O Audax nasceu de uma experiência audaciosa e até hoje configura-se como uma forma de competir consigo mesmo, em uma épica batalha de resistência e superação física e mental.

No dia 12 de junho de 1897, doze ciclistas italianos pedalaram de Roma a Nápoles perfazendo um total de 230 km, do nascer ao pôr do sol. Nove entre os doze ciclistas tiveram êxito, a experiência foi qualificada de audaciosa e é daí que surgiu o nome Audax. Esta iniciativa deu lugar às saídas em grupo e ao nascimento do cicloturismo.

Em 1904, Henri Desgrange, pai do Tour de France, seduzido pela fórmula do Audax e, querendo relançar o grande turismo esportivo com a bicicleta, importou este tipo de passeio em grupo para a França e criou a associação Audax Clube Parisiense.

A partir de então o clube Audax criou os Brevets de ciclismo de 200, 300, 400, 600, 1.000 e 1.200 km que é realizado entre as cidades de Paris-Brest-Paris.

O clube Audax se expandiu criando núcleos em muitos países e cidades de todo o mundo. Aqui no Brasil contamos com 23 clubes espalhados por diversos estados e cidades.

Como o objetivo inicial do Audax era incentivar o cicloturismo e não se configurou como uma competição, muitos ainda o confundem como uma prática de ciclismo muito fácil, mas na realidade o Audax é uma grande prova de regularidade, resistência e superação.

Apesar da filosofia da prova excluir o espírito de competição, as pessoas que participam da mesma acabam por buscar melhores colocações e superação de tempo. É o espírito competitivo que o impulsiona, mesmo que esta competição se dê para consigo mesmo, uma verdadeira batalha de corpo e mente.

Os ciclistas do Audax não podem receber ajuda ou apoio externo, mas entre os participantes o mais forte pode ajudar outro ciclista a atingir o objetivo principal que é percorrer a longa distância no tempo máximo determinado pelas regras do clube.

Longe de ser uma prática de cicloturismo contemplativo, o Audax é uma prova dura que exige do ciclista muita resistência física e mental. O clima de camaradagem entre os ciclistas é grande, há muita interação entre os pequenos grupos que se formam ao longo do percurso, porém, ninguém pode relaxar um instante sequer, do contrário o seu prazo para finalizar o percurso estará comprometido.

A velocidade média estabelecida de 15 km por hora acaba sendo uma referência distante do que a prova demanda, pois é necessário contabilizar as diversas intempéries tais como: pneu furado, momento para se alimentar, momento para as necessidades fisiológicas, troca de bateria dos faróis da bike, condições climáticas, altimetria do percurso, entre outros aspectos. Portanto, a longa distância a ser percorrida deve ser muito bem planejada. Todos estes aspectos demandam do ciclista muito preparo físico, preparo mental, bons equipamentos, planejamento e estratégia.

Alguns podem dizer que há controvérsias, pois nas mais diversas edições do Audax Brasil facilmente encontramos ciclistas que treinam muito pouco, ciclistas com bicicletas não muito boas, ou em condições adversas e mesmo assim conseguem completar o percurso. Mas não se engane: o ciclismo de longa distância demanda demais do corpo e prepará-lo adequadamente é imprescindível se você quiser continuar na prática por muitos anos sem lesionar-se.

Passar horas a fio pedalando, muitas vezes com privação de sono, descanso e alimentação, demanda do ciclista um trabalho de condicionamento físico com objetivo de aumentar a capacidade cardiorrespiratória e muscular para resistir a exercícios prolongados. A resistência deve ser trabalhada no período de base do treinamento. A partir da conquista de um bom condicionamento físico, o ciclista estará preparado para acrescentar intensidade e volume (distância longa) ao plano de treinos.

O treinamento de resistência deve ser progressivo. Nossos músculos possuem a capacidade de adaptar-se ao longo do tempo. Na periodização do treinamento deve haver um equilíbrio entre a relação volume x intensidade. Enquanto o volume é crescente, a intensidade deve ser moderada. Na medida em que a competição alvo se aproxima, o volume deve diminuir enquanto a intensidade deve aumentar.

Mesmo com todas as dificuldades impostas por este tipo de prova, o Audax cresce a cada ano. A prova tornou-se um estilo de vida para muitos ciclistas. No brevet de 600 km realizado em São Paulo, no mês de agosto, houveram 101 inscrições, e dos 99 que largaram, 60 ciclistas completaram o percurso dentro do tempo limite de 40 horas.

Nesta etapa, 39,4% dos ciclistas que largaram desistiram no meio do caminho. “Além da dificuldade em si de pedalar 600 km, a altimetria do percurso não foi das mais fáceis, cerca de 7.000 m de subidas acumuladas. Além disto, os Randonneurs enfrentaram frio, chuva e forte vento contra, principalmente no último trecho de 250 km entre as cidades de Holambra e Porto Ferreira”, comenta Fabio Tadeu Guariglia, um dos responsáveis pelo clube paulista.

Por outro lado Fabio ressaltou que neste brevet a quantidade de inscritos foi recorde absoluto, pois em 2013 somente 25 completaram a prova entre os 57 que largaram.

Sete mulheres participaram desta etapa de 600 km. Apesar de ser um número pequeno em relação a quantidade de homens, a participação da mulher no Audax está crescendo, em média houve um crescimento de 4% em relação aos anos anteriores. Nesta edição de 600 km em São Paulo, apesar da quantidade de mulheres participantes ser apenas de 5% em relação ao número de homens, 71% delas completaram a prova contra 64% dos homens.

“Os Brevets Randonneurs Mondiaux, Audax, não são um tipo de evento para marinheiros de primeira viagem. Há uma grande necessidade do Randonneur em conhecer a si mesmo e seus limites, seu equipamento, além de ter total domínio da mecânica do mesmo, visto que a essência da modalidade é a autossuficiência, vinculado a um bom planejamento de prova: o que carregar consigo, alimentação, tempos de descanso e paradas. Considero imprescindível a experiência em pedalar na estrada e conhecer o código nacional de trânsito”, finaliza Fabio.

Eu, Claudia, a cada etapa do Audax que participei me surpreendi muito. Sempre ouvi dizer que o Audax é um evento fácil de participar, que a velocidade média é bem baixa, que os percursos são fáceis, etc e etc. Depois de participar do Desafio em Queluz-SP, do Audax 200 km em Taubaté-SP e do Audax 300 km em Florianópolis-SC, tenho certeza de que recebi informações equivocadas. O Audax até o presente momento não foi nada fácil.

Em Queluz, as dificuldades foram as subidas, em Taubaté foi um “combo” de muita chuva, muito frio e muita subida. No Audax de Florianópolis na largada a temperatura estava quatro graus, sensação térmica de zero. Uma noite congelante! Grande parte do percurso se dá pela BR-101, única via de passagem de caminhões que saem do porto de Itajaí. Pedalar pelo acostamento sentindo o deslocamento do ar a cada caminhão que passava foi um cenário bastante desafiador. Como a própria organizadora do evento, Rafaella Della Giustina, alertou, o Audax 300 km não é igual a 200 km + 100 km. Ela estava coberta de razão! Cada etapa é uma prova completamente distinta.

Dificilmente você continua sendo a mesma pessoa depois de um Audax. Este evento te transforma, te faz ir além, todos os limites são testados. Mais que uma prova física é uma prova mental.

© Felipe Sanches

“A escuridão fria da longa estrada na madrugada por onde veículos passavam ameaçadores nos fez crescer, por não sucumbir. Éramos uno com Ela (bike), pois somente com Ela poderíamos prosseguir para vencer (o medo, o perigo, o desafio). Vez por outra olhava para o céu e as estrelas cintilavam um olhar frio, que eu sabia que ia passar. Lua minguante laranja nascia, crescia e ficava branca como cristal, à medida que as cores do amanhecer diziam em crescente luz: vocês venceram a noite… A longa noite, a noite mais cerrada, a noite mais profunda, a noite espessa destinada a ser vista, a ser sentida. O sol realmente dá vida. Pois tínhamos muito para viver ainda com Ela. Essa prova me tocou profundamente. Sinto-me mais humano por isso”, comenta Marcello Ruivo, participante do Audax 300 km de Florianópolis e instrutor na Escola de Bicicleta Ciclofemini.

© Felipe Sanches

Renata Mesquita tornou-se Super Randonneur no mês de julho. Completou todas as etapas e ao longo do ano participou mais de uma vez em alguns brevets. Ela contou que começou a participar do Audax por pura curiosidade e vontade de pedalar na estrada e que depois das primeiras provas ficou viciada em vencer o desafio.

“Hoje posso falar que além da sensação maravilhosa de permanecer horas na estrada e me superar, participo do Audax para rever os amigos. Conheci pessoas maravilhosas nesses últimos anos e todas elas têm uma certa ‘loucura’ em comum. Isso fez com que eu me encontrasse nessa turma! Audax para mim é sinônimo de diversão, amizade, superação e auto conhecimento, do corpo e principalmente da mente”, comenta Renata, que diz não entender a pouca participação feminina: “as mulheres precisam entender que não são frágeis como imaginam. Numa prova de Endurance o que vale é a cabeça, e nesse quesito sei que somos muito fortes. A força física não é um fator determinante para participar do Audax. A mulher é muito resistente à dor. Trocar pneu ou resolver um problema mecânico simples, qualquer mulher pode aprender. Administrar o tempo e a alimentação, fácil! É só pedalar. Mulherada, vocês não imaginam do que são capazes”.

© Felipe Sanches

Para Érica Alves, participar do Audax é sentir que a sua mente e coração são de uma verdadeira gigante. Ela diz: “quando você sobe em sua bike para girar uma longa distância, você descobre que suas pernas podem te levar bem mais longe do que imaginava, seu olhos e suas mãos te guiarão por trajetos que você jamais esquecerá, porque passar por ali pedalando te faz sentir parte daquele lugar. No final de uma longa distância você vai sentir a sensação de superação e de que você pode absolutamente tudo”.

Érica considera que a longa distância assusta as mulheres, mas lembra que os clubes de Audax criaram percursos menores, chamados de Desafio. São percursos de 90 a 150 km que servem de treino para iniciantes que almejam participar dos brevets e assim como ela, tornar-se uma Super Randonneur.

Segundo Érica, “os trajetos são bastante seguros e o ciclista conta com os postos de controle e postos de abastecimento durante a prova para se alimentar, reabastecer as garrafinhas de hidratação e descansar. Tudo é muito bem organizado. Saiba que você não está sozinha. Como não existe competição entre os ciclistas, a tendência ao companheirismo é muito grande”.

O Audax se apresenta como uma oportunidade de você evoluir, ir além, desafiar a si mesmo: e essa é uma bela filosofia, que inspira todas as áreas da sua vida.

© Felipe Sanches

Definições

O Randonneé tem andamento livre, o que quer dizer que cada ciclista vai no seu ritmo, não precisa cumprir certa média, apenas o mínimo de 15 km/h a cada PC, não passando do horário de fechamento dos Pcs.

O Audax se define como uma prova de regularidade e Endurance com andamento imposto, conduzido e controlado por Capitães de Rota que regulam a velocidade do grupo que entre dois controles é de: 20, 22,5 ou 25 km/h segundo o perfil do percurso, média horária anunciada antecipadamente para os ciclistas.

No Brasil, o Randonneé é mais conhecido pelo nome Audax, isto devido ao início da modalidade no Brasil, quando o primeiro clube chamou “Clube Audax Brasil”, extinto em 2005.