CICLOTURISMO NO VALE DO RIO CHAPECÓ – UM CIRCUITO EM ESTADO NASCENTE
Já faz algum tempo que percorro de bicicleta as estradas do interior de Chapecó e das cidades vizinhas, encantando-me com as paisagens rurais, e deliciando-me com os percursos. Desde o começo, esses pedais sempre acompanharam um desejo de ir mais além, de passar mais tempo em contato com a natureza, de percorrer distâncias maiores e descobrir outros lugares.
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Nesse processo conquistei segurança no pedal, autonomia, e depois, quando comecei realmente a cicloviajar fui conhecer outros lugares distantes da minha casa. Porém, era nos meus arredores onde eu “me preparava”: adquiria habilidades, testava os equipamentos, condicionava-me fisicamente … e encontrava cada vez mais lugares fascinantes e apaixonava-me cada vez mais por pedalar. E principalmente fui conhecendo pessoas que como eu tem algo mágico ligado à bicicleta. Percebi que muito mais que um veículo, um equipamento, a bicicleta é um objeto coletivo. Quando me dei conta, já estava profundamente implicado em disseminar o uso desse veículo. Do mesmo modo, nasceu o projeto e o trajeto do circuito de cicloturismo Vale do Rio Chapecó: de muitas mãos e de muitos pedais: com o percurso pronto, disponibilizei-me para percorrê-lo de bicicleta, e a data ficou agendada para a partida, de Chapecó, no dia 27 de junho de 2021, um domingo.
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Aproximando-se o início da cicloviagem, a previsão indicava a chegada não simplesmente de uma frente fria, mas de uma massa polar, a primeira onda de frio realmente intenso deste inverno. Na sexta-feira, a previsão se confirmava, e no sábado, no final da tarde, quando saí da cidade vizinha onde moro para percorrer os 23 km até o hotel em Chapecó, era evidente que a mudança de clima começaria naquela noite, e o calor sólido e pesado, o ar quente, destoava dos dias amenos anteriores, e anunciava tempestade. Fui torcendo para que pelo menos desse tempo para eu chegar seco até o hotel…
A tempestade, porém, irrompeu na madrugada, e acordei com ela. Embora impossível de se acostumar com o famoso friozinho na barriga, com o tempo aprendemos a saboreá-lo. Mas havia algo novo nessa madrugada: eu estava em “missão oficial” e, se pedalar por si só já dá trabalho, eu ainda havia me comprometido a avaliar o trajeto, verificar se era ciclável e mais ainda adequado ao cicloturismo. Por um lado, estava curioso em como seria enfrentar frio e chuva, e por outro precisaria percorrer o mais fielmente possível todo o trajeto, no prazo estipulado, independente do que poderia advir da intempérie. Alguns trechos não seriam novidade, inclusive eu já havia feito cicloviagens em fevereiro e em abril percorrendo algumas partes do circuito. Enquanto tomava café da manhã no hotel, eu recordava essas cicloviagens, e me perguntava: será que vou gostar de percorrer esse circuito, faria ele de novo e sobretudo o recomendaria para outras pessoas? Sem dúvida, a chuva e o frio tornavam as coisas bem mais interessantes.
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Devidamente envelopado em roupas impermeáveis, só esperando para ver quando os pés iriam gelar, já nas primeiras pedaladas percebi que não seria uma trovoada, nem chuvisco, mas chuva forte e contínua, com a temperatura caindo no decorrer do dia. Fui para o ponto de início do circuito, zerei o GPS, fotografei, enviei uma mensagem para o grupo e parti.
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Para facilitar a navegação, e para posteriormente produzir uma planilha de orientação, todos os inícios e fins de dia do circuito são em cidades, e em pontos facilmente encontráveis. Por isso, as igrejas matrizes e praças municipais das cidades foram escolhidas como referência inicial. O trajeto segue majoritariamente por estradas rurais, de chão, evitando asfalto e estradas gerais sempre que possível. E ele conecta por essas estradas pequenas cidades do oeste de Santa Catarina, simpáticas, charmosas e acolhedoras. Ao final de cada dia, é possível pernoitar em hotéis e pousadas nessas cidades, e aproveitar a sua infraestrutura, o que é uma opção para cicloviajar leve, ou acampar. Assim, fui sem levar barraca, saco de dormir, fogareiro e comida, carregando apenas o básico para viajar e pedalar, lanche e água.
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Entretanto, a vocação do trajeto é rural, e é aí onde efetivamente reside o seu encanto. Ele basicamente acompanha o desenho do Rio Chapecó, e quando possível segue de perto suas curvas e corredeiras. O primeiro dia consiste em alcançá-lo, em um sobe e desce descendente até a sua foz, em Águas de Chapecó, onde ele deságua no Rio Uruguai. Nesse percurso, depois de ultrapassar o trecho urbano e asfaltado desde o centro de Chapecó, a primeira visão do grande Rio Uruguai, na ponte que faz a divisa entre os municípios de Guatambú e Caxambu, é de tirar o fôlego e inesquecível. Nesse dia, quando cheguei na ponte, a chuva continuava incessante, estava enregelando pela longa descida, e não parei para fotografar – então deixo um registro de uma das primeiras vezes que cruzei essa ponte.
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Se a chuva é uma maneira diferente de experienciar a vida ao ar livre – e muitas vezes, em uma cicloviagem, não conseguimos evitá-la –, o frio transforma a paisagem e faz o deleite do fotógrafo. Do segundo dia em diante, a chuva cessou, e o frio se instalou em manhãs cristalinas.
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Da foz, o trajeto segue em um sobe e desce ascendente, de quatro dias de duração, até as quedas do Rio Chapecó. Nesse trecho, passa pelo Salto Cairu, no interior de Coronel Freitas, pelo Salto Saudades, no interior de Quilombo, e pela Represa Quebra Queixo, no interior de São Domingos. Ao se aproximar das Quedas, em Abelardo Luz, o relevo se modifica, a altitude se impõe e é a paisagem serrana que se descortina.
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De Abelardo Luz a Chapecó, são dois dias de pedal, a favor do relevo. Nesse percurso, há mais uma cachoeira maravilhosa para apreciar: são as Quedas do Rio Chapecozinho, no interior de Xanxerê, onde há um camping em que é possível pernoitar.
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Cruzei muitas pontes nestes sete dias de cicloviagem, e alterei meu caminho pois não pude cruzar um rio em uma ponte que não existia mais, e estava sendo refeita. Em todo momento vibrava em mim o apelo mágico aos rios, que a chuva de domingo havia engordado e tingido, remetendo a um sentido fluido e telúrico, e refletia no circuito como uma grande ponte que possibilitava, no ritmo próprio, contemplativo e sonoro, da bicicleta, conectar lugares tão especiais. E mais ainda as inúmeras pontes, nesses dias, figuravam para mim as múltiplas conexões que fiz com muitas pessoas incríveis que neste e em outros caminhos conheci mediado pelo cicloturismo.
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data | dia | partida | chegada | distância total | descida acumulada | subida acumulada | elevação mínima | elevação máxima |
27/06/21 | 1 | Chapecó | Águas de Chapecó | 58,3 | 1548 | 1103 | 222 | 683 |
28/06/21 | 2 | Águas de Chapecó | Coronel Freitas | 57,6 | 1285 | 1408 | 231 | 494 |
29/06/21 | 3 | Coronel Freitas | Quilombo | 41,9 | 1098 | 1135 | 308 | 531 |
30/06/21 | 4 | Quilombo | São Domingos | 46,1 | 1024 | 1246 | 355 | 704 |
01/07/21 | 5 | São Domingos | Abelardo Luz | 34,9 | 617 | 739 | 626 | 894 |
02/07/21 | 6 | Abelardo Luz | Lajeado Grande | 63,2 | 1476 | 1227 | 495 | 908 |
03/07/21 | 7 | Lajeado Grande | Chapecó | 45,8 | 977 | 1140 | 423 | 778 |
total | 347,8 | 8025 | 7998 |
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