No atual mercado competitivo de bikes, muitas grandes marcas vêm se destacando entre atletas e ciclistas em geral. Um fato que chama a atenção é que algumas dessas marcas vendem muito mais que uma marca em si, elas vendem um conceito!

Surgem, então, as concept stores: lojas especializadas em vender somente produtos de uma determinada marca (a Trek e a Specialized, por exemplo, possuem suas concept stores), com vendedores treinados e capacitados para responder e resolver qualquer problema do ciclista, com as soluções que esta determinada marca oferece. Isto gera fidelização, tornando o cliente um agente de divulgação dos produtos da marca.

Em um passado não muito distante, as bicicletarias estavam quase em sua totalidade nas mãos de um filho que assumiu os negócios familiares, ou nas mãos do mecânico de uma loja que pediu demissão para criar o seu próprio negócio, muitas vezes movido somente pela paixão. Mas o mercado de bicicletas vem mudando de perfil.

Agora observamos lojas sendo administradas como qualquer outra grande empresa do mercado, com planejamento estratégico, plano de marketing, fidelização de clientes, preocupação com a qualidade do produto e não somente com a venda efetivada, mas também com o pós-venda.

© Carlos Menezes

Um fato que nos chama a atenção é que ao visitarmos uma loja representante, ou principalmente as “concept bikes”, ou “lojas conceito” de determinada marca de bicicletas, seja em São Paulo, Nova Iorque ou Paris, encontramos um padrão que praticamente se repete em cada uma. O que essas marcas estão fazendo, que as demais ainda não se atentaram?

Baseado nisso, embarcamos em direção ao escritório central da Specialized, localizado na costa leste dos EUA, estado da Califórnia, na pequena cidade de Morgan Hill, a 110 km de San Francisco. Veja bem: o interesse deste artigo não é colocar em pauta a qualidade do produto da marca A, B ou C, mas sim apresentar a maneira diferente com que essa empresa encara o mercado.

© Carlos Menezes

Para começar, um pouco de história. É preciso viajar no tempo até os anos 70, onde um jovem americano, Mike Sinyard, fundador e atual presidente da Specialized, apaixonado por pedalar (primeiro pilar), praticante do cicloturismo, no ano de 1974 vendeu seu único bem, uma Kombi, para financiar sua viagem de bicicleta pela Europa.

Naquela época a Europa já era o berço do ciclismo mundial, hospedando as maiores marcas de bike. Durante um dos seus dias de pedal, em um albergue no sul da Itália, ele conheceu uma senhora amiga de Cino Cinelli, famoso fabricante de componentes. Seu espírito empreendedor (segundo pilar) fez com que essa senhora conseguisse um encontro entre ele e Cinelli. Nessa reunião, Myke se tornou importador e representante da marca na América.

StumpJumper, a primeira Mountain Bike produzida em série (1981) © Carlos Menezes

Mas de volta aos EUA, Myke se depara com um grande problema: havia vendido seu único meio de transporte para bancar a viagem (sua Kombi). Como iria agora visitar os clientes?

E foi pedalando que ele visitou diversas lojas na região de São Francisco. Utilizando do seu excelente relacionamento com as lojas (terceiro pilar), tirou vários pedidos e com pagamentos antecipados. As entregas foram feitas em um reboque puxado pela sua bike.

Está, então, formado os três pilares que sustentam a marca: paixão por pedalar, espírito empreendedor e parceria com lojas.

© Carlos Menezes

Dois anos depois a Specialized lançou seu primeiro produto com marca própria: pneus para cicloturismo. Desde então, inovações não deixam de ser lançadas. Entre elas podemos destacar:

  • StumpJumper, a primeira mountain bike produzida em série (1981);
  • Primeira roda aerodinâmica em composite (1989);
  • Lançamento da full suspension FSR (1993)

A empresa se destaca pela bela fachada em tons metálicos com o inconfundível S gigante sob a porta do prédio principal. Ao adentrar deparamos com a recepção e uma ampla sala onde é possível viajar na História da Marca, o museu “Specialized”. Essa área é a única liberada ao público em geral. Mesmo que não agende uma visita, você poderá caminhar e tirar fotos na réplica do primeiro escritório do Mike Sinyard ou mesmo na Kombi que ele vendeu em 1974 para bancar sua viagem à Europa.

© Carlos Menezes

Depois de um dia inteiro dentro da empresa é fácil observar que o grande diferencial é a liberdade para criação. E nesse ponto é impossível não fazer um comparativo com a Google. Não sei se posso afirmar que 100%, mas praticamente todos os seus funcionários são ciclistas. E a liberdade dada é facilmente observada na forma que se vestem, com bermudas, camisetas casuais, tênis ou chinelos. Isso permite que os funcionários se sintam bem para produzir ainda mais. Também podemos observar por meio do “Museu da Specialized”, que não existem limites para a criação e que o erro é apenas uma das fases do processo criativo. Observamos vários modelos de bike criados na tentativa de resolver um problema, afinal, estamos de uma empresa onde “problema dado é problema resolvido”, assim a experimentação e desenvolvimento de protótipos é parte do desenvolvimento de novas soluções.

Dentro da empresa, os funcionários possuem todas as facilidades para concentrar suas atividades ali dentro, a começar pelo “Bike Park”, onde as bikes são devidamente acomodadas. Juntamente a esse espaço encontramos uma “Share Assistance”, onde os funcionários têm à sua disposição ferramentas para pequenos ajustes e reparos diários. Ainda em anexo a esse espaço existe um vestiário, com guarda volumes, toalhas, sabonete, shampoo e duchas, para que os funcionários cheguem pedalando e se preparem para trabalhar sem que fiquem o dia todo suados. Também acontece dentro da empresa todos os dias um “Lunch Cycling”. Seja de MTB ou Road Bikes, à medida que se aproxima o horário do almoço os grupos vão se formando para as saídas de bike, que duram em média uma hora. O retorno para o escritório passa obrigatoriamente pelos vestiários e refeitório. O refeitório, que também está em anexo ao Bike Park, oficina mecânica e vestiários, possui uma vasta variedade de alimentos subsidiados aos funcionários, onde é possível encontrar desde café da manhã a snacks, hambúrgueres e almoço.

© Carlos Menezes

Já deu para perceber que na Specialized os funcionários se sentem em casa. Mas não para por aí. No piso superior é disponibilizado um verdadeiro centro de treinamento. Uma academia muito bem equipada, onde os funcionários podem praticar seu fortalecimento muscular. E nos fundos do galpão, próximo ao setor de embarque e desembarque de mercadorias, existe uma Bike Pump, para que os funcionários se divirtam e descontraiam.

No prédio principal é onde encontram-se as diversas salas de aula para formação e capacitação dos lojistas dentro dos mais diferentes aspectos, desde técnicas de venda a manutenção técnica dos equipamentos e bicicletas. Pensando nisso, a Specialized criou uma loja modelo, onde não se vende nada, mas com toda a estrutura, produtos e layout da loja padrão. Ali são realizados cursos aos representantes de cada região comercial da empresa ao redor do mundo e de volta aos seus países repassam todo o modelo de layout, organização de produtos nas prateleiras, técnicas de venda, marketing e fidelização. Assim observamos que a grande tendência quando você entra em uma loja Specialized em qualquer lugar do mundo é encontrar um ambiente com cores escuras, tendendo ao preto e prata, com o S vermelho em destaque, utilização de madeiras e luzes direcionadas aos produtos.

© Carlos Menezes

Um fato que não podemos deixar de citar é que o recém-criado setor de personalização de caramanholas emprega portadores de necessidades especiais. Isso evidencia que, além de gerar centenas de empregos na cidade, a empresa se preocupa com a sociedade onde está instalada. Assim, é possível entender porque essas grandes marcas estão se tornando, mais do que fabricantes e vendedores de bicicletas, um verdadeiro conceito a ser consumido, desde roupas, acessórios, equipamentos, peças, bicicletas, até a forma de pensar.

“as grandes marcas são literalmente grandes empresas de negócios, e o mercado de bikes não é para amadores!”

Outra marca que segue essa mesma tendência é a Trek. E acreditamos que o mercado crescente de bicicletas força as demais marcas a crescerem e se especializarem.

Quando pensamos no ramo da bicicleta é fácil observar que o mercado segue a grande tendência de comunicação direta entre fabricante e consumidor. Exemplo disso é o que a marca alemã Canyon vem criando no mercado. Atualmente, sua forma de trabalho é venda direta ao cliente pelo seu website.

© Carlos Menezes

Em seu site a marca afirma que “a Canyon desenvolve e constrói a sua bicicleta, enviando-a diretamente para o cliente, tudo isto sem intermediários. Só assim podemos oferecer a melhor bicicleta ao melhor preço! Estamos sempre disponíveis, mesmo depois de adquirir a sua bicicleta. Ninguém as conhece melhor do que nós. Empenhamo-nos na tecnologia e no design. O nosso compromisso com o design e tecnologia inovadora encontra-se comprovado pelas diversas vitórias em testes e prêmios de design”. A marca ainda oferece seis anos de garantia e 30 dias para devolução após a compra. Com certeza essa tendência vai influenciar muito o mercado de bike nos próximos anos.

© Carlos Menezes

Para finalizar, enfatizamos o que citamos no início desse artigo: nosso objetivo não é avaliar qual marca é melhor que a outra, apenas pegamos como modelo a marca Specialized para mostrar que as grandes marcas são literalmente grandes empresas de negócios, e que o mercado de bikes não é para amadores!