A origem do capacete de ciclismo remonta a várias décadas. foi necessário um bom tempo até entender o quanto proteger a cabeça é importante – e mais tempo ainda até desenvolver equipamentos adequados para isso.

Inglaterra, 1935. As motocicletas já tinham uma certa popularidade, e estavam em crescente uso por parte de forças armadas no mundo todo. Um dos usuários das barulhentas de duas rodas era Thomas Edward Lawrence, um oficial inglês que ficou famoso por seus relatos detalhados e realistas sobre a guerra no Oriente Médio, na qual ele foi uma peça chave como líder dos árabes rumo à independência. ‘Lawrence da Arábia’, como ficou conhecido, era um homem virtuoso, com uma ávida busca pelo conhecimento. Era inclusive, um cicloturista! Viajou pela França com sua bicicleta nos anos de 1906 até 1908.

Depois, Lawrence desenvolveu uma paixão especial pelas motocicletas. Até que no dia 13 de maio de 1935, enquanto pilotava sua Brough Superior SS1000 de volta para casa em Clouds Hill, Inglaterra, Lawrence subitamente se deparou com dois garotos andando de bicicleta, os quais ele não tinha visto devido à uma depressão na estrada. Lawrence conseguiu desviar deles, mas acabou perdendo o controle da motocicleta e foi arremessado por cima do guidão. Como estava sem capacete, Lawrence sofreu graves lesões na cabeça, que o deixaram em coma. Hugh Cairns era neurocirurgião na equipe de médicos que cuidou de Lawrence. Após seis dias em coma, Lawrence faleceu. O Dr. Cairns simplesmente não conseguia aceitar a perda daquela pessoa tão singular. A partir disso, ele iniciou um estudo, denominado “Perda desnecessária de vidas de pilotos de motocicleta devido a ferimentos na cabeça”.

O exército inglês deu pleno apoio ao estudo do Dr. Cairns e logo equipou todos os seus soldados motociclistas com os primeiros capacetes desenvolvidos. Mais tarde, o governo inglês determinou como obrigatório o uso do capacete para motociclistas. O modelo foi copiado por muitos países ao redor do mundo em pouco tempo.

No ciclismo

O primeiro passo foi dado: mostrar que proteger a cabeça é muito importante, especialmente sobre veículos de duas rodas. Mas ainda não haviam capacetes próprios para ciclismo. No alvorecer da era da bicicleta, muitos ciclistas tentaram fazer seus próprios capacetes, ainda mais os que usavam bicicletas altas como os velocípedes. A maioria desses protótipos não era eficiente.

O oficial inglês Thomas Edward Lawrence, mais conhecido como ‘Lawrence da Arábia’. © Licensed under Public Domain via Wikimedia Commons
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Com o aumento do número de ruas pavimentadas, de ciclistas e da velocidade que essas ruas permitiam que os ciclistas atingissem, aumentou também o número de acidentes com bicicletas, cujos casos fatais em grande maioria envolviam ferimentos na cabeça. Por isso, nos anos 1880 surgiram capacetes feitos principalmente de cortiça – o material das rolhas de vinho – que é leve e absorve uma boa quantidade de vibração e impacto. Este era o melhor material disponível para se construir um capacete na época. Alguns desses capacetes de cortiça tinham revestimento em couro.

Perto de 1900, os capacetes se tornaram mais ventilados: eram basicamente, uma faixa de couro ao redor da cabeça, com uma faixa de lã por cima. Depois mais tiras foram adicionadas por cima da cabeça, com revestimento externo em couro, o que rendeu um bom estilo a alguns desses capacetes. Este tipo de capacete foi utilizado até o começo dos anos 70. Eram chamados de “redes de cabelo” (hairnets). Segundo os ciclistas que os utilizavam, eles não eram muito eficientes contra impactos. Porém, eram ótimos em evitar que o ciclista perdesse sua orelha ao cair e deslizar sobre o asfalto. Ainda nessa época, clubes de pedal resolveram testar capacetes de hockey e montanhismo como proteção para ciclistas. Não deu certo. Esses capacetes tinham vários problemas, como peso, tamanho, obstrução da visão e falta de ventilação.

Então, em 1974, a Bell Capacetes deu um grande passo ao introduzir o Bell Biker, o primeiro capacete desenhado e fabricado para ciclismo. Ele utilizava EPS – Poliestireno Expandido – como material de absorção de impacto e tinha entradas de ventilação cônicas. Logo depois, a Mountain Safety Research também lançou seu capacete de ciclismo, que seguia a linha dos capacetes de montanhismo, utilizando EPS como material absorvente. Testes posteriores apontaram que esses dois capacetes, junto com outro modelo conhecido como Bailen Bike Bucket, um capacete de tamanho único, eram os mais eficientes disponíveis para ciclismo na época.

Evolução

Os testes e a fabricação dos capacetes agora enfrentavam um novo problema: não havia padrões para a indústria de capacetes! Em 1984, o comitê norte-americano ANSI adotou a ANSI Z80.4, o primeiro padrão para capacetes funcional dos EUA. Na metade da década de 1980, os capacetes se caracterizaram por forros de EPS com cascos rígidos em ABS ou policarbonato.

O próximo grande passo no conceito do capacete de ciclismo foi dado quando a Bell lançou um capacete infantil, chamado “L’il Bell Shell”, que não possuía casco e era fabricado inteiramente em EPS, entregando uma boa proteção para as crianças. Esse modelo era baseado em um capacete produzido por pediatras para proteger a cabeça de crianças após cirurgias. No entanto, a Bell limitou a ideia de um capacete feito inteiramente de EPS aos capacetes infantis, por achar que capacetes adultos sempre deveriam ter um casco externo rígido.

Aproveitando a oportunidade, um designer chamado Jim Gentes desenhou em 1986 um capacete de ciclismo com algumas entradas para ventilação e sem casco rígido, criando o desenho Giro Sport para comercializar o conceito. Por ser leve, o modelo se tornou uma febre. Mesmo com o preço elevado do produto, a Giro vendia aos montes. Mas a febre dos capacetes de EPS logo revelou falhas catastróficas dos equipamentos no primeiro impacto, já que o EPS tende a se despedaçar caso não haja algo que o mantenha no lugar. Por isso, surgiram capacetes de EPS com capas, como redes de Nylon ou Lycra.

O começo dos anos 90 marcou o grande retorno dos cascos. Dessa vez, os cascos foram fabricados em PET e outros tipos de plástico. O casco ajudava a manter o EPS no lugar com o impacto, além de fazer o capacete escorregar sobre o asfalto ou pavimentos. O casco de PET era produzido separado da concha de EPS, e então as partes eram coladas. Em pouco tempo esse método se tornou o padrão.

Outra inovação veio ainda na década de 90: moldar a espuma (EPS) diretamente no casco. O casco passou a ser colocado dentro do molde antes do preenchimento com espuma. Como esse processo usa temperaturas elevadas, o PET já não se qualificava mais como material do casco. Outros materiais mais resistentes, como o policarbonato, assumiram essa posição. Este avanço também permitiu fabricar capacetes mais finos.

No final da década de 90, houve uma onda de capacetes com designs pouco práticos, que estendiam a traseira do capacete, criavam elevações e curvas, em busca de estilo. Esse estilo custava o peso, o equilíbrio e a discrição do capacete. Mas com a virada do milênio os capacetes mais ‘normais’ e arredondados voltaram a ser o padrão do ciclismo. Ufa.

Um dos últimos estilos que entrou para o hall do ciclismo foi um capacete derivado do skate, aqui no Brasil chamado de ‘coquinho’. Indo além de um acessório para proteção, esses capacetes abriram um campo para arte e estilo.

Materiais

O principal material usado nos capacetes ainda é o EPS. ‘Ainda’ porque este é o principal material desde a década de 1950 em outras modalidades esportivas. Existem capacetes feitos de outros materiais, que quase sempre são espumas deformáveis.

No final da década de 1980 surgiu o EPP – Polipropileno Expandido, uma espuma muito parecida com o EPS, porém um pouco mais elástica, muito usada na indústria automotiva. Apesar de chegarem a ser fabricados e comercializados, os capacetes em EPP não decolaram devido a algumas características indesejáveis.

A General Eletrics também lançou seu próprio composto, chamado GECET. Originalmente desenhado para outro propósito, o GECET foi muito apreciado para capacetes por conseguir evitar quebras e rachaduras, permitindo capacetes mais finos e com maiores aberturas para ventilação.

O revestimento externo em couro rendeu um bom estilo a alguns capacetes perto de 1900. © pedalpedlar.co.uk DIVULGAÇÃO / © specialized DIVULGAÇÃO

O futuro dos capacetes

Nos últimos anos surgiram muitas alternativas ao EPS, mas ele continua sendo o rei dos materiais para capacetes. Entre as alternativas surgiram até capacetes de papelão. A ideia pode parecer pouco promissora, mas pense um pouco: papelão é barato, reciclável, e portanto, ecológico, ainda mais se comparado ao EPS, que leva séculos para se decompor naturalmente. Papelão ainda pode facilmente ser pintado ou colorido, e se necessário, pode ser ajustado conforme a cabeça do piloto sem grandes dificuldades.

Entre os mais recentes avanços no campo da proteção de cabeças estão capacetes que aguentam mais de um impacto. Isso não é novidade, mas até então a ideia nunca tinha sido plenamente desenvolvida e comercializada. Capacetes dobráveis também apareceram no mercado recentemente. Os capacetes ficam cada vez mais leves, mais eficientes, e esperamos nós, mais baratos. Ainda há muito o que descobrir sobre como fabricar bons capacetes e sobre os materiais usados neles. Boas cabeças ainda vão descobrir novos meios de proteger a cabeça dos ciclistas!

A etimologia da palavra ‘capacete’

A palavra capacete é espanhola. Significa “peça de proteção para a cabeça”. Em catalão, a expressão é cabasset. Essas expressões derivam do latim capaceum, que era a denominação de uma cesta usada para colher frutas. Já a cesta ganhou o nome devido as expressões capãx e capãcis, que significam algo que pode segurar coisas, e de capere, que significa conter, apanhar.

Já a expressão em inglês, helmet, dá a entender um diminutivo da palavra helm, traduzida como elmo. Os elmos eram capacetes de guerra da idade média usados por várias nações, principalmente europeias. A palavra helm é inglesa (para os saxões, frísios e antigos alto-alemães a palavra também é helm), mas tem origem na língua proto-germânica – a língua ancestral de todas as línguas germânicas modernas, como o inglês, alemão, holandês, dinamarquês, norueguês e outras.

Nesta língua primitiva da qual existem poucas inscrições sobreviventes (nenhum texto completo dela sobreviveu) a expressão que deu origem à palavra elmo é helmaz, que significa “cobertura protetiva”. Indo ainda mais fundo, na língua proto-indo-europeia (que deu origem à língua proto-germânica) encontramos as expressões kelmo-s (cobrir, esconder) e kel- (esconder, proteger) que pelo visto deram origem à expressão proto-germânica helmaz.