Durante algum tempo indo a eventos de cicloturismo sempre era chegado o momento em que alguém falava sobre a arrumação dos alforjes e uma voz lá do fundo da sala dizia: “mas atenção mulherada! Não é para ficar levando o secador, a chapinha e os dez pares de biquíni”… Todo mundo ria e a conversa terminava por aí. Tenho a impressão de que até hoje quando o tema é “mulheres viajando de bicicleta” o assunto acaba se restringindo à arrumação dos alforjes, infelizmente. No entanto, eu penso que existe um enorme universo além disso.

Antes de viajar, eu acabei fazendo uma série de perguntas para outras mulheres que viajam, quase como uma consulta a um livro secreto. Outras coisas acabei aprendendo na prática mesmo. Penso que falta muita informação ainda e um debate franco sobre o tema.
Por isso, eu decidi deixar um pouco a vergonha de lado, para falar sobre essas particularidades do mundo feminino que a gente convive todo dia e que, em uma viagem de bicicleta, acabam se transformando em uma questão.

1. Menstruação

Desde que eu comecei a pedalar, a relação com a minha menstruação mudou bastante. Para começar, tenho o alívio de declarar que: tenho bem menos cólicas!

Não sou uma especialista no tema, mas imagino que, devido ao fortalecimento dos músculos do abdômen, pedalar é um excelente tratamento na questão das cólicas menstruais. Conversando com outras amigas sobre isso, parece que eu não fui a única a sentir esse tipo de benefício.

Outra coisa que mudou bastante para mim é a questão do absorvente. Nunca fui muito fã de absorventes internos, mas a combinação selim + absorvente tradicional não é legal, então, acabei adotando os internos mesmo. Recentemente eu comprei um coletor menstrual que eu ainda não testei. Dizem que, além de mais ecológico do que os absorventes tradicionais, ele é “o item” no quesito cicloviagem, pois não ocupa espaço no alforje e pode ser mantido durante todo o período que você estiver viajando. Mesmo se isso indicar lugares remotos e onde é mais difícil encontrar absorventes.

Durante a minha viagem eu optei por ficar sem menstruar emendando o anticoncepcional. Fiz isso com a orientação da minha ginecologista. Como a viagem foi de apenas um mês, esse tipo de tática funcionou bem, pois eu não tive que lidar com os incômodos da menstruação. Se você pensa em emendar a pílula por um período mais longo de viagem, acho aconselhável procurar seu médico antes e ver como fazer isso direitinho.

2. Alforjes e feminilidade

Acho que é natural que as mulheres sintam mais dificuldades para desapegar na hora de arrumar o alforje. No final das contas, penso que a maioria de nós faz escolhas pelo que é mais bonito do que necessariamente funcional. Mas na hora de colocar tudo na bicicleta, é preciso pensar na relação peso x necessidade e viajar leve é quase sempre uma grande vantagem.

No entanto, eu descobri que para viajar leve você não precisa encher seus alforjes de “roupas para pedalar” e deixar a “vontade de se arrumar” fora deles. Eu aprendi que não tem problema nenhum você gostar de se arrumar e se sentir feminina e isso não tem necessariamente a ver com levar um guarda roupa inteiro na bike.

Quando eu viajei, levei um vestido muito leve, que se você dobrasse bem poderia caber na palma da mão. Mesmo sem ser uma roupa para usar todos os dias, poder vestir um vestido de vez em quando faz um bem enorme! Por isso, acho que essas coisas podem e devem ser incluídas na sua bagagem.

Outra coisa que funcionou bastante para mim no quesito “feminilidade nos alforjes” foram as faixas de cabelo. Além de protegerem o cabelo do vento e do sol, elas ocupam quase nada de espaço e você pode levar umas quatro, uma de cada cor e ir variando. Pares de brincos também fazem o mesmo efeito e ajudam a mudar um pouco e fazer com que você se sinta mais feminina e mais feliz também.

Mas na hora de colocar tudo na bicicleta, é preciso pensar na relação peso x necessidade e viajar leve é quase sempre uma grande vantagem.

3. Selim e assaduras

Quem me deu essa dica foi uma amiga e acho que foi uma das melhores coisas que já me ensinaram em termos de cicloviagem. Se você vai passar muito tempo pedalando, mesmo com uma calça/bermuda acolchoada, a dica é não usar calcinha. Isso porque a costura da roupa íntima, mesmo com calça/bermuda acolchoada, acaba atritando com o selim e isso pode gerar uma assadura bem chata.

Se você vai passar muito tempo pedalando, mesmo com uma calça/bermuda acolchoada, a dica é não usar calcinha.

Para evitar o problema das assaduras, existem alguns cremes especializados no mercado, como o Chamois Butt’r, que fazem o trabalho de um lubrificante, evitando que o atrito acabe machucando a pele. Eu particularmente nunca usei, mas quem já usou diz que é bem eficiente. Acho que dispensar a calcinha resolve bastante. A desvantagem é ter que lavar a calça/bermuda com mais frequência.

4. Banho

Eu sabia que por alguns dias eu iria acampar no meio do nada, então para resolver a questão do banho levei um pacote de lenços umedecidos. Se você já tomou o famoso “banho de gato” sabe que você vai ficar com o corpo cheiroso, no entanto, bastante melado. Dois dias de banho de gato são suficientes para você ficar com um monte de poeira grudada no corpo e com um leve aroma de bumbum de bebê. Ou seja, essa não é a melhor saída.

Quem me deu essa dica foi uma ciclista de Belo Horizonte que viajava com o namorado e que eu encontrei no meio do caminho em uma rota na França. O melhor banho para você tomar quando não tem um chuveiro por perto é na base da canequinha. Dependendo do nível de frio, é possível esquentar a água se você tiver um fogareiro, e até se deliciar com um banho quente. Em lojas especializadas de camping existem chuveiros adaptáveis para barracas, mas acho que não vale o peso. A boa e velha caneca já ajuda bastante.

Na Europa, boa parte das ciclovias por onde passei era fácil encontrar água, seja pelo número de rios, seja pela disponibilidade das pessoas que enchem suas garrafas com muito prazer. Então o banho de caneca ganhou lugar certeiro na viagem e me fez uma pessoa muito feliz, mesmo sem um chuveiro por perto.

5. Xixi

Eu tenho dois irmãos e desde que éramos muito pequenos, lembro-me de que nas viagens da família minha mãe insistia para que eu fizesse xixi antes de entrar no carro. No entanto, toda viagem, meu pai parava para um dos dois fazer xixi na estrada. Desde muito cedo eu já saquei que a anatomia das mulheres não é das mais versáteis quando o tema é xixi e em uma cicloviagem isso não é diferente. Se você viajar com um homem, vai perceber que qualquer mato é mato e qualquer hora é hora. Mas no seu caso…

Quem me deu essa dica é uma amiga que acampa. Eu já testei e achei bem bacana. É nada mais do que um “revolucionário” funil de plástico. Com esse item super “inovador” você pode fazer xixi em muito mais lugares sem se preocupar em que lugar vai sentar. Se você é medrosa como eu e não curte sair da barraca no meio da noite para fazer xixi, acompanhado de uma garrafa PET, o seu funil vira um ótimo banheiro portátil.

No quesito número 2, ter uma pazinha para enterrar também é bacana para situações onde o banheiro não é logo ali.

Ter dicas de mulheres que já viajaram pedalando oferece uma base de segurança e conhecimento para suas primeiras aventuras. Bem-vinda ao mundo imenso das mulheres que viajam de bicicleta!