Em 1990, quando ainda residia no bairro de Vila Pompeia, Zona Oeste da capital paulista, tinha por hábito – ao menos uma vez por semana – pegar minha Göricke cargueira ano 1956 e sair pelos bairros da cidade numa ação de “garimpagem” pelas bicicletarias que ia encontrando pelo caminho. Algumas delas eu tinha um referencial de como chegar, mas a maioria foram encontradas ao acaso. Imagino que isso nos dias atuais não seja mais possível devido a inúmeras razões: muitas desapareceram, a falta de segurança, e, “poucas antigas para muitos caçadores”.

Falar da velha Caloi, a antiga fábrica de bicicletas da década de 40 localizada no Bairro do Brooklin em São Paulo, é uma volta no tempo; uma época em que o nome era precedido ou fazia parte uma coisa muito importante chamada qualidade. Um pouco dessa história já narramos em outras oportunidades através de algumas bicicletas já pautadas pela seção de Raridades. Esta Caloi 66, modelo feminino, faz parte desse período marcado pelos quadros todos cachimbados (masculinos, femininos e infantis), e na sua maioria com acabamento filetado, isto é, pintura manual feita numa seção chamada de “filetagem”, onde homens e mulheres especialmente treinados davam o toque final de beleza às magrelas.

Outra importante marca do período eram os freios tipo varão ou rígido, todos montados com hastes e balancins que transmitiam para as rodas a ação aplicada sobre os manetes de freios. Esta Caloi foi a última dessa geração de bicicletas, portanto, fez a transição para uma nova política de lançamentos da fábrica que veio no ano seguinte com as “Berlinetas”, que viraram uma verdadeira febre no mercado. Assim, desapareciam os modelos mais clássicos e numa sucessão de novos produtos surgiram a Caloi 10 em 1972, a Fórmula C em 1973, Ceci em 1978, Extra Light em 1983; e por aí vai até a chegada do MTB ao Brasil no início da década de 90.

Outro dado que deve ser lembrado no que se refere à década de 60 é uma gradual ascensão dos variados modelos nacionais sobre as importadas que dominaram o pós-guerra e os anos 50. Também foi inegável o predomínio no mercado nacional das bicicletas aros 26 sobre as 28 por serem mais confortáveis devido à possibilidade de escolhas dos pneus “meio balão”, ou “balão”; que permitiam um rodar mais confortável e macio sobre os pisos irregulares da época. Tanto a Monark como a Caloi captaram essa tendência de consumo por esse tipo de bicicleta, portanto, abasteciam um mercado predominantemente 26.

Na década anterior, ocorreu exatamente o contrário com as importadas. Hoje, vivemos uma situação atípica com todos os modelos aro 26, principalmente na Europa e Estados Unidos, sendo substituídos pelos modelos 27.5 e 29. O mercado de antigas já vem dando sinais de dificuldades com algumas peças de reposição, principalmente quanto aos aros de ferro e chavetas de travamento dos pedivelas e engrenagem de tração, ou coroa, como queiram. Assim, essas lendárias senhoras merecem todo o nosso cuidado e atenção para que continuem rodando.

Por falar em rodar, pedalar essa Caloi 66 é uma verdadeira delícia. Devido à boa geometria do quadro, é uma bicicleta confortável e de excelente condução. Para passeios e pequenas compras, o bagageiro sobre a roda traseira é de muita utilidade e, mesmo com algum peso sobre ele, a bicicleta não perde a estabilidade. Quem já teve ou tem a oportunidade de sair com uma bicicleta antiga sabe que elas chamam muita atenção, principalmente no que toca ao estilo, pois são diferentes. Equipadas com buzina, campainha, dínamo e farol… Nem se fala. Difícil mesmo é largar a criança depois que se pega o gosto pelo rodar macio, os freios seguros quando solicitados, e aquele toque gostoso da campainha que não assusta ninguém. Pois é, foi exatamente isso que vivi pedalando essa Caloi 66, uma senhora muito charmosa. Até a próxima.

Detalhe da engrenagem e cobre corrente.

Detalhe da engrenagem e cobre corrente.
© Valter F. Bustos

Conjunto frontal

Conjunto Frontal
© Valter F. Bustos

Bagageiro em estrutura tubular e para-lamas com filete central feito a mão.

Bagageiro em estrutura e para-lama com filete central feito a mão
© Valter F. Bustos

Brazão em metal da Caloi, e, ao lado; a caneta de freio traseiro.

Brazão em metal da Caloi, e ao lado a caneta de freio traseiro
© Valter F. Bustos

Guidão, em detalhe a manete de freio e campainha.

Guidão, em detalhe a manete de feio e campainha
© Valter F. Bustos

Detalhe do filete branco no tubo inferior do movimento central.

Detalhe do filete branco no tubo inferior do movimento central
© Valter F. Bustos

Tubo do selim com as decais ainda de fábrica.

Tubo do selim original de fábrica
© Valter F. Bustos