‘Chris Froome nunca me superou’

Embora tenha sido há 15 anos, David Kinjah (40) se lembra como se fosse ontem. “Depois de uma das minhas corridas, um garoto loiro e tímido com uma bicicleta BMX perguntou se eu queria ensiná-lo mountain biking. Era Chris Froome”.

Froome, que então tinha 12 anos de idade, neto de emigrantes britânicos, vivia com sua mãe solteira, Jane Froome, em um pequeno apartamento de um quarto em Nairobi. Ela não tinha carro nem dinheiro e trabalhava em vários empregos para sobreviver. “Porque ela não sabia o que fazer com seu filho nas férias escolares, ela perguntou se podia ficar comigo naquelas semanas”, diz Kinjah.

E assim Froome se tornou parte do Simbaz Safari; garotos do bairro, na sua maioria órfãos, treinados por Kinja em mountain biking e ciclismo de estrada, mas também em consertar bicicletas para que pudessem se sustentar. Froome e Kinjah conviviam muito bem. “Chris foi um aprendiz rápido, tranquilo e logo tornou-se tão apaixonado por bicicletas quanto eu.”

Mas nunca Kinjah teria sonhado com seu pupilo branco correndo no Tour de France, e muito menos se tornando segundo lugar nesta corrida de alto nível. “No início, Chris mal conseguia alcançar os pedais da bicicleta velha de estrada que ele recebeu de um de seus professores do ensino fundamental”, diz o ciclista profissional extravagante com jeito rastafári, deitado em um sofá empoeirado em sua sala, cheio de quadros de bicicletas pendurados em vigas de madeira, capacetes pendurados no cabide e armários cheios de revistas de ciclismo.

Froome também mostrou ser um fã de montanhas, acampamentos e de se divertir como seu professor rastafári. “Nós pedalávamos regularmente para a fazenda de meus pais a 50 quilômetros de distância, acampávamos no prado, onde certa vez as vacas comeram metade da nossa barraca”, ri o professor queniano. Mas durante esses passeios, ele também fez amizade com Froome, o lutador teimoso. “Por causa da idade jovem de Chris, eu nem sempre queria deixá-lo pedalar a trilha inteira.” Certa vez, durante uma excursão a Kajiado, que ficava a uma centena de quilômetros de distância, Chris deveria parar de pedalar e continuar a trilha em direção ao acampamento no carro com sua mãe durante a noite. Mas, apesar de Chris ter estado exausto e lento, ele se recusou categoricamente a entrar no carro. “Sua mãe e eu falamos com ele por horas, mas ele queria pedalar a mesma distância que eu, não importava o preço. Chris era muito ambicioso. Na minha opinião, às vezes ambicioso demais”.

© Jeroen van Loon

Esta ambição enorme às vezes colocou Froome em apuros. “Durante e após as corridas, Chris desmaiava com frequência, quando ele começou a treinar na África do Sul a partir dos 14 anos de idade. Ele não conhecia seus limites suficientemente, nem sempre prestava atenção à sua dieta e, talvez, estivesse sob a pressão da equipe, do treinador e dele mesmo”. Kinjah e Froome mantiveram contato. “Éramos como irmãos, ao telefone por horas, falando sobre garotas e segredos e rindo dos ciclistas estúpidos e mimados na África do Sul que não sabiam nem mesmo consertar suas próprias bicicletas. Chris já era um piloto inteligente, que poderia ganhar facilmente de muitos competidores sul-africanos. Ao telefone, se nosso crédito acabasse, rapidamente comprávamos um novo”.

Durante as férias escolares, Froome voltou para o Quênia muitas vezes. “Nós sempre organizávamos uma corrida Kinjah-Froome que saía da manga na última hora. Chris alegava que ele finalmente seria capaz de me superar, no que eu obviamente não acreditava. Então organizamos uma corrida; Chris em uma bike boa, usando sapatos de ciclismo, traje de ciclismo e um capacete e eu em uma mountain bike pesada com pedais normais, de camiseta, calção e uma bandana. No entanto, quando ficou ensolarado e muito quente, Chris tirou o capacete, o pendurou em seu guidão e quando descemos a montanha a 60 quilômetros por hora, o capacete caiu bem na frente da minha bike. Caí e fui lançado, raspando por metros sobre o asfalto quente”, ri o queniano, apontando uma a uma as cicatrizes nos joelhos e braços. “Essa é do Chris Froome, essa é do Chris Froome e essa é do Chris Froome. Mas ele nunca me derrrotou.”

“…sua sala, cheia de quadros de bicicletas pendurados em vigas de madeira, capacetes pendurados…”. © Jeroen van Loon

Kinjah está extremamente orgulhoso do desempenho recente de Froome. “Chris deve tudo a si mesmo, cem por cento. Se ele não estivesse interessado em ciclismo e não tivesse estado tão ansioso para aprender, ele ocasionalmente poderia ter esquivado minha atenção”. Apesar de que, desde o início, o queniano via o potencial de Froome nas subidas. “Subimos e descemos as montanhas infinitas vezes. Ele é magro e forte, mas muito longo para um alpinista nato. Infelizmente ele nunca será um velocista. Mas quanto mais longa a corrida, mais forte Chris fica. É por isso que ele é um ciclista de turnê nato”.

O fato de, desde 2008, uma bandeira britânica e não mais uma bandeira queniana estar vibrando ao lado do nome Froome, não faz diferença para Kinjah. “O que importa não é a nacionalidade. É por isso que não é o meu propósito criar uma equipe de ciclismo do Quênia com o Simbaz Safari, mas desenvolver personagens que podem render tanto quanto Chris. E, acima de tudo, é uma jogada inteligente. Agora Chris tem muito mais oportunidades, porque ele não é mais parte da federação queniana, que é um grupo de corruptos velhos que ainda colocam a maior parte do orçamento em seus próprios bolsos”, diz Kinjah complementando com sua experiência pessoal. Muitas vezes, o ciclista queniano era obrigado a viajar para competições internacionais sem qualquer equipamento. “Enquanto a federação me prometeu o contrário, no Campeonato Mundial, em Plouay no ano de 2000, eu tinha que começar a corrida em uma bicicleta emprestada, muito grande que eu consegui arranjar apenas na noite anterior.” O mesmo aconteceu quando ele participou, junto com Froome, de uma equipe queniana no Australian Commonwealth Games em 2006, onde eles tiveram que pegar bikes emprestadas de uma loja de bicicletas local.

Portanto, Kinjah está muito feliz com o material que Froome doa regularmente ao Simbaz Safari. O queniano puxa pares de luvas, capacetes e quatro pares de sapatos de ciclismo dos armários e gavetas em sua sala de estar, sendo que todos esses acessórios haviam sido doados pelo piloto da equipe Sky. Depois que ele colocou a cabeça para fora da porta e gritou alguma coisa para um dos quartos ao lado, dentro de alguns minutos um tímido Safari Simba aparece com um par de sapatos de ciclismo cheio de lama nas mãos. “Com estes Chris correu seu primeiro Tour de France em 2008, eles eram um pouco pequenos demais para ele e o torturaram naquelas semanas, mas como você pode ver, os sapatos não são respeitados, são mal tratados”, ele resmunga para o garoto ao lado dele, que timidamente olha com olhos grandes para os sapatos aparentemente sagrados – mas para ele muito comuns. “Muitos desses garotos não têm ideia. Eles não sabem como o Tour é grande. Aqui no Quênia não se dá praticamente nenhuma atenção para esse evento, exceto por alguns pequenos relatórios simplistas nos noticiários.”

Porque, infelizmente, sua conexão com a internet era muito lenta para transmissão ao vivo, Kinjah seguia o Tour de France pela mídia social. Ele está convencido de que o líder da Sky, Bradley Wiggins, mereceu a vitória. “Eu entendo que foi frustrante para Chris porque ele estava em boa forma e, provavelmente, poderia ter vencido o Tour deste ano de forma relativamente fácil. Claro que eu teria gostado de vê-lo como capitão e talvez ele nunca vai ter essa chance novamente. Isso é triste. Mas teria sido uma tolice se a gestão da Sky tivesse mudado a liderança que já estava em andamento. Wiggins não merecia isso também. Froome apenas teve de esperar por ele, porque são pilotos diferentes. Mas em terreno plano Wiggins foi excelente, ele é um bom líder e também é bom nas montanhas, em geral, ele sabia como se manter. Foi incrível como ele defendeu a camisa amarela, a profundidade com que ele foi. Uma pessoa assim merece vencer”. Kinjah também ouviu falar da guerra no Twitter entre a namorada de Froome, Michelle Cound, e a esposa de Wiggins, Catherine. Mas, segundo ele, foi “extremamente imprudente” Cound expressar publicamente sua frustração sobre como o namorado dela foi forçado a continuar apoiando o seu capitão, e Catherine Wiggins novamente respondeu a isso. “É claro que eu entendo que a mídia gosta disso, mas as mulheres deveriam ter mantido isso em particular. Isso pode distrair os pilotos e prejudicá-los seriamente. É por isso que eu realmente espero que Chris e Bradley ainda continuem bons amigos, como dois ciclistas do Reino Unido dentro da equipe Sky.”

© Jeroen van Loon

Infelizmente, Kinjah não tem contato com Froome atualmente. “Ele agora está totalmente protegido, porque tudo o que ele diz e faz pode ser mal interpretado ou distorcido por outros.” De acordo com o queniano, mesmo para os irmãos de Chris, Jeremy e Jonathan, é difícil entrar em contato com ele atualmente. “É quase como perder um amigo, que é o outro lado da moeda. Mas, entretanto, Chris nos dá muita energia e motivação para continuar. Através dele nós temos muito mais confiança no que fazemos”.

Com vídeos da turnê, Kinjah gradualmente tenta ensinar seus garotos sobre o significado do ciclismo na Europa e como um dos seus próprios ‘Simbaz” atualmente domina o topo do ciclismo. Ele ainda tenta mudar o cenário nacional. “Em vez de continuar a lutar contra a federação, espero conseguir iniciar uma melhoria, ter conversas com os organizadores do evento”. O profissional do Quênia, por exemplo, recentemente venceu a Corrida de Nakuru. No entanto, quando ele queria descontar o cheque de 12 mil xelins quenianos (120 euros), alguns dias depois em um banco, não havia dinheiro na conta. “Quando eu chamei a pessoa responsável, ele me pediu para esperar uma semana para que ele pudesse receber o dinheiro. Mas até agora, eu ainda estou esperando”, conta com suspiros o queniano de 40 anos, mostrando o cheque que ele mantém em sua carteira.

Kinjah e Chris em 2005. © Jeroen van Loon

Kinjah felizmente percebe que, graças à sua idade e o desempenho alcançado no ciclismo, ele ganha cada vez mais respeito e os organizadores começaram a ouvi-lo. “Como você pode pedir que garotos paguem dezenas de dólares para o registro, se eles mal têm dinheiro para comer e por causa da falta de transporte já tiveram de pedalar 50 km para chegar na largada? Mais e mais organizadores felizmente começam a entender que este não é o caminho certo para desenvolver o ciclismo queniano e que seria melhor receber dinheiro de patrocinadores”.

Acima de tudo, o sonho de Kinjah é que Froome venha para o Quênia participar de uma corrida organizada pelo seu antigo tutor. “Muitas pessoas, amigos e fãs de Chris, me pediram para organizá-la. Seu desempenho recente é mais que um motivo para fazer isso. Pessoalmente, eu gostaria de organizar esta corrida em memória da mãe de Chris, Jane Froome, que de repente morreu algumas semanas antes do primeiro Tour de France de Chris, em 2008. Foi ela quem apoiou Chris em todos os momentos, foi essa mulher especial e muito simpática que motivou o garoto para se tornar um ciclista”.