Obesidade e Ciclismo – Os dois lados da mesma moeda

No Brasil, nos últimos 35 anos a prevalência de obesidade subiu de 5,4% para 21% da população. Para muitos que lidam com esse problema, um grande desafio é encarar as críticas e comentários de quem não é obeso. Ciclistas acima do peso muitas vezes acabam ouvindo frases como “se você não empurrou na subida, eu também consigo” ou “pedalar não emagrece?”. Neste artigo, Carlos Menezes faz um relato honesto sobre situações que ele passou ao tentar emagrecer, e sobre como é importante entender o que realmente é obesidade antes de começar a dar os passos necessários para mudar.

Preciso confessar que esse é um assunto ao qual não tenho muita facilidade em abordar. Primeiro, por ser um assunto amplamente discutido em programas de TV, jornais, revistas, blogs, etc. E discutido nos mais variados pontos de vista, seja de doutores acadêmicos no assunto, que em sua maioria nunca foram “gordos”, ou por “gordos” que convivem com a obesidade, ou ainda por “ex gordos” que relatam suas experiências de emagrecimento.

Diante da avalanche de informações, receitas, teses, vivências, experiências, dicas, opiniões, palpites, preconceitos, expectativas, buscas por um milagre, rótulos, tentativas, marketing, programas, protocolos, artigos, produtos, tratamentos, fica difícil querer apresentar algo que nunca tenha sido dito anteriormente em algum lugar.

Para a ciência, uma pessoa que possui IMC acima de 25 apresenta um sobre peso, e uma pessoa que possui IMC acima de 30 está obesa. Isso que nos leva a entender que alguém se torna obeso quando seu peso atinge uma certa proporção.

Sei que isso é controverso e polêmico, mas acredito fielmente que a obesidade é uma doença congênita e hereditária. Pessoas obesas nascem gordas, vivem gordas e pensam gordas.

Outro ponto que acredito que também valha a pena ser abordado é um certo bullying social que coloca o obeso na situação de “engraçadinho”, “limitado”, entre outros.

Geralmente os obesos ouvem frases do tipo: “fulana tem o rosto tão bonito, será porque ela não emagrece? Se fizesse uma força ficaria perfeita”, “ciclano precisava criar vergonha na cara e perder um peso”, “mesmo sendo gordo você pratica determinado esporte tão bem, se perdesse um peso ficaria imbatível”.

Minha pergunta é: as pessoas que soltam comentários nesse padrão, já foram obesas alguma vez na vida?

Quem é dependente do fumo, do álcool, da comida (seja restrição ou hipercalórica) não faz isso por opção. Faz isso porque o fisiológico é mais forte que seus psicológicos. Ninguém se torna obeso da noite para o dia. Existe um processo que vai se desencadeando e os quilos vão aumentando.

Para fundamentar um pouco, vou relatar minha história. Venho de uma família de onze tios com amplo histórico de diabetes, hipertensão e obesidade. Cresci em meio a comida farta, hipercalórica e gordurosa, mas sempre com alimentação (um pouco) saudável e sempre praticando esportes. Com a entrada na faculdade, mudança de cidade, rotina e idade, os quatro anos de graduação e dois anos de mestrado me renderam um ganho corporal de dez quilos. Mas nada preocupante, já que anteriormente estava mais para o porte físico de um jogador de palitos.

De volta ao mercado de trabalho e retomando a rotina de prática esportiva e alimentação (agora com dieta saudável), o peso foi reestabelecido.

Mas é possível perceber que antes, quando, por exemplo, saía de férias e ganhava uns 2 a 4 quilos, esses quilos a mais eram derretidos em poucas semanas, ao retomar a rotina. Mas agora com o passar dos anos esses quilos adquiridos a cada descuido se tornavam cada vez mais difíceis de serem perdidos. Até que um descuido me levou ao overtrainning (assunto que vale um capítulo à parte) e fez com que eu parasse por completo com os treinos de bike e musculação. O resultado foi que em menos de dois anos meu corpo acumulou mais de dez quilos.

Para agravar a situação, uma grande mudança na carreira profissional me trouxe para trabalhar com Bike Fit. Agravar? Sim. Imagine então a pressão e o preconceito “silencioso” despejado sobre a imagem de quem trabalha com atletas:

– “você não pedala né?” “Pedalo sim.”

– “quando agendei com você imaginei um atleta me recebendo.”

– “um dia que farei um treino mais light com menos subida, vou te chamar para ir conosco.”

– “você trabalha com Bike Fit. Qual corrida você já venceu?”

Ou mesmo durante as várias tentativas de retornar ao pedal ouvir:

– “cara, você é muito forte, se você emagrecer vai ficar bom.”

– “andar no seu vácuo é bom que dá até sombra.”

– “na descida você passou igual uma carreta na banguela.”

– “se você não empurrou na subida eu também consigo.”

– “pedalar não emagrece?”

– “você pedala para poder comer?”

– “esse final de semana nós não vamos pedalar” (ai você sai para pedalar e cruza com os mesmos no caminho).

Interessante é que a maioria dos obesos, para se defenderem, acabam entrando na brincadeira, na maioria das vezes se tornando os gordinhos engraçadinhos e fazendo essas piadas consigo mesmos. Mas no fundo, esses comportamentos vão minando a auto estima, a vontade de mudar, e vão se entregando, desanimando e acomodando com a situação.

O mesmo esporte que muda vidas, que transforma, que desafia, que supera, que impulsiona, apresenta um lado negro e silencioso que mata lentamente aqueles que não conseguem se estabelecer dentro dos padrões. Basta circular pelas academias e verificar qual é a porcentagem de obesos em aulas de ciclismo indoor, musculação, natação, dança, e qual é a sua continuidade ao longo dos anos. Pouco se ouve falar a respeito de programas para receber essa demanda e estimulá-los a encontrar um caminho para a mudança. É fácil trabalhar com corpos sarados ou que tenham facilidade em se modificar, mas poucos profissionais tem a habilidade, ou talvez disposição, em resolver esses problemas.

Posso exemplificar citando algumas experiências pessoais com nutricionistas:

Experiência 01

Certa vez dediquei três meses seguidos a uma dieta restritiva e a cada retorno o corpo não respondia e eu ouvia do profissional: “tenho certeza que você não está seguindo a dieta que te passei.” Segui à risca todos os procedimentos e só eu sei a fome e a vontade de comer que senti nesses três meses.

Experiência 02

Outra vez seguindo todas as orientações da profissional, voltei depois de trinta dias para o acompanhamento e a profissional me perguntou: “você não perdeu nenhum grama. Vai querer continuar o tratamento?” Eu pergunto: Se o profissional deixa claro na fala que desistiu de você, como você pode ter ânimo para continuar?

Experiência 03

Experiências como essas nos desmotivam. Se ao procurar ajuda, recebo uma carga negativa, mais pesado torna-se o fardo.

Quem nunca foi obeso não vai entender do que estou falando, e dirá que “gordo” precisa tomar vergonha na cara e mudar de vida. Mas quem é ou já foi obeso sabe do quanto essas palavras minam uma pessoa. Isso sem dizer daquele bullying silencioso, praticado com olhares e gestos silenciosos.

Um fato interessante e que também vale a pena ser abordado é que quando ouvimos um “ex gordo” relatar sua experiência com a perda de peso e retomada da qualidade de vida, isso nos soa como alguém que tem superpoderes. Alguém que conseguiu abrir mão dos prazeres da vida gastronômica, alguém que deixou de sentir os sabores das gorduras, açúcares, e sofre para manter a forma, quando na verdade a mudança do hábito alimentar é a última a acontecer e não é causa, e sim consequência. Quando a “doença” obesidade é tratada com seriedade e os resultados começam a aparecer, a necessidade por esses alimentos deixa de ser vital e o prazer alimentar ressurge de uma maneira mais apurada.

”Um outro profissional me sugeriu da noite para o dia uma dieta de menos de 500 calorias. Se eu conseguisse comer somente aquilo, certamente não estaria procurando por ajuda!”

Dentro da minha formação acadêmico/científica aprendi que para tudo precisamos de:

  • um objetivo;
  • uma boa revisão de literatura para nos fundamentar;
  • um método;
  • uma boa e fundamentada discussão dos resultados.

A partir daí e amparado pela Medicina Integrativa que acabara de me ser apresentada, em agosto de 2016, iniciamos a sequência de consultas, exames e diagnósticos para traçar um plano de tratamento. Nesse caminho, um dos exames apresentou resultados alarmantes: deficiência de nutrientes, baixos níveis de hormônios, excesso de gordura visceral, altos índices glicêmicos e resistência à insulina, essa que por sua vez trabalhava como uma âncora na perda de peso.

Por outro lado, a notícia boa: um dos exames detectou que alguns grupos de alimentos desencadeavam em mim micro processos inflamatórios, que por sua vez desencadeavam retenção de água e aumento do metabolismo, gerando uma grande necessidade de ingestão calórica, cansaço, desânimo, e consequentemente dificuldade para praticar esporte e perder peso.

Minha formação em Ciências Naturais e da Saúde permitiu-me entender com facilidade que, assim como um agrônomo, quando vai semear a terra, precisa fazer uma profunda análise de solo que permite a ele fazer as correções de pH, aumentar a quantidade de nutrientes deficitários e neutralizar os nutrientes em excesso, para somente depois disso com a terra preparada poder plantar, eu precisava preparar meu solo para voltar a produzir bons frutos.

Atualmente dentro da minha atividade profissional em Bike Fit, acredito que preciso sentar, ouvir, avaliar, analisar, entender e somente então PERSONALIZAR o ajuste às necessidades do atleta de maneira única e exclusiva. E acreditando nisso, preciso vivenciar isso em todos os planos da minha vida.

Assim, de agosto a dezembro o terreno foi preparado, e desde então, agendei com meu futuro treinador de bike a retomada dos treinos em março de 2017.

Em primeiro de janeiro parti para o choque regido pela batuta do conhecimento e experiência da Dra. Marcela Menezes. Confesso que nunca em minha vida me dediquei tanto a um tratamento. Mas durante essa fase de preparação discutimos alguns pontos que foram fundamentais para o sucesso e obtenção do resultado desejado.

Nesse momento, uma reprogramação mental me ajudou muito a organizar a mente para passar com tranquilidade por todo o período de tratamento. Quando descobrimos uma doença, fazemos de tudo para curar. Muitas vezes temos que tomar remédios amargos, mas continuamos tomando na certeza de que são fundamentais para a cura. Alguns desses remédios desencadeiam fortes efeitos colaterais e mesmo assim continuamos tomando na certeza de que os benefícios serão maiores que os estragos que eles geram. Outro ponto é que quando estamos doentes e internados, deixamos de trabalhar, gastamos muito dinheiro, comemos comidas das quais não gostaríamos de estar comendo e passamos por uma restrição temporária, sempre focando na melhoria do quadro clínico. Em casos mais graves de tratamentos longos, os pacientes costumam sair debilitados, fracos, abatidos, mas curados.

”Quem nunca foi obeso não vai entender do que estou falando, e dirá que “gordo” precisa tomar vergonha na cara e mudar de vida.”

Pensando nisso, conclui: “porque então esperar uma doença para me submeter a isso tudo?”, “porque não me submeter a tudo isso enquanto tenho saúde?”. Foi então que diminui a carga de trabalho, restringi a dieta, me submeti à reposição das vitaminas por meio de medicamentos e estímulo do equilíbrio hormonal por meio de alimentos. Repito: “nunca me dediquei tanto a algo em minha vida, com tamanho responsabilidade, assiduidade e afinco”. A cada quilo perdido, uma vitória. Com a retirada dos alimentos inflamatórios a cada dia foi possível ver o corpo mudando, e a cada quilo perdido fui notando a mudança de paladar e cada vez menos a necessidade de alimentos “não saudáveis” Alimentos com composição química foram substituídos por alimentos com ingredientes. É impressionante como nos acostumamos a comer “porcarias”!  Aos poucos fui sentindo o prazer de comer bem, de me sentir saciado, saboreando o verdadeiro sabor dos alimentos, cada vez mais leve, forte e vivo.

Foram 59 dias de tratamento e 17 quilos a menos que me proporcionaram, no primeiro dia de março, retomar os treinos de bike devidamente acompanhado por um treinador e já com dois desafios marcados para a última semana de maio e primeira de junho.

Hoje comemoro a participação no “Desafio 3 horas de Interlagos” e “Brasil Ride Road” na certeza que estou de volta à vida.

Agora tenho comigo que quando você se propõe a algo, se organiza mentalmente, se prepara e executa, o resultado é um só. Nada, mas absolutamente nada é capaz de nos impedir. Hoje me sinto capaz de fazer QUALQUER coisa a qual me dispor a fazer.

Acredito que obesidade é uma “doença” séria e que assim como o alcoolismo posso ter uma recaída a qualquer momento, e que para isso preciso ter, ao meu lado, profissionais sérios e comprometidos que tenham interesse em mergulhar no problema, identificar a causa a tratar de maneira personalizada.

Tenho a certeza que os benefícios agregados são imensuráveis, e que a estética ou a perda de peso, na verdade, são os menores deles.

Agradecimentos: Dra. Marcela Menezes, pelo profissionalismo que conduziu e conduz meu tratamento em todas as suas etapas, Dra. Lira, Dra. Silvia, Dr. Glauber, ao Mauricio por nos direcionar intelectualmente e pela motivação nesse projeto. Ao Willian Talento pela motivação constante. Ao Heitor por encarar esse desafio e agregar cientificidade ao extremo em meus treinos.

Esse é só o primeiro passo em direção aos objetivos traçados!