Amizades entre pessoas cujo colecionismo versa sobre o mesmo tema é sempre muito bom e agradável por inúmeras razões. Dentre elas, destaco aquele famoso “toque” que nos traz de volta ao rumo quando viajamos muito, ou uma dica sobre um assunto ou tema importante. Veio de um amigo uma sugestão para a Seção de Raridades, que, confesso, deixei passar batido ao longo desse trabalho. Trata-se de bicicletas infantis ou infanto-juvenis, geralmente peças interessantes e que de fato e verdade, foi, é e será o primeiro veículo que ganhamos ou recebemos na vida. O resto, vem depois e será por nossa decisão.

© Valter F. Bustos

O fato é que há 15 dias um amigo a quem emprestei uma Monark 1960, para compor o cenário de uma peça de teatro, trouxe-me de presente uma Caloi Cecizinha 1983, em muito bom estado de conservação. Não deu outra, aproveitei o “toque” e a boa qualidade da bicicleta, que precisou apenas de uma limpeza e alguns ajustes para a elaboração desta matéria.

As bicicletas femininas e infantis, na maioria das vezes, são peças em melhores condições gerais devido ao baixo uso e boa conservação. Quando se fala da Caloi, alguns modelos fizeram história e a linha Ceci pode ser considerada um de seus melhores lançamentos quanto ao sucesso de público e de vendas.

© Valter F. Bustos

O carro-chefe da marca foi a Ceci 26, com e sem câmbio de três velocidades, cuja garota propaganda foi a atriz e modelo Bruna Lombardi. Os modelos infantis e infanto-juvenis foram lançados tempos depois. Mantinham a estrutura básica de quadro e garfo, uma bela solução de design e conforto, que passariam por mudanças num futuro não muito distante e que levaram à perda de identidade dos modelos. Uma pena!

A ideia de trazer modelos adultos de sucesso para o universo infantil não é errada ou digna de reprovação, obviamente, desde que o projeto leve em consideração os fatores essenciais da biologia humana, como a estrutura física, tamanho, força muscular e por aí vai. Sob esses aspectos, a maioria dos modelos nacionais pecaram por causa da improvisação de peças e acessórios das bicicletas adultas adaptadas aos modelos infantis, em menosprezo da ergonomia humana. No caso da Cecizinha aro 10, salta aos olhos o freio dianteiro tipo side pull, desenvolvido para os modelos maiores, e o selim, desproporcional ao tamanho da bicicleta. O conjunto composto pelo movimento central e as pedivelas montadas com buchas plásticas e parafusos funciona. Porém, um aperto maior emperra o grupo, que por falta de uma boa lubrificação, dificulta o ato de pedalar para a criança. Inegavelmente, a linha composta pelas bicicletas aro 10, 14, e 20 vendeu muito e fez a alegria de muitas crianças, que hoje suspiram de saudades. Afinal, como se diz: “a primeira bicicleta a gente nunca esquece”.

© Valter F. Bustos

História da Caloi

Falar da história da Caloi requer uma breve viagem ao final do Século XIX, quando a pedra fundamental da marca foi lançada durante o ano de 1898 na capital paulista, por Luigi Caloi, juntamente com o seu cunhado, Agenor Poletti, mecânico de profissão, fundadores da Casa Poletti & Caloi, que consertava, reformava e alugava bicicletas na Rua Barão de Itapetininga, centro de São Paulo. Vale lembrar que, não muito distante do estabelecimento, estava localizado o Velódromo Paulista, no começo da Rua da Consolação onde hoje, bem próximos, estão a Praça Roosevelt e a Igreja da Consolação. Temos em nosso acervo um mapa original da capital datado de 1918, onde aparece a exata localização desse antigo Velódromo, construído e projetado em 1896 pelo arquiteto italiano Thomaz Gaudêncio Bezzi, a pedido de Dona Veridiana Valéria da Silva Prado, avó de Pradinho Junior, considerado um dos primeiros campeões brasileiros de ciclismo, senão o primeiro, uma vez que o assunto gera um certa polêmica entre o Rio e São Paulo, uma conversa interessante, que fica para outra hora.

© Valter F. Bustos

Outro espaço bastante concorrido era o Circo de Velocípedes, montado na Praça da República, onde as pessoas alugavam e aprendiam a andar de biciclos e bicicletas. Essas duas grandes atrações de uma bucólica São Paulo, agregavam todas as provas e atividades de ciclismo à época. Na virada do Novo Século, Luigi, com os olhos voltados para o futuro, buscou uma importante parceria para ampliar seus negócios e tornou-se representante das bicicletas Bianchi no Brasil. Com os negócios em franca expansão e um mercado garantido, em 1924, Luigi faleceu e seus filhos Henrique, Guido e José Pedro fundaram a Casa Irmãos Caloi, uma sociedade de duração efêmera, cuja dissolução ainda é objeto de pesquisa. O fato é que, sozinho, Guido Caloi deu o pontapé inicial para a formação daquela que durante as décadas vindouras seria a maior fabricante de bicicletas do país, até desaparecer na década de 1990. Sem nenhuma dúvida, ele foi o arquiteto do império Caloi.

© Valter F. Bustos

Com o advento da II Guerra Mundial surgiram inúmeras dificuldades para a importação de peças, acessórios e material de reposição para montagem de bicicletas. Logo, através de sua iniciativa, foi montada a primeira unidade de fabricação no Bairro do Brooklin, na Zona Sul da cidade. Terminada a Guerra, em abril de 1948, a Indústria e Comércio de Bicicletas Caloi fez seu registro na Junta Comercial de São Paulo. Com quase uma semana de antecedência, a Monark já tinha feito o mesmo caminho. Aos interessados em conhecer essa história com mais aprofundamento, faço uso desse espaço para indicar nossa pesquisa publicada através da Revista Bicisport da extinta Pinus Editora, páginas 59 a 61, ano IV, nº 23, do ano de 1990. As décadas de 50 e 60, como explico na pesquisa, foram as mais ricas da empresa em termos de bons lançamentos e qualidade dos produtos. Em 1955, com o falecimento de Guido Caloi, assumiu a direção dos negócios o jovem empresário Bruno Antonio Caloi, o maestro que levou a empresa a ter reconhecimento internacional, inclusive com uma unidade fabril em Jacksonville, no Estado da Flórida. Porém, a abertura do mercado de bicicletas trouxe dificuldades para a fábrica que detinha, juntamente com sua concorrente, o monopólio do mercado nacional. Uma série de problemas de toda ordem foram surgindo, cujo ápice foi a contratação de uma assessoria para resolver essa situação muito delicada, e o final dessa história foi a venda da marca e instalações para o grupo Dorel Industries, do Canadá, proprietária das marcas Schwinn, Mongoose e GT, detentora de 70% das ações. O negócio foi fechado em 22 de agosto de 2013, e o valor da transação não foi divulgado para a imprensa especializada. Um final melancólico para um império construído com muita fibra e determinação.

Na Cecizinha aro 10

Salta aos olhos o freio dianteiro tipo side pull, desenvolvido para os modelos maiores, e o selim, desproporcional ao tamanho da bicicleta.