Já falamos sobre a Peugeot Turismo 3 modelo feminino. Agora, voltamos a falar mais da história dessa grande marca, e especialmente do modelo masculino.

Sobre a bicicleta, a base do projeto foram as excelentes Peugeots Ballonete do pós II Guerra Mundial, modelos elegantes, rápidos e confortáveis que conquistaram uma parte do mundo ocidental para onde foram exportadas. Peças apreciadas por quem sabe reconhecer uma boa bicicleta (colecionadores ou não), apenas sentando no selim e dando uma volta com ela.

Há décadas usando vários modelos, um detalhe sempre chamou minha atenção. As bicicletas Peugeot não fazem barulho quando em movimento. Não existe o famoso “nhec nhec” que incomoda durante as pedaladas ou para-lamas batendo a cada buraco ou trepidação. Isso é fácil de explicar. De posse de algumas ferramentas básicas (chaves fixas de 8 a 13 mm, alicate, chave inglesa e de pedal), você monta e desmonta toda ela.

Ah! E um sacador de corrente, caso necessário. Melhor, nenhum de seus parafusos para prender os para-lamas, bagageiro, hastes de para-lamas ou cobre-corrente é do tipo fenda ou Philips. São todos de 8 mm sem exceção, tanto as porcas como os parafusos. Caixas do movimento central e de direção com 34,7 mm, raramente apresentam folgas. Nunca, se forem bem montadas e lubrificadas adequadamente. Resumindo: é fácil trabalhar com elas. 

Esta Turismo 3, conforme sua especificação de fábrica, é o modelo que mais se aproxima de suas “irmãs francesas”, devido ao guidão reto ou bigodinho, como era chamado antigamente. Conforme já falamos em outra ocasião, trata-se de uma bicicleta sobre a qual faltam mais detalhes, com certeza devido ao desaparecimento prematuro da marca no país como veremos no “box” desta matéria. Informações que nos chegaram através de várias formas dão conta de tratar-se de uma quantidade não determinada de bicicletas com esse tipo de guidão mais esportivo colocado no mercado. Quem sabe para sentir a aceitação por parte dos consumidores.

Dos poucos catálogos lançados, materiais de divulgação e manuais que temos, não encontramos referência. Para quem conhece ou andou com as Ballonetes, o conforto, a segurança e a progressão a cada pedalada são os mesmos. O “senão” fica por conta dos freios que poderiam ser melhores: cantillever nas francesas, e “center-pull” nas nossas, que funcionam com segurança. Quanto aos componentes, câmbios Simplex ou Huret, cubos Aton, corrente Sedis, que garantiam um funcionamento macio e… Nenhum barulho. Zero “nhec nhec”.

Um pouco de história

Segundo contribuições de “peugeotmaníacos”, pesquisadores e interessados – quero deixar transparente, na intenção de colaborar de forma positiva com o tema – eu também me incluo nesse grupo. Conversações num passado não muito longínquo entre os escalões superiores da Peugeot Internacional e a Cia Alterosa de Cerveja do Grupo Mineiro Hermógenes Ladeira, iniciaram negociações para o estabelecimento de uma sociedade, tendo por objetivo a instalação de uma fábrica de bicicletas no Brasil com a marca do “Leão Rompante”. Estudos posteriores identificaram a cidade de Montes Claros, em Minas Gerais, um já renomado pólo industrial para a instalação da “Cycles Peugeot”, posteriormente, mais conhecida como Almec Indústria Mecânica.

Um descompasso ou lapso nessa relação societária ainda não totalmente esclarecida resultou em um atraso na construção da fábrica em Minas Gerais, e a quase falência do grupo que fizera aportes financeiros com dinheiro da extinta SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), instituição que, como tantas no Brasil, possui um passado nebuloso. Existem relatos de que a Peugeot, surpreendida, tentou sair do negócio. Por outro lado, uma conceituada marca internacional poderia ter maculada uma história com mais de 100 anos de idade. A composição do capital ficou acordada entre as partes em 40% do montante dos investimentos para a Peugeot, e o restante dividido entre a Cia Alterosa e sócios menores.

A marca do leão rugia forte desde o início e o mote de vendas para alavancar o comércio tinha por base uma longa tradição no mercado. Ademais, olhos fixos num futuro de diversificação de produtos, eles usaram o seu maior cacife de tecnologia para a época: o carro. “Produzir bicicletas como se fabrica automóveis”. Obviamente, sacudiram um mercado até então compartilhado apenas por duas fabricantes no país, e o susto foi grande. Apesar dos esforços, os problemas se agravaram logo depois de iniciada a produção. A dívida girava em torno de 10 milhões de cruzeiros, uma enormidade para a época. Na virada da década de 80, esse valor era dez vezes maior, e a Cycles Peugeot resolveu pular fora do negócio, pagando uma enorme multa contratual, sem deixar nenhum vestígio de sua presença. Em 1981, a Almec Indústria Mecânica seguiu sozinha com capital 100% nacional, inclusive com uma fábrica na Zona Franca de Manaus. Destino inglório (má gestão? fraudes? corrupção?), a fábrica perdeu os aportes da SUDENE e fechou suas portas para sempre. Uma legião incontável de fãs e admiradores ficaram órfãos. Tudo o que existia em sua linha de produção desapareceu misteriosamente, o que tornou muito difícil a recuperação/restauração de qualquer modelo devido à falta de peças de reposição. Triste fim da marca no Brasil, porém, o Leão continua rugindo muito forte pelo mundo. Com certeza, voltaremos ao assunto num futuro próximo.