Por onde começar a falar sobre as mudanças que Nova Iorque vem recebendo? Difícil, muito difícil, porque são muitas e expressivas. O ponto em comum é que quem vive em Nova Iorque se sente novaiorquino, olha para frente com um olhar prático, realista, objetivo. Novaiorquino, por ser cosmopolita, uma completa mistura de raças e culturas, é mais pragmático que os próprios americanos.

© Arturo Alcorta

Dizem que Nova Iorque não é Estados Unidos, é Nova Iorque, e assim é.  A “cidade que nunca dorme” tem um planejamento exemplar que vem sendo seguido há mais de 40 anos, com pequenas mudanças aqui e lá, mas o básico, o que é de interesse coletivo praticamente não mudou, foi respeitado por todos os prefeitos eleitos, por isto deu certo. Enfim, o resumo da ópera é: bom senso, racionalidade, continuidade.

© Arturo Alcorta

Estive pela primeira vez em Manhattan em 1994, quando a cidade vivia graves problemas, principalmente de violência. Naquele setembro de 94 tive a sorte de pedalar numa cidade vazia por conta de dois feriados mais o fim de semana, e rodei até ter fortes cãibras. Não me lembro de ter visto uma ciclovia, ciclofaixa ou qualquer sinalização específica. No domingo caminhei pelos arredores da Times Square para aliviar as dores nas pernas e o clima era pesado, tenso, bem desagradável. Na segunda-feira voltei a pedalar, agora no meio do trânsito intenso ainda sem prática de convívio com ciclistas. Nenhuma diferença de pedalar em São Paulo, Rio, Recife ou qualquer outra cidade.

© Arturo Alcorta

Voltei para Nova Iorque quase uma década mais tarde, um pouco antes e depois de terem transformado a avenida Broadway num Boulevard para pedestres e ciclistas, com a diminuição sensível do espaço para automóveis, isto em 2007. O departamento de trânsito comandado por Jeanette Sadik Khan não só praticamente tirou os carros de 20 quarteirões de umas das avenidas mais emblemáticas e movimentadas do planeta como também implantou um extenso sistema cicloviário pela cidade. Para isto, Jeanette fez mais de 2.000 reuniões prévias, todas oficiais, com moradores e comerciantes, para corrigir detalhes e assim evitar problemas futuros. Funcionou.

© Arturo Alcorta

Nova Iorque iniciava ali a maior e mais profunda transformação urbana pró mobilidades ativas e de convivência social de todas as megalópoles do planeta. Isto só foi possível porque sujeira, desordem e violência tinham sido praticamente erradicadas por um planejamento de longo prazo que foi respeitado por políticos e população, o famoso e muito elogiado Tolerância Zero (que não foi uma criação de Nova Iorque). Sem ele, o Boulevard teria sido um tiro no pé, um gasto público em uma obra chamativa, ótima propaganda política, que com o tempo cairia na mão da marginalidade e da violência e se perderia. Para se ter ideia do detalhismo do Tolerância Zero, o governo tem dados precisos sobre todos os custos financeiros e sociais de cada problema e os benefícios trazidos por cada problema solucionado.

© Arturo Alcorta

O sistema cicloviário de Nova Iorque cresceu muito desde então. O mapa oficial para ciclistas deste ano, 2019, mostra uma Manhattan cheia de ciclovias e ciclofaixas e uma Brooklyn a cada ano com um sistema cicloviário mais extenso, e não para por aí. Junto com cada intervenção, vêm uma série de ações de reurbanização para melhorar a vida de toda a população e a segurança de pedestres. Não é simplesmente mais ciclovia, é parte de um megaprojeto para transformar Nova Iorque numa cidade melhor para todos, não só para ciclistas.

© Arturo Alcorta