recebeu super bem no final daquele dia suado. Foi tomar um delicioso banho e correr pra rua para comer e então cair no sono. Coco não podia estar mais feliz, sendo bem recebida em todos os hotéis como o primeiro cãozinho a percorrer o circuito.

© Emi e Lara – Jardim do Mundo

Terceiro dia

Indaial a Rodeio

28 km

Saída: 8 h 30 min

Chegada: 12 h

Tomamos um excelente café da manhã, nos despedimos da família Fink que administra o hotel e partimos. Pedalamos durante um bom trecho por uma via de asfalto para logo em frente encarar um trecho suave de estrada de chão, onde cruzamos bonitas paisagens e pontes tradicionais.

Chegamos ao município de Ascurra, um pouco antes de Rodeio, e pudemos nos deslumbrar com o belo conjunto arquitetônico do centro da cidade, formado principalmente pelo colégio São João. Pedalamos mais uns 5 km até o centro de Rodeio, onde encontramos nossa pousada, a Pousada Stolf, que fica bem no centro da cidade. Ainda tivemos tempo, já que é o trecho mais curto de todo o circuito, de almoçar junto dos colonizadores italianos da cidade que comemorava seu aniversário. À noite, logo em frente a nossa pousada, no restaurante Caminetto, jantamos como deveriam jantar dois cicloturistas, em uma deliciosa refeição. Dormimos nos preparando para o dia seguinte, que nos aguardava com uma subida de 8 km e um ganho de altitude de mais de 1.300 m.

Quarto dia

Rodeio a Dr. Pedrinho

46 km

Saída: 8 h 30 min

Chegada: 16 h

Começamos nossa lenta subida do morro do Ipiranga às 8 h 30 min e só conseguimos superá-lo por volta das 11 h. Um grupo de ciclistas de Joinville, que fazia o circuito com carro de apoio, se ofereceu para levar nossos alforjes até nosso próximo destino, em comum, em Dr. Pedrinho. Com peso a menos a tarefa de subir ficou mais tranquila e sem desgaste muscular que comprometesse nosso circuito. Este é um dos trajetos mais pesados, mas, com toda a certeza, um dos mais bonitos.

O café da manhã oferecido e o lanche que preparamos na Pousada Stolf, combinados de frutas e água, foram nosso sustento do dia, que nos ofereceu boas sombras e muitos riachos e rios refrescantes.

Chegamos em Dr. Pedrinho com um belo visual, mas ainda vencendo subidas, para enfim chegar ao nosso destino do dia: o Hotel da Dona Hilda. Uma cama deliciosa e um banho foi o nosso conforto depois dessa forte pedalada.

© Emi e Lara – Jardim do Mundo

Quinto dia

Dr. Pedrinho a Alto Cedros

43 km

Saída: 8 h

Chegada: 17 h

Saímos abastecidos, café da manhã tomado e lanches que preparamos no hotel (a partir de Rodeio, as pousadas e hotéis oferecem lanches para serem levados na travessia, uma cortesia aos cicloviajantes).

O início do percurso foi marcado pelo intenso tráfego de caminhões que trabalham em obras na estrada e na recolha de material florestal, tornando nossa manhã um bocado conturbada. Após 15 km estávamos, mais uma vez, mergulhados na paisagem bucólica que procurávamos quando começamos o circuito; estradas tranquilas atravessadas por córregos que nos refrescavam e florestas que nos protegiam sob suas sombras, cortejando nossa passagem com borboletas multicoloridas. Roteiro encantador, apesar de uma sequência interminável de subidas e descidas desgastantes, que nos preparavam para o desértico sexto trecho entre Alto Cedros e Palmeiras. Ao final desse nosso quinto dia estávamos exultantes quando fomos recebidos pelo proprietário da Pousada, o senhor Raulino Dulwe, que nos aguardava em seu barquinho azul, que nos atravessaria, com bikes e tudo, até a margem oposta, onde pernoitamos em ótima companhia dele e sua esposa, instalados em um chalé. Lindas vistas para o lago e suas charmosas casas são a grande curtição dessa localidade.

Sexto dia

Alto Cedros a Palmeiras

37 km

Saída: 8 h

Chegada: 16 h 30 min

Deixamos o chalé do Sr. Raulino da mesma forma que chegamos: curtindo a vista do lago de Alto Cedros no barquinho azul. Estávamos cheios de tensão e o pedal começou com um sentimento de desafio, pois não tínhamos pouso certo em nossa última estada do circuito, já que, supostamente, as pousadas não funcionam muito bem em Palmeiras e sempre deve-se reservar com antecedência, seja em pousadas ou campings.

Este foi definitivamente o dia mais duro de todo o circuito. Pouca água ou sombra e muitas pequenas subidas em sequência, somados ao peso de, talvez, ter de seguir durante a noite até o fim do circuito, tornou nosso pedal um pequeno pesadelo em alguns momentos onde o cansaço dos outros dias faziam nossas pernas pesarem e mantinha nosso fôlego por um fio. Íamos, bem lentamente, nos aproximando de Palmeiras, tensos e preocupados. Mas tudo não passava de truques da nossa cabeça cansada. Finalmente chegamos em Palmeiras recebidos por uma linda cachoeira à beira da estrada, que lavou nosso suor e extirpou nossas preocupações. Bem … mais ou menos – ainda tínhamos de verificar, em qualquer lugar possível, se existia uma cama, pronta a acolher dois ciclistas inexperientes em sua insistência de pedalar mais do que supostamente deviam.

Coco, principalmente, mostrava fortes sinais de que já não aguentava sua cestinha. Gemia de angústia e a todo momento nos obrigava a parar para descansar e descer da cesta. Finalmente encontramos uma cama no hotel central, junto ao mercado da localidade, que foi reativado por nossa insistência e argumentos. Muito modesto e caro, foi o que salvou a graça de fazer os últimos quilômetros de pedalada descansados e satisfeitos.

© Emi e Lara – Jardim do Mundo

Sétimo e último dia

Palmeiras a Timbó

53 km

Saída: 8 h

Chegada: 14 h

Até que dormimos bem demais para aquela cama dura. Mas também pudera, com um dia como o anterior, tudo estaria resolvido ao cabo de algumas horas de pedal e na melhor das hipóteses, teríamos um lindo dia pela frente. E assim foi!

Depois de tantas subidas e um ganho de altitude de mais de 5.000 m, era chegada a hora de descer, o que tornou o último trecho, apesar de rápido, muito agradável. Era uma enorme satisfação vencer tamanha distância sem empurrar a bicicleta em sequências de subidas. Acompanhamos as quedas do rio Milanês em muitos quilômetros a descer e usando muito dos freios em uma paisagem deslumbrante de serra. Coco continuava impaciente e louca para terminar a jornada, enquanto nós dois curtíamos muito esse finalzinho de pedalada. O sol mostrava um lado mais duro ao meio dia e já estávamos exaustos ao chegar no último trecho de asfalto antes do final desse último dia.

Gratificante é apenas uma palavra, mas serve para traduzir alguma coisa de nosso sentimento para com o final dessa jornada de mais de 300 km através de belas paisagens e de tudo aquilo que nos faz feliz e revigora nossa alma. Um conhecimento que não se termina na linha de chegada, mas encontra ideais e somam forças em palavras que transmitem propósitos a interessados leitores, que então as esquecem para criar suas próprias memórias de viagem. Assim, nosso propósito será cumprido. Boa Viagem!

Texto e Fotos por Emi e Lara
– Jardim do Mundo