Ao saber que a prefeitura irá implantar ciclovias nas ruas em que estão estabelecidos, alguns comerciantes ficam receosos e tendem a ser contrários à iniciativa. Mas exemplos internacionais mostram que essas vias exclusivas para ciclistas beneficiam o comércio local.

Conforme o projeto de implantação de ciclovias nas cidades brasileiras avança, algumas circunstâncias interessantes acontecem para provar que “a história se repete”. Assim como já aconteceu décadas atrás em países que hoje são reconhecidos pelo apoio ao ciclismo, está ocorrendo uma resistência dos comerciantes em aceitarem a implantação das vias exclusivas para bicicleta em frente às suas lojas.

Os lojistas temem que tirar vagas de estacionamento e vias de circulação dos carros diminui o fluxo de pessoas em seu estabelecimento. Enquanto São Paulo, Porto Alegre e outras cidades do Brasil vivem o momento de embate contra as ciclovias, Copenhague, Amsterdã e tantas outras comunidades já colhem os frutos de uma cultura em prol da bicicleta.

Os Estados Unidos é tido como referência nessa questão, especialmente porque a escritora e cicloativista Elly Blue fala sobre a relação da infraestrutura ciclística e comércio em seu livro Bikenomics, usando exemplos do país. Portland, no estado do Oregon, por exemplo, foi cotada como uma das 10 melhores cidades norte-americanas para andar de bicicleta, mas enquanto implantava sua rede cicloviária de mais de 480 km ao longo dos últimos 30 anos, vivenciou um momento de contrariedade dos comerciantes semelhante ao que acontece por aqui. Hoje, 15 mil dos 500 mil habitantes se locomove exclusivamente de bicicleta e as ciclovias ganharam a aceitação dos comerciantes.

Por que eles mudaram de ideia? Basicamente, porque os dados mostram que as receitas aumentam quando aumenta o fluxo de ciclistas. No livro Bikenomics, Elly relata que a Rua Magnolia, em Fort Worth, no Texas, teve duas das quatro pistas de rolamento de carros convertidas em ciclovias; depois disso os restaurantes apresentaram um aumento de receita de 179%.

Veja alguns fatos que mostram que as ciclovias incrementam o comércio.

Maior poder aquisitivo

Andar de bicicleta é econômico e o dinheiro que “sobra” dessa economia é gasto em outras coisas. Compare esse cenário com o de alguém endividado com o financiamento do carro, impostos e combustível: qual deles pode gastar mais no comércio local?

Menor velocidade

Em bicicleta a velocidade é compatível com a do ser humano. Isto possibilita que o ciclista preste atenção nas vitrines, esteja mais acessível às propagandas, interaja de maneira mais próxima com tudo o que ocorre ao seu redor, sendo mais fácil atrai-lo do que aos motoristas. Como atrair um possível cliente que passa a mais de 60 km/h fechado em seu carro?

Praticidade

Imagine que um ciclista está passando em frente a uma loja, vê algo interessante na vitrine e pensa em comprar esse objeto. Com toda a praticidade, ele para a bicicleta e se dirige ao estabelecimento. Imagine o mesmo acontecer para um motorista: é possível que ele prefira desistir da compra do que fazer um retorno ou encontrar uma vaga para estacionar.

Estacionamento

Vagas para bicicleta demandam menos espaço. Uma vaga de carro ocupa aproximadamente 13 m², área em que é possível acomodar 10 bicicletas. Ou seja, o lojista consegue atender um maior número de pessoas com menos espaço e consequentemente menos custo.

Segurança

Ruas para pessoas, com ciclovias, trânsito mais lento e restrição ao automóvel, são mais seguras para todos. Em um ambiente humanizado, as pessoas se sentem mais confortáveis para pedalar, caminhar e fazer compras.

Fluidez

Com mais pessoas se deslocando em bicicleta, diminuem os congestionamentos e as vias com maior fluidez permitem que serviços de logística sejam otimizados, diminuindo as perdas e atrasos que o comerciante sofre em virtude de engarrafamentos.

Ciclovias são boas não apenas para o comércio, mas também para a preservação da vida, para a otimização da ocupação do espaço urbano, enfim, para a criação de cidades mais inteligentes e sustentáveis. Quando os comerciantes brasileiros se derem conta disso, estarão não apenas apoiando a implantação de vias exclusivas para ciclistas, como também oferecendo infraestrutura para atrair o público ciclista. É só uma questão de tempo para que a história se repita.

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Em Portland, pessoas circulando em bicicleta em uma área comercial gastaram 24% mais por mês do que aquelas que circulavam de carro, segundo o estudo Business Cycles: Catering to the Bicyclcing Market 2012.

Empresas localizadas na 8ª e 9ª Avenidas de Manhattan, da Rua 23 até a Rua 31, que possuem ciclovias, tiveram um aumento de até 49% nas vendas, enquanto o crescimento médio do bairro foi de apenas 3%, segundo pesquisa realizada em 2012 pelo Departamento de Transportes de Nova Iorque.

Segundo o livro Bikenomics, a Rua Magnolia, em Fort Worth, no Texas, tinha quatro pistas de rolamento para carros, duas em cada direção. Em 2008, uma pista em cada sentido foi transformada em ciclovia e o aumento da receita dos restaurantes após a mudança foi de 179%.

A Rua Valencia, em São Francisco – EUA, ganhou ciclovia em ambos os lados em 1999. A pesquisa Economic Effects of Traffic Calming on Urban Small Businesses, realizada em 2003, mostrou que:

44,4% dos comerciantes considerou que a área foi revitalizada desde a implantação das ciclovias.

55,6% sentiu um aumento de moradores da região consumindo na área.

Nenhum dos comerciantes informou algum efeito negativo em virtude da implantação das ciclovias.