CUSTO SOCIAL DOS ESTACIONAMENTOS

Já faz alguns anos que, por interesse acadêmico e para uma série de vídeos para o meu canal do Youtube, venho estudando os custos sociais dos automóveis. Nessas pesquisas identifiquei que a maioria dos autores destacava os custos com poluição ambiental e sonora, acidentes, congestionamentos e tempo perdido no trânsito.

Recentemente, ao ler o livro “The high cost of free parking”, do professor aposentado da Universidade da Califórnia, Donald Shoup, percebi que estava diante de um custo social possivelmente mais importante do que os que já havia abordado. O livro é realmente genial, de leitura muito agradável, o que, então, me estimulou a fazer um novo vídeo. Daí nasceu o “Custo Social dos Estacionamentos”.

Já no início do vídeo tento demonstrar a irracionalidade do modelo de cidades centradas nos automóveis, onde se destina cada vez mais espaço para uma máquina que não usamos em 95% do tempo. Muitas vezes, o espaço destinado aos automóveis pode ser equivalente ao espaço destinado à área útil das residências, o que inclusive foi constatado no caso do Rio de Janeiro, em estudo do ITDP Brasil (2017).

Só que essas transformações não se deram de forma natural. Escolhas erradas foram feitas. No caso dos EUA, Shoup explica que, por volta de 1930, surgiram diversas tentativas de desafogar as ruas, inclusive com a proibição pura e simples de qualquer estacionamento público. Todavia, a regra que prevaleceu foi continuar fornecendo vagas em vias públicas, mas adicionando-se uma obrigação para que os espaços privados fornecessem um número mínimo de vagas para os carros.

Além de não ter sido uma boa solução, Donald Shoup aponta que os cálculos dos gestores na definição desse número eram extremamente frágeis. Muitas cidades apenas copiavam a regra de lugares com realidades distintas. Também não eram utilizados critérios estatísticos adequados e as amostras coletadas eram em locais distantes e de difícil acesso por transporte público, o que fazia inchar as estimativas. E para piorar, geralmente as aferições eram realizadas em um dia e horário de pico, o que seria como estimar a quantidade mínima de vagas no dia 23 de dezembro, véspera de Natal!

O resultado é que uma quantidade extraordinária de carros observada em um local virava o padrão mínimo para todo o resto, produzindo “desertos” de estacionamentos por toda a parte. Para se ter uma ideia, estudos apontam que, nos EUA, existem pelo menos de 3 a 4 vagas de estacionamento por automóvel. Algumas cidades produziram situações insanas! Por exemplo, Jackson, capital do Mississipi, tem por volta de 27 vagas de estacionamento para cada residência. E vale lembrar que, além desse espaço de vagas, é preciso adicionar o espaço de circulação e manobra, o que acaba por dobrar a área destinada aos veículos.

Desta forma, tem-se um processo de retroalimentação negativa. Mais carro leva a mais trânsito, a mais estacionamentos, à diminuição da densidade urbana e a maior espraiamento. E com cada uma dessas variáveis se retroalimentando, dali a um tempo as autoridades entendiam que era preciso um novo aumento na exigência do número mínimo de vagas.

Essa lógica faz com que a oferta de imóveis por quarteirão diminua, ao mesmo tempo em que o custo de construção aumenta (vagas de garagem aumentam o custo da obra em até 25%), o que prejudica especialmente os mais pobres. Afinal, os aluguéis ou financiamentos ficam mais caros, o que empurra as famílias mais pobres para a periferia ou as fazem pagar por espaços que não utilizam, já que a maioria dos mais pobres não possui carros.

E esses preços mais altos não se limitam a gastos mais elevados com moradia. Diversos serviços e produtos ofertados terão o custo do estacionamento embutido nos preços, onerando os não usuários de carro. Como exemplo, Shoup cita estimativas de custos de capital e manutenção dos estacionamentos, na ordem de 1,2% a 3,7% do PIB norte-americano. Desse total, os motoristas pagariam somente de 1% a 4%, ou seja, 96% desse custo seriam subsídios pagos por pedestres, ciclistas e usuários dos transportes públicos. Outras estimativas apontam que estacionamentos “grátis” correspondam a um subsídio de 60% a 85% dos custos variáveis que os motoristas gastam diariamente.

E os problemas não terminam aí, pois tanta superfície para estacionar resulta em mais asfalto e concreto, o que favorece a formação de ilhas de calor, aumento da temperatura, o que leva a mais problemas de saúde e aumento no consumo de energia, devido ao maior uso de ar-condicionado. As chuvas também passam a cair mais no meio urbano, o que potencializa a ocorrência de enchentes.

Assim, para lidar com todas essas questões, Donald Shoup recomenda 3 políticas públicas. A primeira é que as cidades passem a cobrar valores de zona azul, conforme a demanda. A ideia principal é ter sempre por volta de 85% das vagas ocupadas. Isso porque o autor constatou que, em muitos pontos da cidade, 30% do fluxo de veículos são apenas motoristas procurando vagas para estacionar, o que faz aumentar os problemas de poluição, congestionamento, acidentes e tempo perdido no trânsito.

Ou seja, a proposta é que, se houver pouca procura por vaga, o preço da faixa azul irá diminuir até que a demanda aumente e a ocupação chegue em 85%. Já se as vagas começarem a ficar cheias, o preço irá aumentar, fazendo com que a demanda diminua e esvazie a ocupação para 85%. Inclusive, a proposta é que o preço possa variar por dia e horário.

Em seguida, para tornar essa proposta politicamente mais atraente, a segunda recomendação é que os recursos arrecadados sejam destinados a benefícios do entorno da zona azul, como a concessão de wi-fi grátis, mais limpeza urbana, policiamento ou concessão de transporte público gratuito para os funcionários da localidade…Utopia? Na verdade, algumas cidades dos EUA e do México já vêm adotando essas propostas e colhendo bons resultados.

Por último, os gestores públicos deveriam remover a exigência do número mínimo de vagas. Na verdade, é possível até inverter a lógica e passar a se exigir um número máximo de vagas. Muitas cidades têm feito isso, inclusive São Paulo aqui no Brasil.

Referências:

SHOUP, Donald. The high cost of free parking: Updated edition. Routledge, 2017.

ITDP BRASIL. Políticas de estacionamento em edificações na cidade do Rio de Janeiro: análise dos efeitos da legislação no desenvolvimento urbano. ITDP Brasil. Jul, 2017.

https://www.youtube.com/channel/UCUHyJqXt-6zcGmjFZFvmYLA