Quando conheci o holandês Bastin, no TransAlp, em 2014, simpatizei de cara. Ele e a namorada Sanne van Passeen são daquele tipo de casal que forma rodas de amigos ao seu entorno em qualquer evento. Ambos com imensos sorrisos em qualquer situação, seja nas filas para almoço ou jantar, ao acordar e mesmo ao subir uma montanha com 24 km de extensão: eles sempre sorriem. E contagiam qualquer um.

© Arquivo Pessoal

Estávamos no primeiro dia de competição e, no alojamento, eu e meu companheiro de equipe Zach Rogers acabamos ficando perto de Bastin e Sanne e nos apresentamos. Nestes eventos as apresentações sempre recaem sobre os interesses pessoais e sobre a profissão de cada um e foi ali que descobri que Sanne é ciclista profissional, com foco no cyclocross, e defende hoje a Specialized na Holanda, o que já me deixou fascinado. Depois fiquei sabendo que Sanne tinha sido nada menos que a campeã geral da Copa do Mundo de Cyclocross e literalmente caí para trás. Ela realmente é fenomenal. Mas foi a resposta de Bastin que mais me intrigou. “Eu tenho o melhor emprego do mundo”, disse ele, com um largo sorriso que não se continha no rosto, tamanha a energia positiva que gerava. Estávamos à beira de um rio de seixos brancos e água gelada, em Oberammergau, na Baviera alemã, e a única preocupação no local era das famílias de patos silvestres procurando alimento. Esperávamos ali a largada no dia seguinte, conversando sobre as expectativas da competição que começaria em poucas horas, mas não pude conter a minha indiscrição em saber o que exatamente ele queria dizer com aquilo.

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Bastin nasceu em 1982, em Sliedrecht, cidade de 24 mil habitantes do sudeste da Holanda e foi criado com mais sete irmãos, algo já absolutamente incomum na Europa. Depois, mudaram-se para Sleeuwijk, uma pequena vila de 5 mil habitantes, mais ao norte do país. Praticou windsurf e natação até que dez anos atrás comprou sua primeira speed, e nunca mais largou das duas rodas. Apaixonado pelas planícies holandesas, passou a se animar também com a mountain bike pelas florestas lamacentas da região. Daí só evoluiu no esporte, com desafios pela Bélgica e Alpes, além de cicloturismo autônomo.

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As contas começaram a chegar e foi melhor arranjar um emprego, mas nem mesmo Bastin achava que seria tão legal. Conseguiu logo uma vaga numa empresa que aluga caminhões especiais para eventos esportivos em geral, tais como… Tour de France, Vuelta a España, Giro d’Italia, rali Dakar (na Argentina!), além de provas de esqui e de outros esportes de inverno. Bastin é o coordenador de operações da empresa para estes eventos. Ele simplesmente pega a direção de um caminhão ultramoderno, de 530 cv e custo aproximado de € 800.000,00 (R$ 3,5 milhões) e dirige o bólido até o local. Lá ele e sua equipe montam as salas vips para os figurões que assistirão nestes camarotes móveis às chegadas mais impressionantes, os sprints mais velozes e o rugido dos tifosi, como são chamados os apaixonados torcedores do ciclismo.

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O resultado são espaços amplos, com terraços, bares, televisores de última geração, varandas, sofás, mesas de reuniões e tudo mais que o luxo possa demandar. E depois do serviço concluído, Bastin fica ali, no metro quadrado mais caro de um Tour de France ou de um Giro d’Itália, assistindo de camarote aos eventos, nos cenários europeus dos sonhos de qualquer ciclista. E ainda é pago para isso!

Mas essa nem é verdadeiramente a melhor parte do emprego. Bastin trabalha intensamente durante os meses de alta temporada, mas forma um banco de horas. Como na Holanda a regra é 40 h por semana, o contrato de trabalho exige justas 1.890 horas por ano e ainda dá férias. Em agosto, quando conversei com ele para esta matéria, Bastin tinha que trabalhar apenas mais 18 dias para cumprir a carga horária anual. Isso mesmo! De agosto até o final do ano, Bastin não trabalharia mais nem um mês inteiro, mas continuaria ganhando o salário normalmente, de € 35.000,00 por ano. Eu também fiz as contas, e dá R$ 12.800,00 por mês, aproximadamente. Nada mau, não é mesmo?

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Faço a tradicional pergunta sobre o Brasil e comparo nosso gigantismo territorial com o da Holanda (somos 205 vezes maiores que a Holanda, embora nosso PIB seja apenas 2,6 vezes maior). Bastin me propõe fazer algumas trilhas pela Amazônia, participar da Brasil Ride ou desbravar grandes montanhas. Claro que já ouviu falar do carnaval e da beleza das brasileiras. Quem sabe formar dupla para uma próxima competição? Claro que sim, respondo na hora!