Você sabia que o paladar do atleta sofre influência diferente em cada esporte?

Esse episódio da série olímpica do Jornal da Globo mostra um detalhe muito interessante sobre o paladar dos atletas. Diferenças alimentares entre ciclistas, ginastas e levantadores de peso causam alterações nos paladares.

Como a alimentação interfere decisivamente no desempenho, o foco passa a ser a performance, não o prazer. Quem precisa passar horas a fio pedalando, por exemplo, não tem direito ao café da manhã convencional.

“Macarrão, arroz, pra dentro da goela, às 6h da manhã, às 7h, pensando que você está se alimentando para a corrida. Às vezes a gente estava em hotéis com hospedes normais: aquelas xícaras de cappuccino, brioche, croissant, pedação de bolo, e a gente no macarrão e água com gás, sem misturar muita coisa pra não sair pela culatra o tiro” – conta o ciclista Luciano Pagliarini.

Isso ocorre porque o corpo deles funciona como um carro. Mas no caso do ciclismo, o abastecimento ocorre em movimento. Durante as provas de estrada, mulheres cruzam mais de 100 km em três horas de esforço ininterrupto. Homens rompem a barreira dos 200 km, ultrapassando seis horas sem sair da bicicleta. E, assim, eles precisam se alimentar mesmo quando estão em plena ação. E não existe margem para erro.

“Se você ficar sem uma reservazinha de energia e chegar naquele momento que precisa e não tem, se não vai mais pra frente, o pelotão vai embora e você fica plantado na estrada. Chama prego de fome. Tem até uma expressão pra isso” – diz Pagliarini.

Para não pregar é preciso se programar antes da largada: carregar bastante comida e entender quais os trechos são mais propícios para conseguir se alimentar.

Eu largava nas provas com uma maçã cortada em quatro pedaços, envelopados em papel alumínio, umas três ou quatro barrinhas energéticas. E eu gostava muito de ter umas bisnaguinhas, coisa de mimo mesmo, bisnaguinha, baguetezinha, com queijo e goiabada dentro. Aquilo dá a sensação de você estar comendo comida realmente” – explica Pagliarini.

Para muitos atletas, desfrutar da comida é quase um sonho impossível. Especialmente em modalidades que associaram, mesmo sem evidências, desempenho de alto nível com baixo peso corporal e biótipos esguios. É o caso da ginástica rítmica.

“Eu me olhava no espelho e me sentia gorda, então isso foi afetando meu paladar. Porque quanto mais eu era chamada de gorda, menos eu queria comer e mais eu sentia vontade de comer” – afirma a ginasta Angélica Kvieczynski.

Angélica é dona de seis medalhas em Jogos Pan-Americanos e viveu o drama dessa obsessão em seus anos como profissional. A rotina dela e de tantas outras ginastas envolvia visitas frequentes a balança. As atletas eram pesadas até quatro vezes por dia. E entre o treino da manhã e o da tarde, por exemplo, só podiam acrescentar 300 gramas ao peso corporal.

“Para uma criança ou adolescente que está morrendo de fome, que treinou a manhã inteira, sem comer nada no almoço, morrendo de fome, a gente pensava: o que eu posso comer para matar a fome? Se acha que eu ia pensar em comer um pouco de arroz, bife, salada, um prato saudável? Não. Por quê? Ia pesar mais de 300 gramas. Eu posso comer três barras de chocolate, que vão dar os 300 gramas. E não tomo água. Era esse o cálculo que fazíamos no almoço” – recorda Angélica.

Fernando Reis (Wander Roberto/COB).

Tem gente que vive situação oposta. Fernando Reis, do levantamento de peso, não tem outra opção que não seja comer. E comer muito.

“A alimentação deixa de ser uma parte de prazer. Porque você se alimenta mesmo quando não quer comer. Eu preciso manter meu peso corporal alto, porque, se não, não consigo brigar entre os melhores, é simples, massa versus massa. Se você tiver com peso corporal baixo você não vai levantar um peso absurdo” – explica Fernando Reis.

Ele pesa 155 quilos e precisa erguer sobre a cabeça mais de 200. Para isso, faz cinco refeições diárias, além da suplementação. O consumo pode passar das 10 mil calorias por dia, cinco vezes mais do que um adulto ativo precisa. É um esforço que gera uma situação curiosa. Quando competições acabam e vem as férias, ele vive algo bem diferente do que estamos habituados.

“A grande maioria dos atletas acaba engordando. No meu caso, eu acabo emagrecendo, porque eu paro de comer, eu tenho intervalo maior entre uma refeição e outra, e meu peso corporal começa a despencar. Aí percebo que é hora de voltar a treinar” – conclui Fernando Reis.

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