Mas como queixam-se, esses ciclistas! Nunca estão satisfeitos com nada! Ah, é? Pois quem pensa assim deveria é se dar por contente, porque ainda são poucos os ciclistas que reclamam e, destes, não são todos que o fazem eficientemente.

Somos mais de 70 milhões de ciclistas, de canto a canto do país, mas pouquíssimos de nós atuamos, de um modo ou de outro, para melhorar as condições do uso da bicicleta; e, não nos iludamos, o temos feito ainda, em geral, de forma descontinuada e desarticulada e, admitamos, com amadorismo e superficialidade.

Portanto, prefeitos e editorialistas, aguardem, pois ainda há muito espaço para o descontentamento crescer!

Feitas essas ponderações, a resposta à pergunta do título é óbvia: os ciclistas reclamam tanto porque as pouquíssimas realizações em benefício do ciclismo são muito ruins!

Tudo já começa errado: os municípios não fazem pesquisas e diagnósticos para conhecer a situação e as necessidades da população a respeito da mobilidade urbana. Em consequência, as políticas públicas advém da cabeça dos gestores, que refletem nada mais do que o senso comum, segundo o qual todo mundo quer ter carro e para as bicicletas qualquer coisa serve!

Por conseguinte, não há planejamento cicloviário, pois o planejamento só pode ser feito com base no conhecimento da realidade. Assim como não se sabe quantos deslocamentos urbanos são feitos de bicicleta hoje, não se sabe, porque não são estabelecidas metas, quantos deslocamentos por bicicleta serão feitos daqui a 20 anos. Para completar o quadro, as secretarias de planejamento e de transportes não possuem técnicos especializados ou incumbidos de pensar a gestão cicloviária e a sociedade civil, via de regra, não é consultada.

Ou seja, não dispomos de elementos consistentes para acreditar que, efetivamente, caminhamos para um estado de democratização da mobilidade urbana.  Logo, saibam que nossos aplausos são desconfiados e tão sinceros quanto o discurso de quem corta a fita na inauguração da ciclovia…

O poder público tem feito muito pouco para democratizar o trânsito das nossas cidades e para levar a mortandade viária a patamares aceitáveis. A maior parte desse muito pouco tem sido realizado no setor infraestrutural, ou seja, através de obras viárias, com a instalação de ciclovias e ciclofaixas. A malha cicloviária das cidades ainda é insuficiente e desconectada, as ruas onde ela seria dispensável permanecem perigosas por não serem acalmadas e os bicicletários públicos são instalações raras.

Mas, como sabemos, não precisamos somente de infraestrutura física. Precisamos de uma nova cultura de mobilidade, o que requisita um programa educativo sistemático e fiscalização continuada. Entretanto não vemos aplicadas mais do que campanhas curtas e eventuais e praticamente nenhuma ação de vigilância em favor dos ciclistas no trânsito.

Portanto, como não protestar ante a desencorajante infraestrutura ciclística, ante ao persistente desrespeito aos ciclistas no trânsito, ante a inexistente vigilância da prioridade às modalidades sem motor?

E essas insuficientes realizações dificilmente ganham boas notas, mesmo do mais leigo e conformado dos cidadãos. Não é preciso ser engenheiro de trânsito para perceber que as vias ciclísticas são, em geral, mal localizadas, subdimensionadas, mal sinalizadas e descosturadas das demais vias urbanas; e que não raro alagam, têm o piso irregular e contém obstáculos como bueiros e postes. Não poderia ser diferente, já que as ciclovias e ciclofaixas – e outras pistas inomináveis – são comumente construídas como pingentes quando se reformam avenidas.

Também não precisamos recorrer a um pedagogo para compreender que as escassas campanhas de educação para o trânsito ainda são centradas no automobilismo e que não mudam o comportamento de ninguém. E juristas estão dispensados de avaliar a intervenção dos agentes de trânsito, pois estes gastam todo seu tempo tentando fazer fluir a carraria entupida no sistema viário.

As ações em favor da bicicleta ainda são muito carentes de qualidade, sobretudo se comparadas com os recursos financeiros, tecnológicos e jurídicos disponíveis e que são aplicados ao rodoviarismo. Percebe-se, nitidamente, que as obras cicloviárias são feitas sem vontade e marcadas pela preocupação de não atrapalhar a vida dos motoristas.

Diante desse quadro, como é possível que não critiquemos se a legislação, a ciência e o bom senso não são respeitados quando o assunto é a bicicleta?

Portanto, será preciso mais do que frases de efeito para descaracterizar os protestos dos ciclistas, pois eles são cada vez mais bem fundamentados, tanto pela crescente qualificação do movimento cicloativista, quanto pela persistente ruindade do que é oferecido à bicicleta.