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A Serra Gaúcha está ali, bem verdadeira, embora os jardins impecáveis, o charme dos recantos centenários e a profusão de taças e surpresas líquidas pareçam peças de um cenário de sonhos. Contornados pelos rubros e amarelos, em infinitos tons das folhas secas de plátanos e videiras, as bicicletas e seus felizes cicloviajantes colorem o outono ameno da Região da Uva e do Vinho.

© Eduardo Green

A região, com destaque para o Vale dos Vinhedos – a única com denominação de origem controlada em seus vinhos – situado entre Garibaldi, Monte Belo do Sul e Bento Gonçalves, nada mais é que um convite irrecusável para aliar excelente gastronomia, vinhos finos e natureza num dos mais atraentes destinos de cicloturismo do país.

Ali localizam-se dezenas de vinícolas, desde as menores e mais charmosas, como Barcarola e Marco Luigi, às maiores que produzem com grande aparato tecnológico, como Miolo e Casa Valduga, as vinícolas do caminho são excelentes para incrementar os sentidos e familiarizar-se com suas especiarias. Nos balcões, é possível degustar algumas obras-primas, como vinhos premiados de castas que vieram da Europa e retornam ao Velho Continente concorrendo com pesos-pesados mundiais.

© Eduardo Green

São 10 da manhã de um atípico domingo de julho, ponteiros na casa dos 20 graus, com sol a pino banhando as vielas, “linhas” e outros caminhos na região de Bento Gonçalves, que antes de mais nada, é sinônimo de excelência em vinhos brasileiros, onde é possível conferir que a lista de paisagens interessantes vai bem além dos emaranhados de parreiras – sejam elas à moda antiga, espichando- se sobre traves e caramanchões, ou as modernas “espaldeiras”, de plantas lapidadas, produzindo menos e com mais qualidade.

Após uma sucessão de vinícolas e vinhedos dos mais variados tamanhos, mergulhamos fundo na história do local no Vale Aurora, berço da viniviticultura brasileira nos tempos áureos da Vinícola Aurora. Ali, o tempo parece ter parado para admirar a paisagem, com destaque para o Paredão Eulália, que podemos admirar sem pressa, no ritmo da subida de volta à “civilização”.

Bento Gonçalves é uma cidade de tamanho considerável, com todos os serviços como bancos, supermercados, restaurantes e hotéis para todos os gostos e bolsos, conectados por uma infinidade de ruas cujo tráfego de carros e inclinação das subidas pode surpreender o cicloturista desavisado. Mas logo ali pertinho há também a presença de mata fechada, como no entusiasmante trecho pelo Vale do Rio das Antas. Partindo de Nova Pádua, mais precisamente do Belvedere Sonda – ponto privilegiado para se observar as encostas escarpadas e o desenho do leito na mata -, despencamos 400 metros de altitude em cerca de cinco quilômetros, até as margens do imponente Rio das Antas. Para cruzá-lo pela primeira vez, uma pitoresca balsa que, apesar do exclusivo propulsor com cabine e motor de carro (alimentado a gás de cozinha!), moveu-se mesmo graças a um engenhoso sistema de cabo de aço e alavanca manuseado pelo capitão e alguns participantes mais dispostos. Convém informar-se da disponibilidade da balsa, que não funciona se o rio estiver muito cheio.

Grupo e carros de apoio na Via dos Parreirais. © Jonatha Junge

Na outra margem o caminho é plano, de chão vermelho e batido, assentado por dentre a mata fechada ao longo do rio. E ainda melhor: sem qualquer movimento de automóveis, ou seja, sob medida para sossegadas e clássicas pedaladas, ouvindo-se o Rio murmurar lá embaixo, já um tanto rouco por ter cedido águas a uma enorme hidrelétrica. Dez quilômetros adiante, a segunda travessia do Rio das Antas, desta vez sobre a respeitosa Ponte de Ferro. Depois de recompor as energias com um piquenique ao lado do rio, galgamos a Serra em direção a Bento Gonçalves, com subidas que panturrilhas e coxas jamais esquecem, tendo surpresas como cruzar com um “tipo” a la Radicci, o caricato personagem italiano do cartunista Iotti, e passar por floridos pessegais. Após cruzar o simpático distrito de Pinto Bandeira, o dia é coroado com o visual do pôr-do-sol na chegada à vinícola Valmarino, na região dos Vinhos de Montanha.

Já na chegada sentimos um clima familiar, que se explica na visita guiada que fazemos à produção: a equipe da vinícola é baseada nos laços de sangue, expressada no cuidado e carinho dedicados à produção limitada. Para evitar a insólita visão de ciclistas ébrios ziguezagueando pelas estradas, as degustações ocorrem sempre no fim das pedaladas, com retorno tranquilo no veículo de apoio que nos acompanha em todos os trajetos.

Degustação na Vinícola Don Giovanni, Pinto Bandeira. © Jonatha Junge

Sobre as vinícolas, os efeitos da globalização massificante, como descritos no documentário Mondovino, em que tradicionais e pequenos produtores batalham pela sobrevida em meio às colossais corporações, são visíveis na região do Vale dos Vinhedos brasileiro. Assim, em um momento pode-se estar em ambientes opulentos, a exemplo da gigante Miolo; e logo à frente recebido pelo próprio herdeiro da família, que nos serve sem pressa amostras fartas de todas as suas obras-primas líquidas, num ambiente aconchegante e com charme original, como é a vinícola Don Giovanni. Ao que parece, os pedalantes gostam mais da segunda opção, talvez pela proporcionalidade de tamanho as bicicletas combinam com pequenas vinícolas, que felizmente não têm nem espaço para estacionar os diversos ônibus de turismo que visitam as gigantes.

© Eduardo Green

A viagem também passa por circuitos vizinhos ao Vale dos Vinhedos, como a Estrada do Sabor e os Caminhos de Pedra. Neste, destaque para El Cantuccio del Pomodori – a casa dos variados produtos à base de tomate, em que a simpática proprietária explica com detalhes as origens daquela rota apinhada de construções de pedra. Também para o Ateliê de Bez Batti, um gênio das esculturas em pedra (com um acervo geológico bastante interessante, incluindo madeiras petrificadas e rochas contendo bolhas d’água fossilizadas), e para a Casa da Erva Mate, que exibe uma arrojada engenhoca movida à roda d’água para beneficiar os galhos da erva que é a base do chimarrão, símbolo-mor da cultura gaúcha presente nas vestes, na fala e principalmente nos hábitos dos moradores da região.

Já em quesito originalidade, destaque para a Osteria Della Colombina, tanto na gastronomia quanto nos cuidados com a preservação histórica do lugar. Fica em porão de pedra e chão batido, na Estrada do Sabor, e serve uma deliciosa sequência de pratos típicos italianos, como sopa de Capeletti, galinha assada e polenta, acompanhados de ótimo vinho e suco de uva. Certamente é um dos pontos altos do roteiro.

Jardins da Vinícola Miolo. © Jonatha Junge

Quando ir

O outono e o inverno são considerados alta temporada na região, devido à perfeita combinação do frio com vinho. Na serra, a temperatura à noite pode beirar o zero grau e é comum a presença de geada. Para pedalar nesta época é importante estar bem preparado com boas luvas e proteção para o rosto.

Mas o verão, até meados de março, é também uma ótima escolha por conta da época da colheita, conhecida como “vindima”. A presença das uvas nas parreiras e a oportunidade de acompanhar o trabalho das vinícolas in loco são ótimos motivos para visitar a região nesta época.


Grupo reunido na Casa do Mate, Caminhos de Pedra. © Jonatha Junge

QUEM LEVA

A operadora Caminhos do Sertão Cicloturismo desenvolve roteiros na região desde 2009 e neste ano oferece saídas nos feriados do carnaval – de 9 a 12 de fevereiro, na época da colheita – e de Corpus Christi – de 30 de maio a 2 de junho, no outono, o mesmo período a que esta matéria se refere. Também é possível realizar pacotes personalizados para grupos. caminhosdosertao.com.br

ONDE FICAR

A região possui grande diversidade de hotéis, mas que nos feriados de inverno devem ser reservados com maior antecedência.
Dall’Onder Grande Hotel – Próximo ao centro de Bento Gonçalves, possui excelente infraestrutura de restaurante, piscina térmica, sauna e diferentes níveis de acomodação.
www.dallondergrandehotel.com.br
Pousada Don Giovanni – Junto com a vinícola da família, esta pousada de charme possui quartos no casarão que conta com belíssimo restaurante no porão, e também um chalé no meio dos parreirais. Em Pinto Bandeira, 12 km de Bento Gonçalves.
www.dongiovanni.com.br/pousada
Pousada Ca’di Valle – Opção econômica, simples e bem localizada na entrada do Vale dos Vinhedos.
pousadacadivalle.blogspot.com.br