Sou uma Monark. Meu ano de fabricação, não sei dizer.

Lembro-me de que éramos três e viajamos juntas de Rio do Sul a Rio do Campo, viemos por encomenda. Três pessoas nos esperavam. Tive a sorte de ser escolhida pelo mais jovem deles, um moço de 17 anos. Tornei-me propriedade de Nolberto Ferrari, conhecido popularmente como Neno. Era o mês de março de 1964. Ele investiu em mim o valor de cento e cinquenta cruzeiros. Pagou uma parte no ato da compra e assumiu prestações de dez cruzeiros mensais, que pagou fielmente.

Minhas cores originais eram o branco e o vermelho e cheguei exibindo uma capa de assento do time do Corinthians. Meu proprietário nunca torceu por esse time, apenas se servia da capa para amaciar o impacto em suas jornadas, que não foram poucas.
No início, como acontece com todo principiante, dei-lhe alguns tombos, que lhe custaram arranhões nos joelhos, nas pernas e nos braços. Nada tão grave que o fizesse desistir de mim.

Desde a minha vinda para Rio do Campo, moramos no centro do vilarejo, que ainda não era município. Andávamos pelas estradas, a passeio, para o trabalho, para a igreja, para as domingueiras na região da Serrinha, conhecida como Nova Brasília. Para essas festinhas, às vezes levávamos uma namorada no bagageiro. E lá íamos nós.

Houve períodos em que o trabalho do meu companheiro era longe, nas localidades do interior. Acompanhei a construção da escola de Alto Rio Azul, da igreja e escola de Rio Azul, da igreja de Rio Waldrich e de casas em Taiozinho e em Rio da Prata. Era preciso iniciar a jornada bem cedo pela manhã e o retorno se dava ao anoitecer, acontecendo que, por vezes, a escuridão nos alcançava ainda no caminho de volta para casa.

E as estradas eram todas de chão.

Quando vinha uma chuva de surpresa, aí a dificuldade era grande! Meus pneus-balão davam firmeza, mesmo assim, muitas vezes se tornavam escorregadios. E quando o barral era tanto que colava nos pneus, eu tinha que ser carregada ou ficava guardada no rancho de algum morador próximo e meu proprietário continuava o trajeto a pé. Só retornava para me buscar depois que a estrada estivesse seca. Foram tempos difíceis, mas foi um tempo bom!
Minha viagem mais longa foi até Taió. Meu parceiro, jutamente com outro companheiro de trabalho, foram lá fazer um fogão a lenha. Saímos de madrugada e voltamos no mesmo dia após o trabalho concluído.

Alguns incidentes desagradáveis aconteceram comigo. Passei por cima de uma cobra que rastejava, por cima de um pato que não conseguiu sair do caminho e atropelei uma pessoa. Lembro-me ainda de como este último fato aconteceu. Três homens caminhavam lado a lado aparelhados com uma carroça, de forma que ocupavam a estrada quase por completo. Fui com velocidade para ultrapassá-los pela brecha existente e, no instante em que os alcancei, um dos homens se aproximou mais da carroça e diminui-se o espaço que havia. Não tinha mais como frear, ele foi ao chão e eu segui em frente.

Eu e meu proprietário, nolberto Ferrari. © Maria Angélica Lucca

Sou forte e estou inteira, sim. Mas, ao longo do tempo, passei por algumas reformas, troca de corrente, de pneus, de selim, da engrenagem, e recebi pintura nova, em cor metálica. Mas a minha estrutura é a original, posso exibir ainda o número da série de fabricação: 490245.

Não faço a menor ideia de quantos quilômetros rodados tenho, só posso dizer que são muitos.

Ao longo dos meus 50 anos de estrada acompanhei a evolução dos tempos. Vi o vilarejo de Rio do Campo tornar-se município, vi o progresso acontecendo, vi as ruas recebendo macadame, calçamento ou asfalto e acompanhei o aumento gradativo do número de automóveis, caminhonetes, caminhões, ônibus, tratores e todo o tipo de veículos a roda nas estradas. Senti falta dos cavalos e cavaleiros, das carroças, charretes e bicicletas que antes dividiam comigo o espaço pelos caminhos.

Eu e meu companheiro somos amigos inseparáveis, vivemos juntos um tempo de aventuras, alegrias, prazer e trabalho, e nos últimos tempos transformei-me num objeto de estimação, quase uma relíquia. Saímos apenas para fazer exercício e curtir a saudade, realizando pequenos passeios, nas tardes de sábado ou aos domingos, escolhendo horários em que há menor movimento na rodovia. A beira do asfalto constitui um perigo para nós.

Recentemente, participamos do 4º Passeio Ciclístico da Solidariedade, promovido pela Escola de Educação Básica Dr Fernando Ferreira de Mello, de Rio do Campo, no dia 19 de outubro de 2014.

© Maria Angélica Lucca

Um exemplo a ser seguido

Novamente um sucesso, o 4º Passeio Ciclístico da Solidariedade é um exemplo de iniciativa promotora da cultura da bicicleta. Sendo a escola uma instituição concebida com a missão de ensinar e gerar conhecimento, este é o ambiente perfeito para fomentar a ciclocidadania e colher seus frutos no presente, ao mesmo tempo em que plantam sementes com vistas a um futuro bastante promissor. Muitos pais e alunos passaram a utilizar com mais frequência a bicicleta estimulados pelo passeio ciclístico, e muitas crianças e adolescentes podem ter sido influenciados para toda a vida.

A comunidade escolar, como formadora de opinião e tendo como público-alvo faixas etárias cujas características são o entusiasmo, a iniciativa e a busca por alternativas e mudanças, pode ser uma grande aliada para alcançarmos uma sociedade menos “carrocêntrica”, com cidades mais inteligentes, comunidades mais justas e inclusivas e, principalmente, pessoas mais felizes e saudáveis. A chave para essa redenção não é a bicicleta; é a cultura na qual, entre tantas outras coisas, ela está inserida.