“Acreditamos na utopia porque a realidade como se apresenta é inacreditável”

O problema das cidades não são os carros. O carro não se constrói sozinho, não anda sozinho, não tem vida própria. O problema das cidades são exatamente as pessoas, seus pensamentos e suas escolhas. E nada vai mudar se eu não mudar. Ficar postando coisas bacanas de bicicleta no Facebook não resolve nada.

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Hoje, um dos maiores exemplos de mobilidade sustentável se chama Copenhague. A capital da Dinamarca é uma cidade de clima frio, muita chuva e muita neve. A temperatura média no inverno é de 0,5°C e de 16°C no verão. No inverno há bastante incidência de vento do mar em direção à costa, com queda constante de neve e poucas horas de sol. Um lugar inóspito para o uso largo e frequente da bicicleta como meio de transporte. No entanto, Copenhague é hoje uma das cidades com maior deslocamento por bicicleta do mundo e está entre as primeiras em qualidade de vida e proteção ecológica do planeta. A locomoção por bicicleta, acima de 50%, entre os outros modais (transporte individual, pedestrianismo, transporte coletivo…) é muito representativo. Mas esse advento não aconteceu da noite para o dia e nem tão pouco foi iniciativa do governo ou da administração da cidade. A conquista de Copenhague pela bicicleta foi fruto da iniciativa e participação da população, da sociedade, do cidadão comum… A grande diferença de Copenhague foi a adesão da comunidade à causa, não da bicicleta, mas da mobilidade sustentável e racional em prol da preservação do meio ambiente e de uma melhor qualidade de vida das pessoas.

O grande problema das cidades brasileiras, e falo com base em minha cidade, Anápolis – GO, é a resistência por parte de nosso poder público, mais precisamente de nossos gestores. Estamos sendo rotulados de radicais por alguns manifestos que temos feito. Mas quando pergunto qual foi a atitude radical que realizamos, as autoridades ficam caladas ou desviam a conversa… Fizemos um manifesto questionando a falta do espaço para o pedestre e para o ciclista no “I Viaduto Urbano de Anápolis” (antes, durante e depois da obra concluída); recentemente nos manifestamos contra as obras do Parque da Liberdade, um parque que está sendo construído em uma área de fundo de vale com todas as características de APP. A desculpa é a revitalização do local que era um lixão. Mas por que não se faz como no Parque João Crispim: a limpeza e apenas o cercamento do local? Uma medida simples, barata e ecologicamente correta. O problema é que árvore não vota, bicho não vota, passarinho não vota…

Na semana nacional do trânsito, promovemos nosso passeio ciclístico com o tema “pela preservação dos rios de Anápolis”. Em determinado ponto do percurso, ao lado da rodoviária, fizemos uma parada e o plantio de árvores às margens do Córrego das Antas. Acreditamos que recuperar a mata ciliar é possível e canalizar o rio é uma medida de contenção ultrapassada e retrógrada. O secretário responsável pela pasta de desenvolvimento urbano nos disse que o que estamos propondo é utopia e ainda ironizou: “realmente o ideal é ter a água do rio limpinha, com o peixinho bonitinho nadando…” Tentei citar exemplos bem sucedidos de preservação de rios em áreas urbanas no Brasil e no mundo. Ele não quis escutar e disse que isso é ideia para daqui 50 anos. Mas cito aqui o exemplo do rio Cheonggyecheon, em Seul, na Coréia do Sul. O prefeito descobriu todo o curso do rio que corta a cidade, retirando as avenidas que foram construídas por cima e às suas margens (exatamente o que estamos fazendo hoje em Anápolis). O rio foi totalmente revitalizado. O fato ganhou repercussão mundial e o político de prefeito passou a ser presidente da Coréia do Sul. Cito o exemplo de Londrina, aqui no Brasil, onde os fundos de vale e os cursos de rios são protegidos por leis municipais rígidas e funcionais. O melhor do caso de Londrina é que a preservação e fiscalização de alguns locais é feita pela própria comunidade com alguns slogans do tipo: “ajude a cuidar do rio de sua rua”.

A nossa principal reivindicação é sim a construção de ciclovias, pois não basta falar das vantagens da bicicleta para o meio ambiente, para a saúde e para o trânsito. É necessário que as pessoas tenham condições de fazer uso da bicicleta com segurança em seus deslocamentos no dia a dia. Nossa exigência não é uma ideia revolucionária. Está amparada por normas federais que dão diretrizes ao uso de bicicletas em nosso país, tais como o Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta do governo federal (Bicicleta Brasil), o Plano de Mobilidade (PlanMob) do Ministério das Cidades e o próprio Código de Trânsito Brasileiro, entre outros.

No entanto, nossa grande razão é acima de tudo a preservação do meio ambiente, pois pensamos que a bicicleta não pode ser considerada um elemento de mobilidade isolado, mas inserida num contexto de mobilidade sustentável que prioriza o pedestre, o ciclista e o usuário do transporte coletivo num ambiente onde a qualidade de vida não é só para as pessoas.

Realmente parece que nossa ideia é uma proposta radical para nossa cidade, ou para alguns de nossos gestores. Não sei de quem é a frase que diz “acreditamos na utopia porque a realidade como se apresenta é inacreditável”, mas é exatamente na utopia da preservação que colocamos nossa esperança radical.