A inclusão da bicicleta de maneira plena na mobilidade urbana das cidades é uma trajetória longa com episódios simbólicos durante o caminho.

O tratamento cotidiano recebido por ciclistas e pedestres é talvez a maior exemplificação da importância de defender a inclusão e a atenção às necessidades de pedestres e ciclistas. Fotos de interdições completas de calçadas para obras, sem a garantia de alternativas seguras, são corriqueiras.

O problema certamente vai muito além da atenção do mestre de obras em preservar seu trabalho de restauração até que o cimento seque. É retrato de que a fluidez segura e confortável de pedestres reside na lista de inexistências da mobilidade urbana.

Certamente o melhor exemplo recente seja o impressionante muro na beira de uma ciclovia na zona leste de São Paulo. Da noite para o dia surgiu uma parede no meio do caminho, no meio do caminho a parede ficou, grudada ao guard-rail. Aos pedestres e ciclistas coube encarar o muro de frente e depois de contorná-lo, pular a infame estrutura de ferro. Essa última sempre lá para proteger os motoristas de muros e paredes que por ventura “interrompam” suas velozes trajetórias.

Mobilidade e consciência coletiva

A mobilidade é um fenômeno coletivo de percepção individual. Todo condutor é especialista em trânsito por conta das horas paradas em congestionamentos. Mas essa é apenas uma percepção, das muitas percepções equivocadas, que é possível ter ao volante de um automóvel, no guidão de uma moto, pedalando e até caminhando.

Cada papel exercido pelos cidadãos muda a sua percepção da realidade urbana. Mas pelo caráter opressivo das ruas brasileiras, o ciclista tem normalmente dois caminhos a seguir. Conformar-se e seguir pelas bordas, ou lutar contra o status quo que privilegia a fluidez veloz dos veículos motorizados.

O caminho para reverter condições desfavoráveis é dos mais variados e a própria opressão rotineira de dividir as ruas com motoristas agressivos acaba “embrutecendo” a conduta dos ciclistas ciosos por mudar a realidade que enfrentam. É fácil ser tomado pela agressividade, querer queimar todos os carros, destruir pontes e agredir motoristas. A guerra completa nas ruas certamente em nada irá contribuir para a paz de circulação.

Natural portanto que entender a bicicleta como política pública passa acima de tudo por promovê-la sem denegrir outros atores do trânsito. Ir além do maniqueísmo e de ciclistas contra motoristas.

O caos na mobilidade urbana é certamente um promotor do uso da bicicleta em potencial, pela simplicidade e confiabilidade das magrelas. A garantia da bicicleta como o melhor meio individual para percorrer uma distância e gastar o mesmo tempo todos os dias é um argumento forte para que mais pessoas pedalem. Mas não pode ser o único.

Acreditar na bicicleta como solução para os próprios problemas é apenas a primeira pedalada. O desafio é focar sempre nos estímulos positivos e propositivos que incentivem mais pessoas a pedalarem. Não haverá lei, ordem suprema ou imposição que tornará nossas cidades mais cicláveis, será a construção coletiva de incentivo para que as melhores decisões individuais de mobilidade sejam as melhores para a cidade.

No futuro, a mobilidade urbana será com menos sinalizações, divisões entre calçada e rua. Nesse futuro a circulação das pessoas será prioridade e as altas velocidades que tornam as ruas incompatíveis com a vida serão restritas à distantes auto-estradas. Até que esse futuro se construa, há que mudar a percepção que o caminho de pedestres e ciclistas pode ser interrompido sem qualquer consideração.