As 12 melhores formas de retirar carros das cidades

A Universidade de Lund, na Suécia, identificou e classificou as 12 medidas mais eficazes que as cidades europeias têm vindo a testar nas últimas décadas, utilizando dados de experiências reais.

Pergunta: o que é que as seguintes estatísticas têm em comum?

A segunda fonte (em crescimento) de emissões de CO2 na Europa;

O principal causador de mortes de crianças nos Estados Unidos e Europa;

A principal causa de poluição sonora, indutora de stress, e de poluição do ar, reduzindo a esperança de vida nas cidades europeias;

Um dos principais motores da desigualdade entre ricos e pobres em zonas urbanas.

Resposta: carros nas nossas ruas, principalmente os carros daqueles com maiores rendimentos.

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Apesar de uma (lenta) migração para carros eléctricos, as atuais tendências de consumos estão a tornar o uso do carro ainda mais dispendioso e desigual. Uma análise recente mostrou que a redução de emissões por parte de veículos elétricos foi mais que anulada pelo aumento do consumo de SUVs, veículos altamente dependentes de combustíveis fósseis. Os SUVs emitem mais carbono que Canadá ou Alemanha, e contribuem mais que a indústria pesada para o aumento destas emissões.

Enquanto os carros são frequentemente necessários para promover mobilidade e inclusão social das populações – em especial para os portadores de deficiência –, cidades centradas no automóvel são especialmente desvantajosas para as populações marginalizadas. No Reino Unido, mulheres, jovens e idosos, comunidades racializadas e portadores de deficiência tendem a fazer parte das famílias de menores rendimentos, das quais 40% não têm carro. Contrastando com as famílias de maiores rendimentos, em que praticamente 90% detêm pelo menos um carro.

Os hábitos de condução de um pequeno grupo causam grandes danos na sociedade como um todo, e isto é especialmente relevante nas cidades. Por exemplo, Copenhaga calculou, considerando os impactos para o bem estar social (saúde física, mental, acidentes e trânsito) e para o ambiente (emissões de gases efeito estufa, poluição do ar e sonora), que cada quilómetro feito numa bicicleta traz benefícios sociais em torno dos €0.64, enquanto um quilómetro feito por um carro causa uma perda líquida para a sociedade de -€0.71. Consequentemente, cada quilómetro em que um carro é substituído por uma bicicleta criará um benefício social de €1.35 – de acordo com o mesmo estudo, os ganhos de trocar um carro movido a combustíveis fósseis por um carro elétrico é de meros cêntimos.

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Reduzir o papel do carro nas cidades

Há meio século, a capital dinamarquesa era dominada pelo carro. No entanto, depois de campanhas lideradas por movimentos cívicos e populares para mudar as ruas e as políticas em vigor, como substituir lugares de estacionamento por ciclovias segregadas, o contributo da bicicleta em todas as viagens aumentou de 10% em 1970 para 35% nos dias de hoje. Em 2015, pela primeira vez, o número de viagens feitas com bicicletas ultrapassou o número de viagens de automóveis.

Entretanto, outras iniciativas para limitar o uso do carro têm sido testado pelo mundo; mas autarcas, urbanistas e cidadãos ainda não tem um guião solidamente suportados por evidência científica de qual a melhor forma de reduzir o carro nas cidades. A nossa investigação mais recente, feita pela Paula Kuss, do Centro de Estudos de Sustentabilidade da Universidade de Lundo, e publicada no Case Studies on Transport Policy, tenta contribuir para este debate ao ao quantificar a eficácia de diferentes políticas cujo objectivo é a redução do uso do carro.

O nosso estudo classifica as 12 medidas mais eficazes que as cidades europeias têm vindo a testar nas últimas décadas, utilizando dados de experiências reais, que vão de medidas de discriminação positivas como programas de incentivo ao uso de bicicletas ou caminhar para o trabalho, até medidas restritivas como a remoção de lugares de estacionamento. A classificação reflete a eficácia das cidades não só na redução do uso do carro, mas também em atingir melhorias na qualidade de vida e mobilidade sustentável para os seus residentes.

No total, analisámos um total de 800 relatórios, revistos por pares, e estudos de casos por toda a Europa, publicados desde 2010, a procura de estudos que quantificam onde e como é que as cidades conseguiram reduzir o uso do carro. De acordo com a nossa revisão da literatura, as políticas mais eficazes são a introdução de uma portagem urbana – que reduz o uso do carro entre 12% a 33% – e a criação de ruas sem carros e ciclovias segregadas, que reduzem o uso do carro nos centros das cidades até 20%. A tabela abaixo classifica e resume as 12 medidas mais eficazes para reduzir o uso do carro:

Classificação de estratégia de redução do uso do automóvel

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A desigualdade no uso do carro

O carro é intrinsecamente ineficiente e desigual no consumo de espaço e recursos. Em média, os automóveis passam 96% da sua vida estacionados, utilizando espaço nas cidades que poderiam ter outros usos mais benéficos, como a habitação e parques públicos. Em Berlim, os automobilistas, em média, utilizam 3,5 vezes mais espaço público que os não automobilistas, o que se deve essencialmente ao espaço de estacionamento.

E geralmente são as pessoas com maiores rendimentos que utilizam mais o carro: na Europa, o 1% mais rico conduz aproximadamente quatro vezes mais que o condutor médio, resultando numa contribuição de 21% da sua pegada carbónica. Para este grupo de maiores poluidores, o uso do carro é o segundo maior responsável pelas suas emissões poluentes, apenas atrás da aviação (que, em média, gera o dobro das emissões).

Dar prioridade ao carro como meio de transporte também favorece a expansão das cidades para os subúrbios. As casas nos subúrbios são geralmente maiores, o que contribui para um maior nível de consumo energético. Famílias que vivem em zonas suburbanas da América do Norte têm pegadas carbónica consistentemente maiores que os residentes urbanos: um estudo feito em Toronto mostra que a pegada suburbana era duas vezes superior.

Também existe evidência que o trânsito rodoviário aumenta com a expansão das estradas existentes – no entanto, este princípio, da “procura induzida”, é frequentemente ignorado pelos responsáveis pelo planeamento de tráfego, que sobrestimam os benefícios e subestimam os custos associados a construir infraestruturas rodoviárias.

Os veículos eléctricos são necessários, mas não são uma solução perfeita. Como os carros costumam ter uma vida útil longa, a migração para os elétricos é muito lenta. Alguns estudos antecipam reduções de emissões relativamente pequenas na próxima década como resultado da adoção de veículos elétricos. E mesmo que um carro elétrico não cause poluição do ar através do seu motor, o desgaste dos travões e pneus do carro continuam a deteriorar a qualidade do ar com poeiras tóxicas e micro-plásticos. Independentemente de como um carro é movido, podemos realmente considerar eficiente o uso de veículo que passa até 95% da sua vida útil parado, em vez de mover passageiros e mercadorias?

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Covid-19: uma oportunidade perdida?

O nosso estudo avalia experiências e inovações na mobilidade urbana introduzidas antes da pandemia. Em resposta ao Covid-19, os hábitos de mobilidade (pelo menos no início) mudaram de forma drástica. No entanto, após uma redução significativa do uso do carro na Primavera de 2020, a condução automóvel e poluição associada a esta prática aumentou para níveis próximos dos pré-pandémicos. Na Suécia, enquanto o uso de transporte público caiu 42% no primeiro ano de pandemia, o uso de carro caiu apenas 7% no mesmo período, levando a um aumento da prevalência do carro em termos relativos.

Enquanto hábitos enraizados como o uso do carro são difíceis de alterar, períodos disruptivos são chances de alterar tais comportamentos – em parte porque as pessoas são forçadas a criar novos hábitos e rotinas, onde podem descobrir vantagens inesperadas. Contudo, para tais mudanças se manterem de forma permanente, mudanças nas infraestruturas das cidades são necessárias. Infelizmente, apesar das cidades Europeias terem introduzido ciclovias pop-up e o uso de bicicletas ter aumentado de forma impressionante, entre 11% e 48%, estamos a observar um regresso da cidade centrada no carro, com faixas de rodagem e lugares estacionamentos a substituírem, novamente, espaços dedicados a ciclistas e peões.

Regra geral, tem-se desperdiçado a oportunidade de conjugar a recuperação pandémica com objectivos climáticos. Menos de 20% dos gastos públicos relativos à pandemia tiveram um contributo para a redução da emissão de gases efeito estufa.

Um factor determinante para o futuro do carro nas cidades é o regresso da condução como forma de mobilidade entre casa e o trabalho. Políticas de mobilidade pensadas para reduzir viagens de automóvel desnecessárias, e oportunidades de utilizar tecnologias de comunicação remota podem reduzir as emissões associadas a estas práticas em 94% – o que também pouparia tempo. Quem trabalha remotamente três ou mais dias por semana tende a viajar menos que os restantes trabalhadores. No entanto, longas viagens de carro podem facilmente anular este tipo de poupança, por isso, viver próximo do local do trabalho continua a ser a melhor alternativa.

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Não existem soluções milagrosas

A investigação científica é consensual: reduzir o uso do carro deve ser uma prioridade para melhorar indicadores de saúde, cumprir objectivos climáticos e criar cidades com melhores condições de habitabilidade. Contudo, diversos governos na Europa e Estados Unidos continuam a subsidiar fortemente o uso do carro através de uma combinação de subsídios à produção fóssil, créditos fiscais para quem utiliza o automóvel, e incentivos para veículos comerciais que promovam este modo de transporte face a outros. De forma geral, estas medidas pagam aos poluidores para continuarem a impor estes custos na sociedade.

Autarcas detém mais ferramentas ao seu dispor do que por vezes se apercebem – desde medidas económicas como taxas e subsídios, ou estratégias de mudança de comportamento como partilhar informação sobre mobilidade dos seus cidadãos. O nosso estudo mostra que mais de 75% das inovações a nível urbano que reduzem o uso do carro foram aplicadas por autarquias – em particular aquelas que foram mais eficientes, como portagens urbanas, regulações no estacionamento ou condição, e a criação de zonas de tráfego limitado.

Mas um ponto importante do nosso estudo é que um reduzido número de medidas muito específicas não são eficazes – não existem soluções milagrosas. As cidades com maior sucesso nesta área costumam combinar várias políticas, incluindo medidas que promovam a mobilidade leve, e medidas mais punitivas que cobram ou restringem a condução ou estacionamento automóvel.

Estas são as 12 melhores formas de reduzir o uso automóvel numa cidade:

1. Portagem urbana

A medida identificada no estudo como sendo a mais eficaz implica o pagamento de uma porta ao entrar na cidade, com a transferência das receitas para modos de transporte mais sustentáveis. Londres foi a cidade pioneira desta política, e reduziu o tráfego no centro uns impressionantes 33% através da introdução desta portagem em Fevereiro de 2003, pelo primeiro Presidente de Londres, Ken Livingstone. A portagem tem um preço fixo (com algumas excepções para certos veículos ou grupos sociais) e tem sido aumentada ao longo dos anos, das 5 £/dia para 15 £/dia em Junho de 2020. Um ponto fundamental desta medida é que 80% da receita é canalizada para a rede de transporte público.

Outras cidades europeias seguiram o exemplo e adotaram sistema semelhantes após a aprovação em referendos em Milão, Estocolmo e Gotemburgo – nas cidades suecas, o preço de entrada na cidade varia conforme o dia e a hora de entrada. Apesar da eficácia das portagens urbanas, esta medida de forma isolada não consegue resolver o problema do trânsito, que persiste enquanto existirem incentivos e infraestruturas que favoreçam o uso do carro.

2. Controlo de estacionamento e trânsito

Várias cidades europeias, regulações para remover lugares de estacionamento e alterar a estrutura rodoviária – em vários casos substituir espaço anteriormente utilizado como infraestrutura automóvel para outros usos, como ruas sem carros, ciclovias e passeios. Por exemplo, Oslo a substituição de lugares de estacionamento por ruas sem totalmente pedonais e ciclovias resultou numa redução do uso do carro no centro em até 19%.

3. Zonas de tráfego limitado

Roma, historicamente uma das cidades com mais trânsito na Europa, alterou o seu modelo de mobilidade em favor do transporte público, ao restringir o uso do carro no centro da cidade, em certos períodos do dia apenas para residentes, e cobrando uma taxa anual pela utilização. Esta medida reduziu o trânsito na capital italiana em 20% durante as horas de restrição, e 10% durante os restantes períodos, em que todos os carros podem entrar no centro. A receita associada com multas é utilizada para financiar o sistema de transporte público.

4. Serviços de mobilidade para movimentos pendulares

Das medidas exclusivamente focadas no incentivo positivo do nosso estudo, a mais eficaz foi uma campanha de serviços de mobilidade para os commuters da cidade de Utrecht, Holanda. O município e empresas privadas colaboraram de forma a garantir transporte público gratuito para os trabalhadores, combinado com autocarros privados para ligar o transporte público com os locais de trabalho. Este programa, promovido através de estratégias de marketing e comunicação, foi responsável por uma redução de 37% na proporção de passageiros que usavam o carro para chegar ao centro da cidade.

5. Estacionamento pago no local de trabalho

Outra forma eficaz de reduzir o número de pessoas que utilizam o carro para chegar ao local de trabalho é a introdução de um dístico de estacionamento. Por exemplo, um centro médico no porto de Roterdão reduziu o número de empregados que utilizavam o carro em 20-25%, através de um sistema em que os trabalhadores pagavam pelo estacionamento, enquanto ofereciam a opção de abdicar do lugar de estacionamento em troca de serviços de transporte público. Este sistema foi três vezes mais eficaz que um programa mais abrangente na cidade britânica de Nottingham, que aplicou um dístico de estacionamento a todas as empresas com mais de 10 lugares de estacionamento. As receitas associadas a este programa foram canalizadas para o sistema de transporte público da cidade, contribuindo para a expansão do metrô de superfície.

6. Planeamento de viagens para o trabalho

Programas em que as empresas garantem aconselham e incentivam os seus trabalhadores a deixar de usar o carro são usados em várias cidades da Europa. Um dos principais estudos da área, publicado em 2010, avaliou 20 cidades no Reino Unido e revelou que, em média, 18% dos trabalhadores começaram a usar outro meio de transporte que não o carro, após a aplicação de um conjunto de medidas – incluindo autocarros corporativos, descontos no uso de transporte público e melhoria da infraestrutura ciclável – e também a redução dos lugares de estacionamento. Noutro programa, a cidade Britânica de Norwich apresentou resultados semelhantes através de um extenso plano que não inclui descontos no transporte público. Este tipo de políticas, que simultaneamente oferece incentivos positivos para o uso de outras formas de mobilidade de penaliza o uso do carro, foram mais eficazes que uma política estritamente focada em incentivos em Brighton & Hove, no sul de Inglaterra. A criação de infraestruturas cicláveis, como os hangares de bicicletas, apenas reduziram o uso do carro em 3%.

7. Planeamento de viagens para a universidade

Tal como programas de planeamento apresentados acima, programas de planeamento de transporte na Universidade combinam a promoção de alternativas de transporte com medidas restritivas de estacionamento no campus universitário. O caso de maior sucesso estudado nesta investigação foi na Universidade de Bristol, em que o uso do carro por parte dos trabalhadores foi reduzido em 27%, enquanto se melhorou a infraestrutura ciclável e ofereciam descontos no sistema de transporte público. A cidade de San Sebastian implementou um programa mais ambicioso que inclui tanto professores como alunos. Apesar de ter alcançado uma redução mais modesta, em torno dos 7,2%, a redução do número absoluto de carros foi significativa, dado o tamanho total da população afectada.

8. Serviços de mobilidade para a universidade

A cidade siciliana de Catania usou um método apenas focado em incentivos de mobilidade para a população universitária. Ao oferecer transporte público gratuito e uma ligação de autocarro até ao campus, a cidade conseguiu reduzir a população estudantil que utiliza o carro em 24%.

9. Partilha de carros

De acordo com a nossa análise, talvez de forma surpreendente, o uso partilhado do carro é um método com resultados mistos no que diz respeito a redução do uso do carro. Este tipo de sistema, onde os participantes podem facilmente alugar um carro por algumas horas, obteve resultados promissores em Bremen (Alemanha) e Génova (Itália), onde cada carro compartilhado substitui, em média, 12-15 carros privados. Este método inclui o aumento do número de carros compartilhados e estações de aluguer, integrando-as em zonas habitacionais, transportes públicos e infraestrutura ciclável.

Ambos os programas também envolveram campanhas de consciencialização. No entanto, outros estudos apontam para os riscos do uso compartilhado do carro, de fato, induzir para o maior consumo do automóvel, por parte de pessoas que anteriormente não conduziam. Portanto, recomendamos que seja feita mais investigação sobre como desenhar um sistema de uso partilhado do carro que reduza verdadeiramente o seu uso.

10. Planeamento de viagens para a escola

Duas cidades inglesas, Brighton & Hove e Norwich, utilizaram (e avaliaram) medidas de planeamento de viagens escolares: fornecendo conselhos, planeando viagens, e também através de eventos, para alunos e pais utilizaram outras formas de mobilidade como caminhar, andar de bicicleta ou partilhar o uso do automóvel. Para além destas campanhas, a infraestrutura ciclável foi melhorada. Norwich descobriu que foi capaz de reduzir a quota do uso de carro para viagens escolares em 10,9%, usando essa abordagem, enquanto a análise feita em Brighton permitiu descobrir que o impacto da medida foi cerca de metade.

11. Planeamento de viagens personalizadas

Diversas cidades têm experimentado planos de aconselhamento individualizado para os seus residentes, incluindo Marselha (França), Munique (Alemanha), Maastricht (Holanda), San Sebastian (País Basco, Espanha). Estes programas – ao aconselharem os residentes a planear a viagem a pé, de bicicleta ou a usar (às vezes com descontos) o transporte público – resultaram em reduções do uso do carro de 6-12%. Contudo, visto que estes sistemas englobam todos os residentes, e não apenas uma minoria como programas focados em escolas ou algumas empresas, estas medidas têm um papel relevante a reduzir a utilização do carro em termos absolutos. (A cidade de San Sebastian introduziu planos de viagens universitários e globais em simultâneo, o que provavelmente teve um efeito reforçado, comparativamente com estas políticas de forma isolada).

12. Aplicação para mobilidade sustentável

Tecnologia associada aos telemóveis têm vindo a crescer no que diz respeito à estratégia de redução do uso do carro. Por exemplo, a cidade italiana de Bolonha desenvolveu uma aplicação para pessoas e grupos de trabalhadores de várias empresas acompanharem a forma como se deslocam. Os participantes competem por pontos ao andar a pé, de bicicleta, ou utilizar transportes públicos, com empresas locais a oferecerem prémios às equipas que conseguem mais pontos.

Existe um interesse crescente na gamificação da mobilidade sustentável – e à primeira vista, os dados da aplicação de Bolonha mostram resultados impressionantes. De forma impressionante, 73% dos utilizadores reportaram usar menos o automóvel. Mas ao contrário de outros estudos que medem o número ou distância das viagens, não é possível calcular a redução efetiva do uso do carro, ou emissões de CO2, e por isso a eficácia do programa é ambígua.

Enquanto os dados de mobilidade de aplicações podem ser ferramentas úteis para melhorar o planeamento de viagens, é necessário desenhar bens e serviços inteligentes que realmente reduzam emissões e promovam a sustentabilidade do transporte, porque a evidência existente é híbrida. Por exemplo, um estudo de 2021 mostra que depois de serviços de transporte como a Uber e Lyft entrarem no mercado, o número de carros existentes aumenta – em particular em cidades que já eram altamente dependentes do carro – e a utilização de transporte público cai em zonas mais ricas.

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As cidades precisam de se reinventar

Reduzir a dependência automóvel não é apenas uma boa ideia. É algo necessário para garantir a sobrevivência das pessoas e ecossistemas no mundo, que o recente relatório do IPCC relativo aos impactos climáticos mostra como o mundo tem de ficar próximo dos 1,5°C para limitar os efeitos mais nefastos do aquecimento global. Para evitar danos irreversíveis e cumprir com as obrigações assinadas no tratado de Paris, os países industrializados como o Reino Unido e Suécia têm de reduzir as suas emissões em 10-12% por ano – cerca de 1% por mês.

Contudo, até ao início da pandemia, as emissões com transporte na Europa continuavam numa trajectória de crescimento. De facto, as atuais políticas preveem que as emissões de transporte em 2040 estejam praticamente inalteradas dos valores observados 50 anos antes.

Para cumprir os objetivos climáticos e de saúde do planeta, municípios necessitam de fazer a transição para modos de mobilidade sustentável, primeiro evitando a necessidade de mobilidade (como o exemplo da cidade de 15 minutos em Paris); e depois, alterando as necessidades de mobilidade do carro para transporte público, sempre que possível; finalmente, tornar a frota automóvel remanescente neutra em emissões.

Esta transição tem de ser rápida e justa: autarcas e sociedade civil precisam de trabalhar com as populações para ganharem legitimidade política e ímpeto para fazer estas mudanças. Sem uma aceitação pública abrangente para reduzir o número de carros, o objetivo da UE para ter 100 cidades neutras em carbono em 2030 é uma hipótese improvável.

Reduzir o número de carros de forma radical exige que as cidades sejam melhores lugares para se viver – e é possível. Um estudo de 2020 demonstra que podemos usar menos 60% da energia de hoje e garantir níveis de vida dignos para os 10 mil milhões de habitantes projetados para o planeta. Mas para fazê-lo, os países desenvolvidos precisam de desenvolver redes de transporte público três vezes maiores do que aquelas que existem, e cada pessoa tem de limitar as suas viagens em 5 000 quilómetros (em cidades densas) e em 15 000 quilómetros (em áreas remotas).

Os impactos positivos de reduzir os carros nas cidades vão ser sentidos por todos que vivem e trabalham nelas, na forma de um espaço público mais habitável. Como um jornalista que visitou a cidade sem carros belga de Ghent, disse em 2020:

“O ar sabe melhor… as pessoas tornaram as ruas em salas de estar e jardins extras.”

As cidades precisam de se reimaginar e tornarem o necessário no possível. No cerne da questão, guiado por evidência científica que mostre o que funciona, as cidades precisam de se libertar do carro.

Artigo da autoria de Kimberly Nicholas, professora associada de sustentabilidade na Universidade de Lund, na Suécia.

Este artigo foi originalmente publicado na plataforma The Conversation e republicado no Lisboa Para Pessoas devidamente traduzido, sem nenhuma alteração ao conteúdo original, que pode ser encontrado aqui. O texto está licenciado ao abrigo da norma CC BY-ND 4.0.

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