Nesta nova oportunidade reconstrutiva, desenrolaremos a história de uma bicicleta que mudou completamente de perfil. Originalmente, a bicicleta Sekai Sprint 1000, do ano de 1978, possuía inegavelmente um perfil das pistas, para um público feminino. Tal conceito era raro naquele tempo, e se tratando de Brasil, inexistente. Com 10 velocidades e componentes leves, tubos de aço Tange, e grande acabamento, evidentemente se tratava de um exemplar de elevado valor, destinada ao público que pudesse pagar por este diferencial.

Quando colocamos as mãos em uma bicicleta com esta idade e conceito, de ótimo acabamento, mas faltante de algumas peças, iniciou-se o que podemos chamar de um jornada de reflexão sobre o que poderíamos fazer com a mesma. Concluindo que a restauração não seria viável devido à inexistência de peças para recolocar no lugar das peças ausentes ou substituídas, atribuímos uma mudança de direção para esta bicicleta. A bicicleta não mais possuía aros, pedais e selim, também apresentava ausência de pintura em alguns locais que já estavam com corrosão “cariada”. Para aqueles que precisam compreender de melhor forma, a corrosão cariada é aquela que após a remoção das primeiras camadas soltas da ferrugem, demonstra pequenas saliências em baixo relevo na tubulação. Não apresentava, de forma alguma, um prejuízo estrutural, mas seria preciso alguma solução estética para o local. Cogitava-se preenchimento com solda, tipo solda prata, mas a profundidade do prejuízo poderia ser recoberta com pintura epóxi.

Com a decisão de reconstruir uma bicicleta com conceito de mobilidade urbana, de grande elegância e simplicidade, optou-se por pintura eletrostática a pó. Nos locais de prejuízo superficial, imaginava-se que fossem preenchidos pela pintura, e assim ocorreu. Com a estrutura quadro e garfo devidamente pintados na escolhida cor azul claro, partimos para a busca de peças e componentes que se encaixariam em nosso projeto. Precisávamos de paralamas, aros, cubos, guidão e o que mais fosse preciso para completar o projeto, tudo em cor de alumínio ou prata, ou algo que se assemelhasse para que não houvesse contrastes dentro deste trabalho.

Nenhuma peça original da bicicleta foi utilizada. Partimos para o garimpo de peças usadas em bom estado e de peças novas. A relação de marchas, agora, para uma bicicleta de passeio e mobilidade, foi a opção mais popular da Shimano no conceito de cubos de marchas internas, com o Shimano Nexus Inter 3, com dispositivo de freio tipo contrapedal. Este cubo traseiro possibilitaria a eliminação de qualquer outro sistema de freio que necessitasse de cabos, pois era desejado o aspecto limpo e minimalista. Os aros em alumínio fosco, raios de inox e pneus totalmente pretos descreveram uma montagem de roda bastante limpa e refinada. As rodas, agora 700, antes eram de 27 polegadas. O tamanho dos aros não mudava muito, mas a quantidade de opções para pneus de medida 700 é muito maior do que as opções da antiga 27. Para quem desconhece, a medida 27 era extremamente comum em bicicletas do tipo road do passado, tal como Monark, Caloi e Peugeot 10 encontradas no Brasil nas décadas de 70 e 80. O selim de cor branca foi uma decisão que permitiria esta impressão da delicadeza e destino ao público feminino. Uma aparência que se encaixaria perfeitamente em um conceito do Cycle Chic. O guidão e mesa, de Cr-Mo (cromolibdênio), de acabamento niquelado, foram um verdadeiro achado. Permitiu-se a aplicação sem destoar, sem necessidade de providenciar uma pintura apenas para estas peças.

A bicicleta em condições funcionais precisava de uma finalização. Foi então que encontramos um par de paralamas de grande qualidade, como pode ser visto nas imagens, e que ficou exatamente como deveria parecer: como um acessório que nasceu para esta bicicleta. Para fixar os paralamas, também o canote de alumínio de selim, utilizamos parafusos de inox, pois mesmo com o passar do tempo eles se apresentariam com qualidade aparente. O resultado foi esta bicicleta de aparência muito elegante, simples, mas de qualidade ímpar.

Uma bicicleta tem um papel importante em uma sociedade que necessita de novas ideais e mudanças. O velho deve renovar-se, transformar-se em novo, ser modernizado de forma inteligente. O conceito de renovação está em alta por motivos necessários, precisamos dar finalidade para os objetos do passado que podem ser recuperados, reciclar o que não pode ser usado, e construir com inteligência novos produtos para uma versatilidade que possibilita a renovação. O destino desta bicicleta, de forma alguma poderia ser uma restauração de qualidade, e tampouco o fim! Esta bicicleta merecia e deveria voltar às ruas e foi justamente esta decisão que transformou uma bicicleta da velocidade em uma bicicleta da mobilidade. Fica comprovado que bicicleta é um veículo, um instrumento de trabalho que atravessa os tempos, pois mais de 30 anos depois ela pode ser utilizada novamente nas ruas de uma cidade que pensa verdadeiramente em mobilidade, como esperamos das cidades do Brasil, e como será um dia. Até lá, esperamos que ela continue rodando, encantando a todos por onde passar.

Crítica de reconstrução

O sistema de marchas internas da Shimano é altamente eficiente e funcional. Ele é encontrado, hoje, facilmente no mercado brasileiro em um kit que acompanha também pedivela e corrente. Contudo, não fica claro em lugar algum porquê o fabricante ou distribuidor não disponibiliza também o cubo dianteiro, que faria par com o cubo de marchas internas. Fica extremamente trabalhoso encontrar apenas um cubo dianteiro para fechar o par, uma vez que quase todos os fabricantes de cubos disponibilizam apenas os pares ao mercado brasileiro.

Mais detalhes deste trabalho em www.bikesdoandarilho.com