De tantas lições concebidas ou reforçadas ao longo da curta e intensa experiência junto ao II Fórum Mundial da Bicicleta, tentarei pontuar algumas delas nas próximas linhas, e que apesar dos ainda enormes obstáculos sociais e econômicos, impostos pela antiga e inercial engrenagem política brasileira, é possível, com bons olhos, perceber que há uma luz no fim do túnel.

O mundo inteiro clama por melhora da qualidade de vida, principalmente em grandes centros urbanos, os mais afetados pela mentalidade do consumo e dos valores tecnológicos, onde pessoas se desgarram de sua natureza humana para serem números estatísticos e meros consumidores. Apesar de estarem densificadas nas cidades, populosas, sentem na pele o ônus da desconexão umas das outras. Esbarram-se nas ruas e não pedem desculpas, não conversam e sequer se dão bom dia ou boa noite.

A cidade grande, hoje, é o perfeito laboratório de análise da banalização das relações/conexões em detrimento da busca cega por aquilo que nem mesmo sabem explicar com equilíbrio entre razão e emoção, pois geralmente extrapolam em uma delas e se perdem entre os anseios naturais/espontâneos e aqueles impostos pelos grandes poderes e grandes mídias estrategicamente persuasivas, responsáveis pela continuidade desta grande, poderosa e já ultrapassada “Roda Viva” de Chico Buarque.

Mas como toda regra tem suas exceções, mesmo em grandes centros ainda há quem perceba e combata este processo de desumanização e lute, com as ferramentas que dispõe, para causar a reversão deste processo. Assim, nestes espaços surgem grandes manifestações de humanização a partir do uso da bicicleta. Independente da alcunha que levam – bicicletadas, passeios ciclísticos ou massas críticas – elas levam a público, independente da maneira como se expressam, mensagens pró bicicleta e chamam a atenção da população, poder público e imprensa.

No entanto, estes momentos de manifestações mexem com as emoções de muita gente, dos mais aos menos equilibrados emocionalmente, e, não raro, revelam resquícios de metodologias de épocas passadas, utilizadas em outras revoluções, com algumas ações pontuais de embates diretos originários de um ou outro manifestante, podendo contagiar uns e outros a expressar atitudes fora de foco, desregradas ou extremistas. Mesmo que em minoria, são fatos desta natureza que a nossa sociedade foi “treinada” há décadas para observar e perceber, graças às relações de poder entre grandes corporações e grandes mídias que, juntos, têm forte poder persuasivo sobre os governos.

Pois bem… O fato é que muitos acabam pagando por estes poucos, e o que era para simbolizar uma ação pacífica, acaba trazendo prejuízo ao movimento e sua imagem. O tradicional sensacionalismo midiático entra em campo – é o que dá Ibope – revelando as exceções, e não mais a regra, ainda mais quando a regra não é expressa de forma clara, objetiva e estrategicamente viável.

Todo este contexto, contudo, já trouxe muitos avanços, pois hoje o tema mobilidade urbana é um dos mais abordados pela sociedade civil e começa a ganhar força também no meio político.

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Alegria, lazer e poder de integração que a bicicleta possui naturalmente.

Uma das grandes vantagens das cidades de médio e pequeno porte, nestes processos, bem como grupos de incentivo ao ciclismo de lazer, é que tais grupos atraem seu público através da alegria, lazer e poder de integração que a bicicleta possui naturalmente. Isso instiga as pessoas a aguçarem seus sentidos e a perceberem com maior sobriedade a realidade à sua volta.

Consequentemente, passam a se interessar mais em questões de administração pública, pois sentem na pele as implicações de sua displicência. Tudo isso colabora para despertar seus anseios de apoderamento sobre questões de cidadania e participação popular.

A partir deste processo de descoberta individual é que se desenrolam os processos coletivos e todo o resto. É um processo lento, gradativo, mas constante enquanto se está em movimento, facilitando o desenvolvimento de apoio mútuo pela causa.

Devido aos menores obstáculos de comunicação entre população e poder executivo em cidades médias e pequenas, a prática da cidadania se torna muito mais eficiente nestes locais.

A ação de grupos de ciclismo de lazer, conduzidos com responsabilidade e compromisso social, aliados ao incentivo para participação social em processos políticos locais de forma propositiva, proativa e com equilíbrio na forma como se dá esta comunicação, é o cenário perfeito para se chegar a um denominador comum.

Sendo assim, pedale por amor à vida, por saúde e bem-estar. O resto vem como consequência. A sociedade está mudando cada vez de forma mais rápida. A juventude está sentindo na pele os reflexos dos antigos paradigmas e está questionando cada vez mais os mecanismos de organização política e social. Não faltam informações e argumentos, o que faltam são facilitadores e multiplicadores deste conhecimento e novos paradigmas.

O que preferes, combater o ódio ou promover o amor? As pessoas se revelam em suas palavras. Educação não serve apenas para o trânsito. Educação é uma série de atitudes que se complementam. Ser educado remete a saber respeitar ‘qualquer pessoa’ em qualquer lugar e instância. Quem prega educação no trânsito e se expressa com desrespeito e deselegância, revela nitidamente a sua real condição.