Um amigo, antiquarista de longa data, o Jean, tinha sua loja na Rua Dona Francisca em Joinville, localizada no térreo do prédio que pertencia à Junta de Alistamento Militar. Como é de hábito, regularmente visito todos esses espaços (usados, ferros-velhos, sucateiros etc.), pois sempre existe a chance de encontrar uma antigona, peças ou acessórios. Na época eu restaurava uma Lambretta LI, ano 1966 e que tenho até hoje, exposta em uma choperia da cidade.

Dessa empreitada, restaram muitas peças e lataria suficientes para montar outra Lambretta. Era uma segunda-feira, dia de museu fechado para limpeza e manutenção e, depois de encerradas as tarefas do dia, saí um pouco mais cedo e dei uma passada no Jean. Essa loja era bem diferente da atual. Casarão antigo com muitos cômodos, porém, mais apertadinhos e que denotavam um ambiente mais aconchegante. Logo que entrei vi algumas bicicletas encostadas junto a uma enorme pilha de livros. Havia uma Raleigh masculina aro 28, uma Monareta aro 20, vários aros e guidões… Além dessa Brasiliana.

A Raleigh, peça excelente e original, foi destruída quando desabou o telhado do MuBi em 2010, cujo desfecho inimaginável foi o fechamento do único Museu de Bicicletas da América do Sul, pela gestão que administrava a cidade. Águas passadas, o MuBi foi reinaugurado com muita pompa e circunstância (vide matéria na edição n° 27, abril de 2013, desta revista), onde a Monareta e a Brasiliana 64 estão em exposição permanente numa de nossas salas.

Das três peças, a Brasiliana requeria mais atenção. Devido à proximidade que Joinville tem com o mar, a ferrugem é um problema sério. Essa bicicleta estava coberta de marrom. Nem por isso deixou de ser encantamento à primeira vista. Confesso que sempre tive uma “quedinha” pelas magrelas mais fragilizadas. Excetuando a questão da pintura ela estava intacta e com pouco uso. O Jean me dissera na ocasião que comprara uma boa parte de objetos de uma casa antiga que seria demolida, inclusive essa bicicleta que fazia parte do lote. Fiz a proposta, aceita pelo amigo, de trocar a Lambretta pelas bicicletas e demais peças. Fui até em casa e peguei o “amarelão” (um MB 608-D que comprei dos Correios), e levei essa valiosa carga para o museu. 

Munido de paciência, cuidado, lixas e alguns químicos, foi possível decapar a ferrugem e restituir essa peça mais de 70% de sua originalidade, ou melhor, de sua vida e de sua história. Os largos filetes pretos sobre os para-lamas, os contornos no cachimbamento do quadro, tudo feito à mão. Ela veio sem o bagageiro, e há pouco tempo, outro amigo, o Beppler, presenteou-me com o original que ainda não consegui recuperar. Farei com certeza, mas como diz a letra da música “…gosto dela mesmo assim…”.

Enquanto escrevia esse texto, ouvia no rádio as notícias referentes aos 50 anos do Golpe de 64. Sem nenhuma dúvida, a Monark que sempre teve por hábito lançar bicicletas comemorativas, essa Brasiliana 64, não possui qualquer vínculo com os acontecimentos políticos daqueles anos. O que é possível dizer ou relacionar, é que as bicicletas desse período eram mais bem feitas, seguras e com acabamento esmerado. Ademais, andar com ela é uma delícia. Pneus 26 X 1.1/2 X 2 com a relação 20 X 48, é um verdadeiro “Cadilac” com apenas duas rodas.  Essa foi mais uma das histórias que farão parte do livro Museu da Bicicleta – Uma Visão do Acervo.

Ficha Técnica

Bicicleta Monark Brasiliana 64, modelo feminino, aro 26, ano 1964, equipada com freio contra-pedal.

Origem: Brasil.

Condição: Original/conservada.

Acervo: MuBi.