Na era da mídia social, preciosos são os refúgios que nos permitem usufruir o silêncio. Em lótus, num templo religioso ou fitando o além, as pessoas descobrem a importância de se colocarem estáticas. Em mim, a presentificação aflora pelo simples contato com a natureza.

Um desses esconderijos é o mirante da Serra da Calçada, em Brumadinho, que nem sei se é digno do status pelas dezenas de ciclistas que por lá passam nos finais de semana. Mas é quando a tarde cai que ele se isola. Talvez buscando a própria presentificação, por vezes interrompida pela minha figura solitária. Ficamos os dois ali, com a intimidade de bons amigos que aproveitam o silêncio juntos.

Pela proximidade de casa, vemo-nos com certa frequência. Vinte e cinco minutos é o tempo entre colocar a bike no carro, em Belo Horizonte, e as primeiras pedaladas na trilha que leva ao nosso encontro. O penúltimo deles se deu no último pôr-do-sol de 2018. Com o céu mais belo que nunca, sob os pés da Serra, o vale do Rio Paraopeba reinava encantado.

© Renato Perim

O mineiro da planície do Rio Doce tomou gosto pelas alturas. Quem escuta o canto da sereia da montanha, diz o poeta, não mais se livra do feitiço.

Passados vinte e cinco dias do brinde, o mundo assiste atônito a mais uma catástrofe ambiental. Como se homem e natureza fossem dissociáveis, alguém interpela: “o desastre é humanitário”. Desconecto a semântica e plugo o smartphone. Vídeos, notícias e indignação, os grupos de WhatsApp borbulham.

Bateau Mouche, Boate Kiss, Mariana, mais uma tragédia no país do futebol, privilégios e impunidade. Entre outras ocultas impostas ao cotidiano de uma massa de sobreviventes. Palavras têm sido ditas. E repetidas. Em tempos cibernéticos: compartilhadas. Aguardemos, ao menos de pé, as ações e punições que nunca virão.

A algazarra de perplexidade emudece. O silêncio da sirene ensurdece.

Bicicleta na trilha, hora de atender ao chamado da montanha. No mirante travestido de memorial, não sei se buscava consolo ou consolar. A Serra não me deu respostas. Na bruma branca, guardou para si o sol daquele fim de tarde cinza. E de outras centenas de astros que naquele horizonte se puseram para nunca mais brilhar.