A história da humanidade é construída através de pesquisas. É importante ressaltar que qualquer pesquisa sempre leva a assinatura de alguém, o que por sua vez faz com que a história contada tenha sempre um viés, ou seja, sempre há uma versão dos fatos.

A história da bicicleta não foge à regra. É interessante ler as diversas versões sobre o seu surgimento e desenvolvimento. Mudam personagens, fatos, acontecimentos, interesses culturais, religiosos e políticos, assim como muda a compreensão dos acontecimentos dependendo da profundidade de um texto.

Um dos melhores exemplos destes caminhos e versões da história é a famosa bicicleta de Leonardo da Vinci, que hoje se sabe tratar-se de uma fraude cometida por um monge, o real autor do desenho. Antes de conhecimento do fato, a Escola de Bicicleta, apoiada em inúmeras fontes de pesquisa, divulgou o texto que se segue:

O primeiro projeto conhecido de uma bicicleta é um desenho de Leonardo da Vinci sem data, mas de aproximadamente 1490. Só foi descoberto em 1966 por monges italianos.

Os princípios básicos de uma bicicleta estão lá: duas rodas, sistemas de direção e propulsão por corrente, além de um selim. Mas o posicionamento do eixo de direção faz com que a bicicleta dobre no meio, o que teria feito que Leonardo ou qualquer um tivesse muita dificuldade para manter o equilíbrio.

Mesmo antes de Leonardo da Vinci já existiam brinquedos de duas rodas. Há referências em pinturas feitas em vasos, murais e relevos.

A história da bicicleta que é contada pela Escola de Bicicleta a seguir está baseada em pesquisas de livros americanos, ingleses, franceses e espanhóis, e tem por intenção dar uma linha básica sobre os fatos.

Desde os primeiros momentos da história da humanidade, foi se formando uma cultura de veículos sobre rodas. Carroças, carruagens, carrinhos de mão e outros veículos existem muito antes do surgimento de um veículo de duas rodas em linha, que hoje conhecemos como bicicleta. É muito possível que bicicletas, usadas como brinquedos, tenham existido antes mesmo do surgimento da bicicleta de Conde de Civrac, como mostram desenhos e pinturas feitas em vasos e relevos. A verdade é que com o nobre Conde de Civrac começa a divulgação, portanto a história atual, da bicicleta.

Antes de 1800

Só aparecerá documentação que prova a existência de veículos de propulsão humana após a Renascença e a maioria deles eram pequenos veículos de três ou quatro rodas.

Em 1680, um construtor de relógios alemão, Stephan Farffler, que era paraplégico, construiu para si primeiro uma cadeira de rodas de três rodas e depois outra de quatro, ambas movidas por um sistema de propulsão por alavanca manual.

Várias outras referências de veículos de propulsão humana são encontradas até 1800, todas construídas na forma de carruagem.

Duas rodas

A história da bicicleta começa de fato com a criação de um brinquedo, o “celerífero”, realizado pelo Conde de Sivrac. Construído todo em madeira, era constituído por duas rodas alinhadas, uma atrás da outra, unidas por uma viga onde se podia sentar. A máquina não tinha um sistema de direção, só uma barra transversal fixa à viga que servia para apoiar as mãos. A brincadeira consistia em empurrar ou deixar correr numa descida para pegar velocidade e assim tentar manter-se equilibrado de maneira muito precária por alguns metros.

Pelos desenhos existentes, sabe-se que era muito pesada e rígida, e com o piso irregular das ruas e estradas de terra devia pular e socar o passageiro. Como não tinha freio e sistema de direção, quem a experimentou descobriu o medo de um tombo ou colisão eminente e praticamente inevitável.

Barão von Drais: invenção do equilíbrio

O alemão Barão Karl von Drais, engenheiro agrônomo e florestal vindo de família de posses, pode ser considerado de fato o inventor da bicicleta.

Em 1817, ele instalou em um celerífero um sistema de direção que permitia fazer curvas e com isto manter o equilíbrio da bicicleta quando em movimento. Além do mais, a “draisiana” vinha com um rudimentar sistema de freio e um ajuste de altura do selim para facilitar o seu uso por pessoas de diversas estaturas.

A possibilidade de sentar-se num selim parecido a uma sela de cavalo e apoiar os pés no chão, de direcionar a máquina e manter o equilíbrio por longos trechos, e ainda frear, permitia ao condutor o controle da situação e uma sensação de conforto e segurança.

O princípio para movimentá-la era bastante simples: sentado no selim da draisiana com os pés apoiados no chão bastava sair andando ou correndo até que se chegasse ao equilíbrio. A partir daí o condutor levantava os pés até que fosse necessário mais impulso para manter a velocidade e o equilíbrio. No plano, conforme a situação do piso, era possível ir mais rápido do que a pé. Nas descidas, a velocidade era quase impensável para a época.

A novidade foi patenteada em 12 de janeiro de 1818, em Baden e em outras cidades europeias, incluindo Paris. O Barão von Drais então passou a viajar pela Europa fazendo contatos para mostrar seu produto, mas suas qualidades de vendedor eram ruins e ele acabou ridicularizado e falido.

Máquina funcional

Mesmo patenteada, surgiram cópias da draisiana, e algumas mais desenvolvidas. Em pouco tempo, o ferro foi introduzido em sua construção, o que melhorou sua funcionalidade e proporcionou que alguns novos projetos possuíssem um sistema de suspensão no selim ou mesmo nas rodas.

Apareceu também quem soube tirar proveito comercial da nova invenção vendendo ou alugando. E no dia 20 de abril de 1829 aconteceu a primeira competição em Munique. Envolvendo 26 draisianas, ela foi realizada numa distância de 4,5 km e seu vencedor cumpriu o trajeto em 31,5 minutos, a uma média de 8,6 km/h, um feito para a época.

Ao que tudo indica, desde que as primeiras draisianas foram para as ruas, sempre se pensou em dotá-las de um sistema de propulsão que não fosse feito pelo andar do seu condutor. A primeira a ser adaptada com pedais surgiu em 1839, criada pelo ferreiro escocês Kirkpatrick Macmillan. Ele aproveitou o conceito da máquina criada por Drais, redesenhou a viga central que liga as duas rodas, e adaptou um sistema de propulsão por pedais em balanço ligados a um virabrequim no eixo da roda traseira por meio de alavancas. O ciclista acionava o sistema em paralelo à roda dianteira, com os pedais se movimentando para frente e para trás. A bicicleta funcionava bem, mas mesmo assim não se popularizou.

A criação do velocípede

Pedais na roda dianteira

Pierre Michaux, um carroceiro da cidade de Brunel, França, recebeu em sua oficina uma draisiana para reparos. Depois de pronta, colocou seu filho para usá-la e este a achou muito cansativa. Michaux então passou a pensar em algum sistema de propulsão que fosse ligado diretamente a roda dianteira e que fizesse o deslocar da máquina mais fácil. Acabou redesenhando todo o projeto original da draisiana, criando um quadro de ferro e um sistema de propulsão por alavancas e pedais na roda dianteira. Pai e filho gostaram tanto do resultado que acabaram por optar pela sua fabricação. Estava criado o que viria a ser chamado de “velocípede”. Michaux teve a esperteza de dar um de seus velocípedes para o filho de Napoleão III e isto abriu as portas comerciais de seu produto.

Pierre Lallement, ferreiro e carroceiro francês, afirmava ter inventado a mesma máquina antes de Michaux. Ele acabou se mudando para os Estados Unidos, onde veio a fabricar seus velocípedes, com patente requerida em 1866, mas seus negócios não foram bem. Acabou falido.

Hoje se sabe que houve bicicletas e velocípedes com pedais anteriores às de Michaux ou Lallement, como um modelo feito por Philipp Moritz Fisher em 1853, dentre outros. Movido pela Revolução Industrial, o desenvolvimento de veículos de tração humana, a maioria com quatro rodas, ganhou grande impulso. Os projetistas perceberam a importância que um veículo menor e mais barato, mais fácil de produzir e vender, teria sobre a vida de todos, e não estavam errados.

Revolução Industrial

A Revolução Industrial começou no século XVIII, mas foi o século XIX um momento muito especial na história da humanidade, com uma impressionante revolução de ideias, conceitos, inúmeras realizações e transformações sociais. As grandes capitais do mundo passaram a realizar grandes exposições que mostravam o que de mais moderno havia. Foram construídos magníficos locais de exposição que algumas vezes permaneciam em pé somente durante o tempo de abertura do evento. Para se ter ideia do tamanho e importância destes eventos, basta dizer que a Torre Eiffel nasceu para fazer parte da Exposição Universal de 1889 e que depois do encerramento do evento deveria ter sido desmontada. O monumental pavilhão da exposição foi demolido e a Torre Eiffel foi mantida e se tornou um marco da humanidade.

Rapidamente os veículos movidos à propulsão humana ganharam espaço e atenção do público, acabando por aparecer com destaque nas grandes exposições. A criatividade de então não tinha limites e muito dos mecanismos, peças e engenhocas que usamos hoje nasceram nesta época, muitas delas voltadas para veículos movidos à propulsão humana.

“Bone shakers” – “Chacoalhador de ossos”

Já na exposição de Paris de 1868, ficou muito clara a importância que biciclos, bicicletas, triciclos, sociáveis e outras variantes tomariam no mercado francês e logo em seguida em toda a Europa. Neste mesmo ano foi levado para a Inglaterra um biciclo Michaux.

James Starley, um apaixonado por máquinas e responsável pelo desenvolvimento das máquinas de costura fabricadas pela Coventry, decidiu repensar este biciclo e acabou criando um modelo completamente diferente. Tinha construção em aço, com roda raiada, pneus em borracha maciça e um sistema de freios inovador. Sua grande roda dianteira, de 50 polegadas ou aproximadamente 125 cm, fazia dela a máquina de propulsão humana mais rápida até então fabricada.

Como os pedais são fixos ao eixo da roda, quanto maior o diâmetro da roda, maior é a distância percorrida em cada giro desta, portanto maior a velocidade alcançada em cada pedalada. As rodas a partir de então seriam fabricadas com medidas que atendiam ao comprimento da perna do ciclista.

O modelo foi patenteado em 1870 quando Starley deixou a Coventry e fundou a marca Ariel, onde colocou seus biciclos para venda por 8 libras em 1871, um preço que poucos podiam pagar.

Sociáveis – a revolução social

Sociáveis foram os primeiros veículos individuais ou de família. Com uma variação muito grande de desenhos de estrutura ou chassis, tendo de uma a mais de quatro rodas, movidos pela força de pernas, braços ou até mesmo dos dois juntos, estes veículos começaram a circular pelas ruas e avenidas em grande quantidade e acabaram enviando a vida nas cidades para a modernidade, para uma outra escala de velocidade, distância e liberdade individual.

Em poucos anos as sociáveis se tornaram viáveis para uma boa parcela da sociedade urbana. Eram normalmente muito mais baratas e ocupavam muito menos espaço que qualquer outra opção de transporte de então: charretes, carruagens e carroças. Qualquer opção movida por tração animal demandava muito espaço e trabalho de manutenção. Os novos veículos movidos a propulsão humana eram limpos, exigiam pouca manutenção e podiam ser guardados até dentro de casa. Permitiam cobrir boas distâncias com rapidez e alcançar uma liberdade de ação até então impensável.

Com a popularização de vários modelos, principalmente do biciclo, começaram a surgir os primeiros problemas: acidentes, disputa de espaço público, questões referentes a leis, tensão social… Começam também a aparecer triciclos e quadriciclos, que eram veículos mais sofisticados, mais seguros e que permitiam um uso sem a preocupação de uma condução esportiva quase obrigatória em bicicletas e principalmente biciclos. A indústria alcançava assim uma população mais idosa ou sedentária.

A condução destes veículos era total novidade e não havia referências sobre segurança no trânsito. Em algumas circunstâncias todas estas novas máquinas corriam mais que o conveniente, freavam menos que o necessário e não eram muito estáveis. Para a população que não usava estes veículos, o que a princípio era visto como uma interessante curiosidade passou a ser motivo de desconforto e irritação.

Clubes e grupos organizados

Por diversas razões, ciclistas organizaram-se em clubes, que realizavam grandes paradas, quase manifestações de poder. Para o público em geral, as competições eram diversão garantida, tanto melhor quando a prova era feminina e as participantes usavam calças – um espanto para os “bons costumes” de então. Surgiram clubes de mulheres, outra revolução de costume para a época. Os novos movimentos de reivindicação social da Europa na virada para o século XX, o que hoje chamamos de esquerda, logo perceberam que estes clubes ciclistas poderiam ser uma boa maneira de divulgar novos ideais sociais. Vem daí a frase até hoje muito usada: “Ao socialismo se vai de bicicleta”.

Bicicleta de segurança

Passadas décadas do surgimento dos veículos de duas rodas e propulsão humana, a imagem deixada pelos biciclos na maioria da população era de insegurança. Na última década do século XIX, começou o declínio dos biciclos de roda grande e o fortalecimento das bicicletas de segurança.

O problema com os biciclos era a insegurança. Seu condutor pedalava sentado praticamente sobre o eixo da roda dianteira e quando esta, por dificuldade de ultrapassar qualquer obstáculo maior, perdia velocidade, bruscamente arremessava o ciclista para frente e para o chão. Como a altura do selim era alta, o tombo geralmente tinha consequências sérias.

A questão da insegurança só foi resolvida com a introdução do que é chamada de “bicicleta de segurança”, que no fundo é a bicicleta que conhecemos hoje. Sua configuração com duas rodas do mesmo tamanho e ciclista pedalando entre elas resolveu também definitivamente o grave problema de equilíbrio existente nos biciclos de roda grande. Ter um comportamento previsível e relativamente seguro para o condutor popularizou o produto.

O outro ponto importante para seu sucesso foi a simplificação dos processos de produção, portanto diminuição de preço final. As rodas de uma bicicleta de segurança eram ambas do mesmo tamanho. Fabricar e montar uma roda sempre foi um processo trabalhoso e demorado, e a padronização de tamanho facilitou muito não só na produção da roda em si, mas em todo o processo de construção porque uniformizou também o tamanho dos tubos usados para garfo e quadro.

Tudo isto transformou a bicicleta em um modo de transporte simples, eficiente, mais seguro, confortável e barato que o biciclo. A transformou em um transporte de massa. A bicicleta foi levada a todas as partes do mundo com aceitação que variava de local para local, mas no geral se popularizou.

Pneus com câmara de ar: conforto e segurança

A questão do conforto ainda era pendente. Com a diminuição do diâmetro das rodas, a sensibilidade da bicicleta para irregularidades e buracos aumentou, e junto o desconforto do ciclista. Tentou-se de tudo para melhorar o conforto, de sistemas de molas no selim, rodas com dois aros concêntricos e molas, garfos com suspensão e até mesmo quadros completamente articulados.

Mas foi em 1888 que um inglês, John Boyd Dunlop, patenteou o pneu com câmara de ar. Primeiro ele foi testado em competições com total sucesso, para depois ser colocado à venda. Pouco depois, em 1891, Edouard Michelin, francês, aparece nas competições com seus pneus sem câmara de ar.

O domínio na tecnologia na transmissão por corrente também fez grande diferença, porque esta criou um efeito elástico que diminuía trancos nos pés e joelhos do ciclista. A bicicleta passaria a ser mais suave de conduzir.

Todos estes melhoramentos tecnológicos derrubaram em parte a visão de dificuldade de condução, insegurança e incômodo que foi formada nos tempos do biciclo e das primeiras bicicletas, o que fez com as novas bicicletas se popularizassem.

Surge o automóvel

Muitas foram as tentativas de criar uma máquina que se movesse por si só, sem a necessidade do uso da força animal ou humana. A maioria das criações foram grandes carroças movidas por motores a vapor que se moviam com pouca eficiência e não eram nem um pouco funcionais.

A invenção feita por Carl Benz em 1886 foi basicamente a adaptação de um motor a combustão num sociável de três rodas. A imensa vantagem desta criação era a leveza, o pequeno tamanho e a simplicidade de funcionamento, qualidades tiradas do que já existia nas sociáveis de propulsão humana e bicicletas.

E a história como sempre se repete: no início o automóvel era uma diversão para pouquíssimos, mas logo passou a ser popular entre ricos, deu seus primeiros passos como transporte de verdade, até atingir o estágio de produção industrial e a sua consequente popularização e transformar-se em transporte de massa e revolução social.

O Ford Model T, lançado no ano de 1908, é o marco do início da produção em grande escala do carro. Era muito mais barato que qualquer outra opção do mercado e ainda assim era acessível para poucos, mas não demorou muito a se tornar popular. Custava 825 dólares e já no primeiro ano foram vendidas mais de 10.000 unidades. Vinha única e exclusivamente na cor preta. A técnica para sua produção em larga escala foi tirada da experiência na fabricação de bicicletas.

Em pouco tempo, a história da mobilidade humana seria completamente transformada pela comodidade e rapidez do automóvel.

Grandes guerras

Se na virada do século XIX para o XX os Estados Unidos era um país em construção e com muito espaço para novidades como o automóvel, a Europa de então vivia situação diferente, quando não oposta.

Suas cidades seculares com suas ruas estreitas contiveram o crescimento desenfreado do uso do automóvel. Nelas, as distâncias eram pequenas, próprias para o caminhar ou a bicicleta.

Na maioria das grandes cidades europeias, o sistema de transporte de massa, com um eficiente sistema de trens, metrô, bondes e ônibus, fez o automóvel quase desnecessário. Mesmo assim, o carro cresceu.

A situação da Europa se complicou com a Primeira Guerra Mundial em 1914 e logo depois com a Segunda Guerra, que deixou os países empobrecidos e com visão de prioridades emergenciais. As economias precisaram ser reconstruídas a partir do praticamente zero e qualquer gasto desnecessário foi evitado por um bom período de tempo. Todas as políticas de redução de custos, racionalização do uso do espaço urbano e de transporte de massa ajudaram na posição do uso da bicicleta, que passa então a ser ordenada e planejada, transformando-se até em política de desenvolvimento econômico e social. O ciclismo esportivo a cada ano se tornava mais popular, o que ajudou muito em todo o processo.

A bicicleta, com o mesmo desenho de quadro que conhecemos hoje, passou a ser o modelo preferido. O biciclo de roda dianteira grande estava morto mesmo antes dos 1900. As sociáveis em forma de triciclos ou quadriciclos foram aos poucos sendo substituídas por tandens (dois ou mais lugares para ciclistas sobre uma estrutura estendida de uma bicicleta normal), reboques ou por modelos com “side car” (“carro lateral” – pequeno carro de uma roda que se encaixa na lateral de uma bicicleta normal), provavelmente porque estes modelos necessitavam de menos espaço para serem guardados do que um sociável.

Um fato mostra a importância que a bicicleta teve em certos países, em especial nos Países Baixos: os alemães, logo após a invasão da Holanda na Segunda Guerra Mundial, decretaram o recolhimento de todas as bicicletas do país como forma de desmobilizar todos os holandeses. Holandeses não perdoam este ato até hoje.

Tempos difíceis

A Segunda Guerra Mundial terminou com a Europa arrasada. Se conseguir matéria prima durante a guerra era difícil ou mesmo impossível (o que fez algumas marcas desaparecerem), no pós-guerra a situação melhorou, mas mesmo assim a indústria teve que se adaptar aos novos tempos de escassez e compradores empobrecidos. Produção com processos simplificados e padronização para economia de material, busca de redução de custos necessária, uma nova mentalidade: tudo fez com que a qualidade e durabilidade de todos produtos, incluindo a bicicleta, não fosse a mesma de antes.

A recuperação econômica da Europa Ocidental se fez com a ajuda dos Estados Unidos e neste contexto a indústria automobilística saiu de certa forma fortalecida. A bicicleta só manteve seu espaço por quê de outra forma as cidades ficariam imobilizadas.

Quase uma década após o fim da guerra, já com a economia mundial estabilizada, a bicicleta começou a perder espaço para motocicletas, vespas e outros pequenos veículos motorizados. Como saída é introduzido no mercado modelos de bicicletas com rodas pequenas e/ou dobráveis na tentativa de ganhar novos clientes. A ideia era atender tanto homens como mulheres a partir de um único quadro e resolver o problema de guardar uma bicicleta dentro de residências de área pequena, que então recebia a geração dos baby boomers.

Em alguns países ou regiões, principalmente nos Países Baixos (Holanda) e nórdicos, a política de transportes reconheceu definitivamente a importância da bicicleta não só como modo de transporte e uso inteligente do espaço, mas também como elemento de desenvolvimento social equilibrado e autossustentável.

O oriente

Os veículos de duas rodas não demoraram nada a chegar ao Oriente. Pouquíssimo tempo depois do surgimento da Draisiana, já havia algumas rodando no Japão. Existem várias referências em desenhos e gravuras. É sabido que colonizadores e missionários levaram a novidade também para a China e muito provavelmente Índia.

Desde o primeiro contato com os veículos movidos a propulsão humana de duas ou mais rodas, os japoneses sempre lhes deram muita importância. Logo estavam fabricando seus próprios modelos, e o interessante é que eram praticamente miniaturas dos europeus, simplesmente para atender a estatura média japonesa, que é bem menor que a de franceses ou ingleses.

Mesmo antes do fim do século XIX, os orientais já fabricavam bicicletas com excelente qualidade. Em 1892, Eisuke Miyata, um fabricante de armas, iniciou a produção de bicicletas e a partir daí o Japão entrou no mercado mundial de bicicletas, peças e assessórios, primeiro fabricando produtos mais simples e alguns de qualidade duvidosa. Depois das guerras, principalmente da Segunda Guerra Mundial, passaram a usar sucata reciclada como material, e acabaram criando modelos interessantes, principalmente em alumínio aeronáutico.

A partir de 1970, alcançaram um excelente nível de precisão e durabilidade e seus produtos se transformariam em referência de qualidade. Se de início os produtos eram cópias dos europeus e americanos, com o tempo foram ganhando vida e tecnologia próprias. Dois grandes fabricantes viraram referência, primeiro a Suntour e depois a Shimano, que a partir do final da década de 80 passaria a dominar completamente o mercado mundial de peças de qualidade, chegando a ser responsável por 95% do comercializado.

Os chineses vieram a tomar conhecimento sobre a existência dos biciclos logo após Michaux ter criado a sua derivação de uma draisiana com pedais. Uma missão militar enviada para a Europa em 1866 voltou com a notícia que chegou a ser publicada em jornal local. Mas a cultura local via com sérias restrições tais modernizações e perdas de identidade. As poucas bicicletas que rodaram estavam em mãos de estrangeiros, ricos e prostitutas, estas porque tinham dinheiro e uma vida livre de normas sociais.

O número de bicicletas em toda a China foi irrisório durante décadas, e as poucas geralmente se encontravam nas cidades litorâneas ou portuárias, que tinham mais contato com outras culturas. No mais, a bicicleta era ironizada ou mesmo ridicularizada. Seu uso começou a ser mais intenso para serviços públicos, policiais ou militares, mas a população civil se manteve longe da bicicleta o quanto pode.

(Fonte das imagens acima: imperialtours.net/bicycle)

Com a Revolução Comunista em 1949, a bicicleta passou a ser incentivada como política de transporte. As pequenas indústrias existentes até então foram unificadas e a China passou a ser o grande produtor mundial de bicicletas básicas – um modelo feminino, um modelo masculino e uma única cor: preta. As bicicletas eram cópias de modelos ingleses produzidos antes da Segunda Guerra Mundial. A princípio, toda produção atendia praticamente somente ao imenso e sempre crescente mercado interno, mas por causa da política externa chinesa foi possível encontrar algumas enviadas para países que também embarcaram no comunismo. A produção não dava conta da demanda e conseguir uma bicicleta nova exigia paciência de meses e até anos.

Em praticamente todos os países do Oriente, a bicicleta acabou exercendo um importantíssimo papel na sociedade. Era usada para todos os fins, do transporte individual ao de cargas, as mais diversas e algumas imensas. Não se pode deixar de lado a criação de uma versão como táxi – os riquixás. É difícil dizer onde os riquixás surgiram, se Índia ou China, mas seu uso se tornou muito comum em toda a região.

A bicicleta já era usada em todo o mundo e fabricada em praticamente todos os países que tinham parque industrial, mas não restam dúvidas que China, Taiwan e Japão passaram a ter um importante papel na história moderna da bicicleta a partir do fim do século XX. Japão primeiro, depois Taiwan, passaram a ser a base de produção dos produtos de qualidade do mercado americano, e um pouco mais tarde europeu, que é a base econômica da indústria da bicicleta, peças, componentes e acessórios.

American way of life

Para os Estados Unidos, a Segunda Guerra Mundial serviu como alavanca econômica e a definitiva explosão da cultura do automóvel. Sendo um país com área imensa e densidade demográfica relativamente baixa, as distâncias urbanas, interurbanas e interestaduais normalmente são grandes e a forma mais simples e lógica de deslocamento foi sem dúvida o automóvel. Mesmo dentro das cidades, a bicicleta acabou sendo pouco prática ou em certas situações até inútil porque a cada dia o desenvolvimento urbano se dava nos subúrbios e cada vez mais longe do centro. O uso da bicicleta então teve seus piores dias. Mesmo sua venda para crianças acabou declinando.

O que mudou um pouco esta situação foi o movimento de contracultura da década de 60 e a crise do petróleo no início dos anos 70. Neste momento, surgiu a base do que é hoje o movimento pró-bicicleta americano. Todas as culturas alternativas começaram a ver a bicicleta como antídoto ao mundo motorizado, alternativa de transporte ecologicamente correto e ideal para uma boa saúde. Aos poucos foi estabelecida uma estratégia realista de ação política pró-ciclista com a fundação de entidades que dentre outras ações contratavam um corpo de advogados especialistas em transportes e cidades.

No início da década de 70, a Schwinn, maior fabricante de bicicletas americano de então, encomendou uma pesquisa para saber por que a bicicleta era tão pouco usada. O resultado deixou claro que a principal razão era a baixa qualidade da própria bicicleta, seguido pela dificuldade de estacionar e possibilidade de roubo, e só então aparecendo a questão da segurança no trânsito. É possível que esta pesquisa tenha influenciado a revolução da qualidade que viria a acontecer nos anos 80. E até hoje esta pesquisa é considerada um norte para quem trabalha com bicicleta.

Mesmo sabendo as razões da crise, a indústria não investiu no desenvolvimento da bicicleta, peças e acessórios, o que só fez piorar a situação. Dentro do próprio setor, a bicicleta era considerada nada mais que um brinquedo. Em vez de tentar resolver o impasse, os fabricantes americanos tentaram chamar a atenção do público através de novos desenhos e soluções estranhas, tornando a bicicleta cada dia menos realista e prática, algumas vezes até delirante. Em todo este processo, o número de bicicletarias diminuiu drasticamente e praticamente todas as bicicletas passaram a ser vendidas em supermercados e magazines.

BMX

Talvez a única boa notícia naqueles tempos foi o surgimento do BMX, que foi aos poucos se estabelecendo nos Estados Unidos num longo processo desde o lançamento da Schwinn Sting-Ray em 1963, um modelo aro 20′ com banco tipo banana e guidão alto, que lembrava uma Harley-Davidson modificada. Em 1973, a Yamaha lançou a Moto-Bike, também aro 20′, mas com suspensão dianteira e traseira, e enfeites como um tanque de combustível falso e outros. Os meninos já tinham há muito a prática de “limpar” a bicicleta para usá-la em competições.

Em 1974, surgiu a primeira publicação especializada, e a partir de então o BMX decolou dentro e fora dos Estados Unidos. Em pouco tempo se tornara um fenômeno, uma escola muito popular do que havia de melhor das técnicas de pilotagem de uma bicicleta. O interessante deste esporte é que ele sempre esteve ligado à família porque suas competições eram direcionadas às crianças e adolescentes que normalmente tinham em seus pais os incentivadores, mecânicos, acompanhantes e torcedores. Neste sentido o BMX abriu um novo caminho para o uso da bicicleta como esporte e lazer. O ciclismo profissional, que até então era a referência, era praticado por um círculo restrito de apaixonados e fanáticos, fechado dentro de sua própria realidade técnica, quando não bruta. Até a própria bicicleta de estrada estava ao alcance de bem poucos. Para se ter ideia, os pneus eram colados ao aro, e para consertar um simples furo era necessário descolar o pneu, descosturá-lo, remendar o furo, costurá-lo, para finalmente colar de novo o pneu no aro. A bicicleta para o BMX era e segue sendo um modelo muito básico, de simples manuseio. E entre as crianças, tudo era festa.

Triathlon

Não se pode deixar de dar algumas linhas para o surgimento do triathlon, também na década de 70. É uma modalidade esportiva em cuja prova o participante primeiro nada, depois pedala e termina a prova correndo a pé. Seu público é limitado pelo fato de que o treinamento necessário requer a disponibilidade de muitas horas de treinamento, local e equipamento apropriado, o que custa caro. Mas foi exatamente por causa de seu público praticante, geralmente gente de boa condição social, que novas tecnologias acabaram sendo introduzidas no mercado.

Sem dúvida, estava aberta a porta para o que viria a ser o fenômeno mountain bike.

A nova revolução: qualidade e precisão

Os japoneses, que desde os primórdios da bicicleta tinham indústrias de alta qualidade, perceberam que o mercado internacional, principalmente o americano, poderia ser bom negócio se fossem apresentados novos produtos que tivessem qualidade, precisão, desenho refinado e tecnologia revolucionária que diminuísse sensivelmente a diferença entre o produto profissional e amador; e que fossem vendidos de forma inteligente e agressiva. Deu certo, e surgiram Suntour, Shimano, Tange, Araya, só para citar os maiores.

Foi usada uma lógica simples, mas muito inteligente: a bicicleta passaria a receber o mesmo tratamento industrial e comercial de quem faz sucesso: o automóvel. O resultado não tardou a aparecer. A pesquisa da Schwinn estava absolutamente correta.

Stumpjumper 1981

Empresários americanos também perceberam o momento. Desenvolveram novos produtos e fizeram contatos com indústrias japonesas para fabricá-los, de forma a baratear custos. Mike Sinyard criou a Specialized Bicycles Components, que iniciou as operações fabricando pneus para bicicleta de estrada e alguns acessórios, mas fez história quando passou a fabricar em escala uma bicicleta para uso em qualquer situação ou terreno, a Stumpjumper.

A brincadeira de um grupo pequeno de californianos residentes perto de São Francisco deixou de ser simplesmente descer as montanhas próximas, para ganhar tecnologia e vida própria. A bicicleta deixou de ser improvisada, limitada e frágil para se transformar em uma máquina robusta, precisa, leve e com uma tecnologia excitante. Em pouco tempo, o nome “mountain bike” se tornou popular e acabou ultrapassando os limites do esporte e lazer para também se transformar em ótima opção de transporte urbano. Confiável e confortável, permitiu que o ciclista fizesse o que gostaria de ter feito quando criança. Até mesmo o fato de ter um preço bem mais alto que as de supermercado se transformou em atrativo.

Juntou-se a saudável “insanidade” americana com a qualidade japonesa e a bicicleta estava salva da “extinção”. Os europeus gritaram por algum tempo que as horas deveriam ser creditadas ao ciclocross, modalidade que mistura ciclismo, barro e cross-country a pé, mas na verdade o mountain bike derrubou nichos de esporte e mercado, algo até então impensável. Parafraseando a famosa série de TV “Star Trek”, pode-se dizer que o mountain bike acabou “indo audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve (com uma bicicleta)”.

A venda das bicicletas cresceu e em 1986 teve um salto com um aumento de 80%, sendo que destas 35% eram mountain bikes. Já em 1989, foram vendidas 7,5 milhões de bicicletas somente nos Estados Unidos. Na Europa, tradicional e com larga história no uso de bicicletas, o mercado que em 1976 era de 2,3 milhões, passou a 4,5 milhões em 1990. Se o mountain bike não era um atrativo especial para os europeus, pelo menos todas as suas melhorias ajudaram muito a impulsionar a venda de outros tipos de bicicleta.

E aí é interessante fazer uma comparação entre dois momentos da história. Se na virada do século XIX para o XX é inventado praticamente tudo o que conhecemos na bicicleta de hoje, na virada para o século XXI há a introdução no setor bicicletas de tecnologias de ponta, desde a criação de materiais novos para sua construção até o repensar da ergonomia para cada uso específico. Na primeira metade dos anos 90, o uso de programas de computação permitiu que o peso fosse reduzido, chegando a 30% em alguns modelos de competição, isto sem perda de resistência ou durabilidade. A melhoria na qualidade do rodar de uma bicicleta de última geração para modelos fabricados na década de 80 foi impressionante.

Mountain bike – um aparte

O mountain bike começou a aparecer no final dos anos 70, em Fairfax, norte da Califórnia, perto de São Francisco e Marin County. Lá, viviam Gary Fisher, Charles Kelly, Joe Breeze e um punhado de “garotos” que só queriam usar a bicicleta para se divertir. E nada melhor que descer uma montanha técnica como o Monte Tamalpais. Com o tempo, a brincadeira se transformou em competição. A bicicleta normalmente usada era a Schwinn Excelsior, a mais resistente das “balloners” (bicicleta com pneus bem grossos – 3.2 polegadas), mas que pesava 30 libras (22.6 kg).

(Foto: marinji.com)

Com todo este peso, era praticamente impossível subir a montanha pedalando. As bicicletas tinham que ser evadas para o topo da montanha em um caminhão. Aos poucos elas foram sendo modificadas, primeiro com a adaptação de um sistema de freio a tambor e mais tarde com uma relação de marchas para permitir subir pedalando. Não tardou muito para que os primeiros quadros fossem especialmente desenhados e construídos para o esporte.

As descidas no monte Tamalpais foram proibidas em 1984. A trilha foi inutilizada com obstáculos para ter recuperação ambiental.

A partir de 1986, começaram as competições oficiais nos Estados Unidos. Sob as regras da NORBA, que dividia os participantes em várias categorias para premiar o máximo possível, o esporte explodiu. O primeiro campeão foi Steve Tilford, no ciclocross. Mais para frente entraria a geração vinda do BMX e então as técnicas de condução foram se mesclando e se refinando. Os europeus torceram o nariz para este esporte americano por um bom tempo.

Na mesma época, houve uma explosão de usuários urbanos descobrindo que pedalar uma mountain bike no asfalto era muito agradável. Surgiram várias publicações especializadas, algumas voltadas para competição, outras para lazer e uso urbano. O interessante é que no geral as publicações americanas têm uma preocupação muito grande não só em informar o leitor, mas em formar os novos ciclistas. É transmitida uma sólida base de princípios que visavam sedimentar o futuro da bicicleta – e de seu mercado. Não tardou muito e apareceram grandes feiras e eventos.

No início dos anos 90, começou a ocorrer a segunda revolução que o mountain bike traria: a utilização de tecnologia de ponta para melhorar o desempenho da bicicleta. Como o mercado era grande e com uma parcela boa suficiente para justificar gastos, pesquisas e experiências tecnológicas até então impensáveis acabaram sendo introduzidas no mercado.

O mountain bike teve o mérito de realizar uma grande mudança na imagem da bicicleta como um todo. Mudou praticamente tudo, do projeto do quadro e garfo, peças e acessórios; a visão e utilização da própria bicicleta, e finalmente a forma de aproveitamento social deste veículo secular. Com o mountain bike, a bicicleta dobrou uma encruzilhada da história e trouxe de volta as duas rodas para o pesado jogo dos transportes.

Bicicletas comunitárias

A primeira vez que se colocou um programa de bicicletas comunitárias disponível ao público foi em 1966 (mas algumas fontes dizem 1964, outras 1969), quando algumas bicicletas “old dutch” femininas pintadas de branco foram deixadas soltas no Centro de Amsterdam para quem quisesse usá-las. A ideia do “happening” foi de Luud Schimmelpennink, que pretendia que elas passassem de mão em mão e que se tornassem uma opção comunitária de transporte. As bicicletas acabaram confiscadas pela polícia. Luud fez tentativas de institucionalizar o projeto com a prefeitura, mas ouviu um “a bicicleta está descartada; o futuro é do automóvel”. Foram realizadas outras tentativas, mas o resultado quase sempre terminava em roubo, como em Cambridge, Reino Unido, em 1975, onde todas desapareceram quase que instantaneamente.

No começo dos anos 2000, a ideia foi retomada em algumas cidades da Europa. Dois sistemas entraram em funcionamento, um na França e na Espanha, onde a bicicleta ficava presa a um bicicletário e o usuário tinha que estar inscrito no sistema, e outro na Alemanha onde não havia bicicletário e as bicicletas ficavam travadas na rua e eram liberadas através de um código.

O sistema francês foi testado com sucesso em Lion, em 1975, e teve em Paris o maior de todos os sistemas existentes com mais de 20.000 bicicletas disponíveis. Sevilha e Barcelona tiveram um sistema com funcionamento muito parecido. O sucesso em Barcelona foi total e 3 meses depois de implantado levou às ruas 70.000 novos ciclistas. Em Paris, no seu primeiro mês de funcionamento havia 1 milhão de inscritos e filas para sair pedalando. As bicicletas tinham desenho diferenciado para dificultar o roubo e só podiam ser paradas nos bicicletários disponíveis, que estavam em média a cada 300 metros. Para usar as bicicletas, era necessário pagar uma taxa.

O sistema alemão usava bicicletas mais sofisticadas, com suspensão dianteira e traseira, e sistema de rastreamento por satélite. O modelo era um tanto pesado, mas agradável de usar. O interessante é o projeto do quadro que não permitia uma condução mais agressiva. A bicicleta podia ser parada em qualquer local, mas é inevitável que se usasse as duas travas, a ferradura de roda e o cabo para prender em qualquer local de onde a bicicleta não podia ser carregada.

Hoje em dia, o custo para o usuário de qualquer um destes sistemas é baixo se comparado a qualquer outro modo de transporte. A ideia continua sendo a mesma das bicicletas brancas: estimular o uso da bicicleta de forma a diminuir o uso do automóvel.

Na maioria das cidades da Europa e em várias cidades americanas há bicicletas para alugar. O turismo urbano de bicicleta é cada dia mais comum. Não raro se vê grupos de cicloturistas acompanhando guias turísticos ciclistas.

Projeto coasting e geometria “flat foot”

Vale a pena citar duas grandes revoluções recentes: o Projeto Coasting da Shimano e a nova geometria de quadro criada pela Electra, as “flat foot”.

Shimano, a maior fabricante de peças de qualidade do mercado mundial, decidiu no início dos anos 2000 aumentar suas vendas. Para tanto contratou a mesma companhia que criou o iPod para saber o que era de fato o mercado da bicicleta e qual o melhor passo para o futuro. Depois de pesquisas, a conclusão foi que só nos Estados Unidos havia 161 milhões de potenciais compradores de bicicletas que se sentiam esquecidos. Desta pesquisa começou a surgir uma geração de bicicletas com câmbio automático, sem cabos aparentes, e de freio contrapedal. Na Europa, o projeto vai um passo adiante e além do câmbio automático gerido por um microcomputador, o dínamo instalado no cubo acende os faróis automaticamente ao escurecer, e ainda se fala sobre um sistema de suspensão inteligente.

Electra Townie

O outro lado desta revolução que atende um público até agora esquecido é a geometria “flat foot”. A ideia é tão simples quanto genial: boa parte dos que tem medo de usar uma bicicleta é porque quando estão parados não conseguem apoiar os pés por completo no chão. Na geometria clássica com a altura correta do selim, o ciclista apoia só as pontas dos dedos quando parado. A Electra simplesmente deslocou a caixa de movimento central um pouco para frente da linha do tubo de selim, o que faz com que a perna do ciclista fique corretamente esticada ao pedalar e permita que se apoie por completo os pés no chão quando se está parado. Outro detalhe desta nova geometria é que o entre eixos da bicicleta fica um pouco mais longo, portanto, o comportamento da bicicleta fica mais estável e lento, o que oferece uma dirigibilidade mais previsível e segura para ciclistas pouco habilidosos. Para completar o pacote, a Electra deu a seus produtos um ar algumas vezes infantil, outras saudosista, e agora um pouco europeu. O sucesso é completo e vem influenciando os grandes fabricantes.

O cicloturismo

Desde o início do uso dos veículos de duas rodas, e depois com os sociáveis, já se saía da cidade para fazer viagens ou mesmo passar o dia fora no campo. Cicloturismo, de novo mesmo só o uso da palavra, e mesmo assim é provável que esta não tenha surgido ontem, mas seguramente popularizou-se recentemente.

Há documentação de usuários de biciclos fazendo longas viagens bem antes de 1880. A própria história da “draisiana” cita viagens entre cidades. Mas é com a bicicleta de segurança que as longas viagens ficarão mais comuns, isto porque elas tinham uma capacidade muito maior de levar cargas que um biciclo.

Mesmo nos primórdios da bicicleta, viajar pedalando era uma opção barata, o que acabou sendo um atrativo para muitos de classes sociais mais baixas.

Há alguns relatos sobre viajantes de bicicleta no meio do movimento hippie americano. Há também relatos de pessoas que foram pedalando assistir o Festival de Woodstock. A bicicleta nas décadas que o automóvel imperou foi uma forma de contra-cultura, e fazer cicloturismo era uma forma de passear no paraíso.

Durante muito tempo tomava-se conhecimento sobre ciclistas viajantes através de conversas em bicicletarias ou entre amigos. Sair da cidade pedalando era considerado então um ato de total insanidade.