Com a mesma alegria e expectativa que fizemos o “Caminho dos Diamantes” (matéria veiculada na “Revista Bicicleta”, edição 67 de outubro/16), partimos para esse novo caminho, porém, sem medo e preocupação, pois já tínhamos a experiência vivida anteriormente, e sabíamos o que encontraríamos pela frente e como seria o dia a dia. Para sentir e vivenciar o real caminho, é necessário ver com o coração. A estrada não passou, mas nós passamos, parte de nós ficou, e parte dela ficará impregnada para sempre em nosso âmago.

Travessia de um dos inúmeros riachos ao longo do caminho, esse não tinha ponte. © Edson Duarte

Primeira etapa
Primeiro dia – 04/06/2016
Ouro Preto/MG – Congonhas/MG

Ouro Preto é uma cidade de Minas Gerais, tombada como Patrimônio Histórico da Humanidade em setembro de 1980. Possui em torno de 75 mil habitantes, estando localizada a 97 km de Belo Horizonte.

Estrada Real, mundão velho sem porteira. © Edson Duarte

A cidade foi fundada em 1711 como Arraial do Padre Faria, e posteriormente com o nome de Vila Rica. Em 1720 foi escolhida como a capital da capitania das Minas Gerais. Em maio de 1823 foi adotado o nome definitivo de Ouro Preto. O nome se dá em razão da camada externa do ouro ser escura, porque era recoberto com óxido de ferro abundante na região.

Extensas plantações de trigo às margens da estrada. © Edson Duarte

Ouro Preto foi o centro do movimento da Inconfidência Mineira, onde algumas pessoas da elite local lutaram contra a exploração do ouro e das altas taxas de impostos cobrados pela coroa portuguesa. Vários inconfidentes se destacaram, mas a liderança coube a Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes). O movimento fracassou após ter sido denunciado e Tiradentes traído por Joaquim Silvério dos Reis, o que culminou com a prisão dos inconfidentes. Vários deles foram degredados para outros países, inclusive para a África. Quem recebeu o pior castigo foi Tiradentes, sendo enforcado e esquartejado em quatro partes. Cada parte foi destinada para algum arraial de expressão na época, ou cidade como Ouro Preto, e colocada numa estaca em praça pública, para que os habitantes tomassem conhecimento da condenação e punição, e que não se atrevessem a novas revoltas e insurreição.

Uma das inúmeras cachoeiras entre Cunha-SP e Paraty-RJ. © Edson Duarte

O maior conjunto de arquitetura barroca do Brasil está em Ouro Preto. Seus dois principais escultores foram Antonio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, e o Mestre Ataíde. Suas obras de arte estão espalhadas por inúmeras igrejas de várias cidades barrocas. Ouro Preto é um dos principais destinos turísticos importantes do país. Por ano, aproximadamente 500 mil turistas visitam a cidade, sendo uma grande parte destes constituída de europeus.

Chegamos à cidade na madrugada do dia 04 de junho. O tempo chuvoso permanecia constante com uma chuva fininha e muito gelada, o que foi uma surpresa, pois era inverno e normalmente não chove nessa época.

Ouro Preto à noite, vista do alto da estrada que liga à Mariana. © Edson Duarte

Naquele momento, já pudemos perceber como seria nosso dia, pois tínhamos um longo pedal pela frente com topografia bastante desafiadora. Após todos os preparativos, partimos às 6 h, no exato instante do badalar dos sinos do Museu da Inconfidência Mineira, que fica na praça central da cidade.

O percurso de 94 km aconteceu sob chuva o dia todo, e muita, mas muita lama, que ia agarrando nos pneus e impossibilitando que eles passassem pelos garfos. O sistema de transmissão também sofreu muito, pois às vezes nem se via o câmbio dianteiro, o que nos obrigava a retirar a todo momento o excesso de lama. A altimetria acumulada foi de 2.561 m.

Passamos pelos distritos de São Bartolomeu, Glaura, Santo Antonio do Leite e Lobo Leite, para chegarmos em Congonhas no início da noite.

Parte dos integrantes do grupo. © Edson Duarte

A cidade de Congonhas, fundada em 1757, possui cerca de 55 mil habitantes e é conhecidíssima pelo Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, que recebe milhares de peregrinos vindos de toda parte do país, entre os dias 7 e 14 de setembro, em busca da cura de algum mal. No adro do santuário há estátuas dos 12 profetas em tamanho real, esculpidas em pedra sabão por Aleijadinho. No livro O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino, há uma passagem do diálogo entre o “doido” e as imagens de cada profeta. Também há seis capelas que representam o “jardim dos passos”. Devido à expressiva riqueza barroca, todas essas obras foram tombadas pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade. O solo da região é riquíssimo em minério de ferro de alto teor de pureza, existindo ali várias minerações de grande porte, gerando a principal fonte de riqueza da cidade.

Igreja Bom Jesus de Matosinhos com os 12 profetas, em Congonhas. © Edson Duarte

Segundo dia – 05/06/2016
Congonhas/MG –
Entre Rios de Minas/MG

Iniciamos nosso giro em direção ao Santuário de Bom Jesus. O dia permanecia frio, nublado, mas sem chuva. Para pedalar, era o tempo ideal, pois não tínhamos o sol a nos derreter. Nosso destino final era a cidade de Entre Rios de Minas, mas antes passamos por Pequeri e São Brás do Suaçuí, que se autointitula como produtora da melhor empadinha das Minas Gerais. Aproveitamos para conferir e provar a iguaria, e depois de 48 km de pedal, encerramos a primeira etapa em Entre Rios de Minas.

Carro de boi. © Edson Duarte

Segunda etapa
Primeiro dia – 09/07/2016
Entre Rios de Minas/MG – Prados/MG

Em mais uma madrugada gelada, nossa sorte foi que reiniciaríamos o pedal com uma subida de 4 km, o que contribuiu para espantar parte do frio até que o sol saísse e se encarregasse de aquecer a todos nós. A etapa do dia compreendia uma distância de 87 km até o nosso destino final, na bela e pequena cidade barroca de Prados, com seu conservado casario no estilo colonial. Antes passamos pela pequeníssima cidade de Casa Grande, com pouco mais de 2.500 habitantes. Por volta do meio dia chegamos na cidade de Lagoa Dourada, também um pequeno município, que detém a fama de produzir o melhor rocambole das Gerais. Almoçamos em Lagoa e depois de um breve descanso, seguimos até Prados. Muitos turistas preferem se hospedar aqui, para fugir dos valores cobrados por pousadas e hotéis na histórica e bela cidade vizinha de Tiradentes.

Colegas no caminho. © Edson Duarte

Prados foi fundada em 1704, na época do descobrimento do ouro, encontrado com facilidade no leito do Rio das Mortes, que corta a cidade. Possui aproximadamente 10 mil habitantes. Além das tradicionais festas religiosas, possui um vigoroso artesanato que atrai turistas o ano todo, vindos de todas as partes de Minas e do Brasil, principalmente paulistas e cariocas. A cidade também é conhecida como o “presépio de Minas”.

Contemplando a Estrada Real. © Edson Duarte

Segundo dia – 10/07/2016
Prados/MG –
São Sebastião da Vitória/MG

O café da manhã na pousada foi tão espetacular, que houve atraso na saída, pois todos queriam aproveitar ao máximo a variedade e fartura de alimentos disponíveis na mesa. Tínhamos de vencer os 67 km que nos separavam da cidade de São Sebastião da Vitória. Na medida em que nos distanciamos de Belo Horizonte, o retorno aos domingos vai ficando mais demorado, sendo necessário “socar a bota” nos pedais, a fim de abreviar o horário do retorno.

Dificuldade para atravessar um brejo na Estrada Real. © Edson Duarte

Saindo de Prados, optamos por passar por dentro da Estrada Parque, misto de estrada de terra com calçamento, que corta a serra e possui um belíssimo parque de matas, sombreando boa parte do trajeto de uns 10 km. Foi excepcionalmente agradável pedalar ali, e todos os colegas adoraram o conservado lugar, que é controlado pela prefeitura. Pouco tempo depois chegamos à cidade de Tiradentes, muito conhecida pelo seu festival de cinema, grande variedade de artesanato e do festival gastronômico, que recebe chefes respeitados de várias partes do país. Tiradentes possui aproximadamente 10 mil habitantes. O município foi fundado em 1704 como Arraial de Santo Antonio do Rio das Mortes. Depois, Arraial Novo. Posteriormente passou a chamar-se Vila de São José, em homenagem ao rei de Portugal, e finalmente em 1889 recebeu seu nome definitivo, que é Tiradentes, apelido de seu filho mais ilustre.

Detalhe da área central da bela São João del-Rei, terra de Tancredo Neves. © Edson Duarte

Em Tiradentes, no altar da igreja matriz de Santo Antonio, construída em 1710, está a segunda maior quantidade de ouro em igrejas do Brasil. A igreja possui também um órgão datado de 1788, que é considerado um dos 15 mais importantes do mundo. O turista também pode fazer um passeio entre Tiradentes e São João del-Rei numa locomotiva a carvão conhecida como Maria Fumaça.

A próxima cidade do circuito era São João del-Rei, terra de Tancredo Neves. A cidade foi fundada em 1713 e possui aproximadamente 90 mil habitantes. É uma das mais belas cidades barrocas de Minas Gerais. Possui grande acervo de igrejas e casario colonial bem conservado pelo Iphan.

O total pedalado no dia ficou em 63 km. Pouco há o que se comentar sobre o trajeto até então, pois trata-se de altimetria regular para uma região de planaltos, normal das Gerais, repleto de montanhas por onde se olha e passa. A decisão é fazer o roteiro 100% original, ou seja, sempre pela estrada de terra ou o que resta dela, pois em muitas partes há somente trilhos de bovinos. A única forma de seguir com fidelidade a Estrada Real é guiar-se pelos totens, que são marcos que guiam todos que passam por ela.

Detalhe do tempo. © Edson Duarte

Terceira etapa
Primeiro dia – 06/08/2016
São Sebastião da Vitória/MG –
Carrancas/MG

O percurso do dia era de 54 km até a cidade de Carrancas. Nas margens da Estrada Real, deparamo-nos com extensas plantações de trigo, por muitos e muitos quilômetros. O desafio do dia era superar a terrível Serra de Carrancas, onde só veículos com tração 4×4 sobem. Carrancas está a 1.100 m do nível do mar. Foram vários quilômetros de muito sofrimento, agravado com o forte calor. Depois de alguns “empurra bikes morro acima”, chegamos em Carrancas às 14 h. Todo o sacrifício foi premiado com uma refeição farta acompanhada de garrafas de uma excelente cerveja artesanal local.

Entre São Sebastião e Carrancas, passamos pelo lugarejo de Capela do Saco, e para chegarmos até ela, tivemos que atravessar por balsa o belo lago de águas limpas da Represa de Camargos. Como a estrada passa por inúmeras fazendas, muitas delas com terras improdutivas atualmente, a divisa entre elas é com “mata-burros”, só que construídos no sentido longitudinal à estrada, o que exige atenção redobrada, pois eles surgem às dezenas, mesmo em descidas e curvas. Para passar por eles, só carregando as bikes.

Mata-burro longitudinal à estrada, grande perigo. Deveria ser construído na transversal. © Edson Duarte

Segundo dia – 07/08/2016
Carrancas/MG –
Cruzília/MG

Os 78 km entre as duas cidades são marcados por uma sucessão de subidas e descidas, com pouquíssimos planos, o que contribuiu para elevar o desgaste físico e a temperatura corporal naquela manhã fria. Novamente passamos por muitas fazendas, e quase não víamos pessoas. Em todo o trajeto, não passamos por nenhum lugarejo ou arraial, e isso trouxe um sério problema, pois faltou informação adequada sobre a inexistência de pontos de apoio e, com o forte calor, muitos ficaram sem água, tendo que pedalar os últimos 20 km com muita sede. Vale ressaltar que esse foi um fato isolado, pois sempre há lugares para se abastecer de água e alimentos.

Cruzília possui um museu dedicado exclusivamente ao cavalo Mangalarga Marchador. Essa raça foi desenvolvida na região há algumas décadas, e trata-se dum cavalo de trote extremamente macio. Seu cavalgar é elegante e suave, mantendo sempre três patas no solo quando está em marcha.

Quarta etapa
Primeiro dia – 10/09/2016
Cruzília/MG –
Santana do Capivari/MG

Antes de chegarmos de van em Cruzília, houve um incidente que ocorreu devido ao erro na interpretação do GPS. Tínhamos duas opções para chegar na cidade, onde iniciaríamos o pedal, uma pela BR-040 e outra pela BR-381. Optamos pela BR-381, que parecia mais lógico, pois seriam alguns quilômetros a menos. Deveríamos entrar na cidade de Campanha, mas o GPS orientou entrar em Três Corações, terra do Pelé, e passar pela mística cidade de São Thomé das Letras, pegando uma estrada de terra até Cruzília.

Ficamos horas na madrugada rodando perdidos, ora numa estrada, ora em outra, sem indicação de para onde ir, e sem ter a quem perguntar para obter alguma informação. Em determinado ponto da estrada, encontramos uma placa em que se lia: “onde vocês pensam que vão?” Para quem estava perdido, essa placa era tudo que não queríamos encontrar, mas todos levaram numa boa e demos boas gargalhadas com o inusitado. O Valdinei resolveu voltar e pegar outra estrada de terra, que nos conduziria finalmente ao destino desejado. Porém, algo ainda estava por vir: a solda do engate da carretinha que conduzia as 16 bicicletas quebrou, e tivemos que parar ali mesmo.

Museu da Inconfidência Mineira, em Ouro Preto. © Edson Duarte

O dia começava a clarear. Descemos as bikes, tomamos nosso tradicional café e logo todos já estavam prontos para o giro do dia. A maioria preferiu pegar uma estrada à direita, indo direto para Baependi. Outros cinco de nós foram à esquerda, em direção primeiro a Cruzília e depois a Baependi, aumentando a quilometragem em 22 km. Nosso objetivo era não deixar nenhum quilômetro da Estrada Real sem ser percorrido. Passamos pelos municípios de Cruzília, Baependi, Caxambu, São Lourenço, Pouso Alto e distrito de Santana do Capivari, todos inseridos na região da Serra da Mantiqueira e muito próximos da divisa com São Paulo e Rio de Janeiro. O total pedalado deveria ter sido 85 km, mas no nosso caso foi de 107 km, pela opção que fizemos.

Caxambu e São Lourenço estão na região do circuito das águas termais e minerais, junto com outras cidades, porém, fora do circuito da Estrada Real. Caxambu possui o maior complexo hidrotermal do mundo, com 12 fontes de águas minerais. Próximo à cidade, começamos a passar por grande quantidade de cavaleiros de todas as idades, tanto homens e mulheres. Quanto mais nos aproximávamos da cidade, maior era o número de cavaleiros, centenas deles, vindos de todos os lugarejos da região. Passamos também por dezenas de carroções puxados por juntas de bois com seus longos chifres. Todos iam com suas melhores roupas, botas e chapéus ao encontro anual que se realiza nessa época do ano na cidade.

Segundo dia – 11/09/2016
Santana do Capivari/MG –
Passa Quatro/MG

Logo cedo reiniciamos o pedal em direção à Passa Quatro. Foi um giro curto de apenas 45 km, porém, muito tenso e perigoso, pois pedalamos longo tempo pela rodovia asfaltada, sem acostamento e com fluxo intenso de carros. Alguns faziam questão de tirar fininho em nós, principalmente ônibus e algumas carretas. Entre as duas cidades, passamos por Itamonte e Itanhandu.

Paisagem em Cunha-SP. © Edson Duarte

Quinta etapa
Primeiro dia – 08/10/2016
Passa Quatro/MG –
Guaratinguetá/SP

Foi uma semana de muita chuva em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e estados do sul. A expectativa era de viajarmos com chuva e pedalarmos também com chuva e lama, mas não foi o que ocorreu. Da sexta-feira em diante fez muito calor e o tempo estava seco. Depois de 7 h de uma viagem sofrível na van, chegamos às 5 h 30 min na bela Passa Quatro. Essa cidade recebe ciclistas de várias partes do país, que vão para lá explorar suas trilhas de montanhas. Às 7 h tocaram os sinos da igreja local e nós batemos em retirada, iniciando nosso pedal por mais um dia. O grupo estava composto de 17 bikers, entre homens e mulheres.

Enquanto tomávamos nosso café da manhã em frente à estação ferroviária, vários cães aproximaram-se de nós, ávidos por alguma coisa de comer. Desses, uma linda cadela de porte médio nos acompanhou por 22 km, tomando depois rumo ignorado. A divisa com São Paulo não estava longe, e logo após a divisa, pegamos uma estrada de terra à esquerda com descidas fortes no estilo singletrack.

Inicia-se aí uma extensa região plana, com pequenas descidas e subidas. Estrada de cascalho muito seca, dura e com poeira devido ao tráfego intenso de caminhões. Passamos por Cachoeira Paulista, Cruzeiro e Lorena. O total pedalado até Guará foi de 72 km, porém, alguns colegas esticaram até a cidade vizinha de Aparecida.

Segundo dia – 09/10/2016
Guaratinguetá/SP –
Cunha/SP

O percurso do dia foi de 51 km. Após uns 10 km de Guará, pegamos uma serra com uma subida muito forte de uns 12 km. Foi um desafio subir sem descer da bike, obrigando-nos a utilizar coroinha e catracão.

Parte do grupo em frente à antiga estação de trens em Passa Quatro-MG. © Edson Duarte

Sexta etapa
Dia único – 19/11/2016
Cunha/SP – Paraty/RJ

O pedalar em montanhas é o grande desejo de todos os amantes do MTB, pois se tem a oportunidade de ver ao longe e admirar como as montanhas e os vales são belos. Por mais dura e longa que seja a subida, a satisfação de tê-la vencido é enorme. A observação da natureza é muito diferente vista do cume das montanhas. O nascer e o pôr-do-sol tornam esses instantes mágicos e mexem com o íntimo de todos que têm essa oportunidade de contemplação. O homem, desde os primórdios da civilização, sempre procurou viver nos cumes das montanhas, com o objetivo de ver quem vinha ao longe, observar a caça, observar as mudanças da natureza e, principalmente, como meio de defesa contra animais, inimigos de outras tribos e também da própria natureza. Os castelos e as primeiras aglomerações humanas também se estabeleceram nas montanhas e nos morros, com o mesmo objetivo de defesa.

Minas Gerais possui altimetria bastante variada, mas com predominância das terras altas, onde acontecem as principais provas de MTB do país. Então, para nós, mineiros, não é muito preocupante quando temos pela frente longos percursos com altimetria elevada.

Saímos de Cunha em direção à Serra do Mar. O dia estava bem frio e garoava um pouco. Há muito verde em qualquer direção que se olhar. Também pude observar que ainda há muitas áreas com Mata Atlântica. Foram 36 km de subidas quase constantes até a divisa com o Rio de Janeiro. Desse total, 22 km em estrada de terra e 14 km em asfalto, de pista simples e sem acostamento, com grande fluxo de automóveis, porém, todos mantiveram uma distância lateral razoável ao nos ultrapassar. Passamos por três cachoeiras próximas à estrada. Após a divisa de São Paulo e Rio de Janeiro, foram 24 km em uma descida única até o centro histórico de Paraty. A descida forte aqueceu muito os discos de freio, então, aproveitei para parar quatro vezes para contemplar a beleza da serra, avistar Paraty ao longe e esfriar os discos. A descida é quase toda feita em excelente piso de concreto intertravado. A altimetria acumulada foi de 1.828 m. O trajeto se resume praticamente a uma longa subida e uma longa descida.

Placas de boas vindas em todas as cidades e lugarejos por onde a Estrada Real passa. / Paraty à noite. © Edson Duarte

Finalizando a Estrada Real

A distância total entre Diamantino/MG e Paraty/RJ, percurso completo da Estrada Real, foi de 1.080 km (soma do Caminho dos Diamantes e Caminho Velho do Ouro). A cicloviagem começou com nove participantes e terminou com 19 bikers. Ao longo das etapas, outros colegas foram entrando no grupo e trazendo mais colorido e diversão a todos. Foi um grupo excepcional e boas amizades se formaram, outras se consolidaram.

O aprendizado maior que fica dessa experiência foi poder ter percebido o modo de vida de comunidades simples e das pessoas que a compõe. Posso afirmar que não houve um único motorista, cavaleiro, motoqueiro, caminhante ou morador, às margens das estradas, que não nos cumprimentasse quando passávamos. A bicicleta possui esse dom de unir pessoas pela sua formidável fórmula simples de ser, e de ser admirada, pois imagino quantos queriam estar fazendo exatamente o que fazíamos naquele momento.

O ciclista tem a possibilidade de contemplação, de ver, de sentir o entorno, observar a natureza e suas nuances de cores e odores, observar os locais, os nativos, as aves e bichos diversos encontrados pelo caminho, detalhes que os motorizados não conseguem observar. Cada gota de suor, cada momento de frio, de sede e às vezes fome, sujos de poeira ou de lama, molhados pela chuva, valeram muito a pena e recomendo a todos que gostam de bicicleta a também embarcar nessa deliciosa aventura.

É uma terapia excepcional esse encontro consigo mesmo. Faz com que os problemas fiquem para depois e não sejam lembrados. Além do fortalecimento dos músculos, da amizade com os colegas, fortalece muito mais a alma. Esses momentos jamais serão esquecidos e se tornam eternos na memória de cada um de nós. Tomando emprestado algumas palavras de Guimarães Rosa, “Minas é montanha, a suspensa região que se escala e desafia a serenidade”.