Em 2017 foi aprovada a Resolução nº 706/2017, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, que dispõe a aplicação de multas aos pedestres e ciclistas que cometerem infrações previstas nos artigos 254 e 255 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB. A resolução entraria em vigor a partir de abril de 2018, mas foi postergada para 2019, oportunizando assim maior tempo para análise e discussão do tema. 

Em síntese, no caso da circulação por bicicleta, a resolução veio para ratificar e padronizar os procedimentos de punição do ciclista que conduzir “bicicleta em passeios onde não seja permitida a circulação desta, ou de forma agressiva” (Art. 255). Assim, a partir de 2019, qualquer ciclista que trafegar em passeio público não compartilhado estará sujeito à multa, bem como a remoção da bicicleta.

Para esclarecer quanto à pertinência na penalização aos pedestres e ciclistas, deve-se recorrer a uma análise mais ampla da norma. Ou seja, se leva em conta a realidade existente, se possuirá eficácia e, o mais importante, se é razoável para o seu propósito.

Conforme pertinente e esclarecedora Nota Pública “Porque é injusto multar pedestres e ciclistas” (www.uniaodeciclistas.org.br/manifestacoes/injusto-multar-pedestres-e-ciclistas), as multas são importantes ferramentas para ordenamento do trânsito. Entretanto, tendo em vista um cenário urbano que prioriza os veículos individuais motorizados, pedestres e ciclistas ainda ficam à margem das estruturas e políticas públicas de mobilidade urbana, fazendo com que estes atores, mais frágeis, sejam obrigados a se tornarem cada vez mais resilientes em seus deslocamentos.

É neste cenário de vulnerabilidade dos pedestres e ciclistas no trânsito que a Política Nacional de Mobilidade Urbana determinou expressamente em seu artigo 6º que estes devem ter prioridade, tanto no cotidiano do trânsito, quanto nas políticas públicas sobre o tema. Deste modo, a aplicação de multas a pedestres e ciclistas, no atual contexto de descaso para com o tema, não se apresenta como uma solução eficaz, lógica e efetiva para pacificação e ordenamento do trânsito. Antes de qualquer sanção, a estrutura urbana precisa ser repensada de modo a promover uma maior igualdade e justiça. 

É notório, que a grande maioria das cidades brasileiras não possuem estrutura mínima destinada à pedestres e ciclistas. Em relação aos ciclistas, a ausência de estrutura cicloviária minimamente satisfatória, somada ao trânsito periculoso, faz com que muitas vezes o ciclista tenha que se adaptar nos deslocamentos. Como então, multar um ciclista que só almeja sua própria segurança em meio a um ambiente inóspito?

Ressalta-se, ainda, que o direito ao transporte é um dos direitos sociais garantidos pela Constituição Federal (Art. 6º), possibilitando então uma análise ampla do tema em questão: a garantia de que pedestres e ciclistas tenham seus direitos resguardados e que possam circular com segurança e prioridade.

É sobre esta análise que a penalização de pedestres e ciclistas se mostra desproporcional e irrazoável. Impondo uma sanção injusta, desestimuladora ao uso de tais modais, sendo oposta ao que determina a legislação vigente, especialmente a Política Nacional de Mobilidade Urbana e demais boas práticas de mobilidade urbana.