A tendência de buscar exclusividade e dar um toque de personalidade à bicicleta fez nascer uma nova profissão: os estilistas da bicicleta, que entregam não só estética e acabamentos refinados, mas também conforto e uma nova experiência ao pedalar.

Quando Dora Moreira, de Vitória – ES, acabara de sair de uma multinacional e pretendia aproveitar um período sabático, sua filha lhe pediu uma bicicleta. “Mas não era qualquer bicicleta… Tinha que ser de uma cor específica e com acessórios específicos”, conta a capixaba. O desafio despertou novamente a paixão de Dora pela bicicleta e pela moda, duas culturas fortemente presentes em sua vida desde a infância.

Na verdade, o que a filha de Dora queria era personalizar a bicicleta, deixá-la com a sua cara. Esta tendência é notável atualmente. O termo chique nunca esteve tão relacionado à personalidade quanto hoje. Tanto que Dora ganhou uma nova profissão e agora é estilista de bicicletas! “Eu não comecei a fazer este trabalho como se fosse um novo negócio e até hoje tento não ficar projetando o serviço de uma maneira mercadológica. Quero poder pagar minhas contas e ser útil na vida das pessoas. A partir do momento que a bicicleta montada para a minha filha foi para a rua, começou a despertar o interesse nas pessoas, e foi assim que tudo começou. Acabei me envolvendo de maneira mágica com esse universo. Desde criança eu sempre gostava de cuidar das bicicletas lá de casa. Ficava lustrando os raios da bicicleta do meu pai e até hoje faço isso nas bicicletas dos clientes; antes de entregar, dou um trato de carinho nelas. Além disso, como sou bike anjo, tenho o compromisso de, antes da entrega, explicar para o cliente regras de trânsito relativas às bicicletas. Sinto-me responsável com a tomada de consciência das pessoas a partir do momento que elas decidem usar a bicicleta como veículo e procuro sempre orientá-las também com aulas práticas”, diz.

O publicitário José Mário da Silva Filho, de São Paulo – SP, também passou a atender clientes que querem customizar suas bicicletas, depois que ele próprio vivenciou a experiência. “A ideia veio quando eu quis reformar uma Caloi 10, ano 1976. Via muitas referências gringas nas quais os selins, fitas de guidão e outros acessórios são feitos em couro, que em minha opinião dão um visual mais rebuscado e clássico. Eu queria aquilo na minha bicicleta. Comecei a pesquisar quanto sairia para ter estes itens e logo me deparei com uma triste realidade: comprar um selim de couro e uma fita de guidão da mesma marca custaria cerca de R$ 800, quase o dobro do que gastei nela toda”, relembra.

Sem querer desistir de ter aquele acabamento em sua bicicleta, ele buscou uma alternativa. “Fiquei matutando: um selim em couro tem o forro em couro. Logo, se eu desmontar um selim comum, com a capa em nylon, poderia refazer o forro. E fiz. Mas usei tanto grampo – e mal aplicado – debaixo do selim que se eu virasse ao contrário, era um porco-espinho. Pesquisei mais sobre este tipo de trabalho, achei referências iguais ao que eu gostaria de fazer e consegui aperfeiçoar meu trabalho. Observei o que os caras fazem, que ferramentas utilizam, e aos poucos estou criando meu estilo próprio. O artesão que tem uma qualidade mais apurada é o Mick Peel, dono da Busyman Bicycles, na Austrália. Tem também o Leh Seats (EUA) e Nuova Almarc, que fazem mais forro de guidão costurados, atuaram nos anos dourados das bicicletas e voltaram a fazer peças recentemente. Gostei da brincadeira, arrumei mais dois selins velhos, reformei para ver se alguém se animava com a ideia, e vendi em três dias. Com o tempo, o trabalho foi viralizando e as pessoas foram pedindo outras coisas, como firma- pés e bolsas de selim, que poderiam ser feitas com o couro e comecei a ter uma melhor percepção do que esse tipo de material pode oferecer”.

Eliete Coelho. © Dora Moreira

Quem procura este serviço?

O público que procura estilizar sua bicicleta busca colocar um toque de elegância e estilo próprio na sua magrela. Para Dora, “as pessoas que procuram estes serviços estão em busca de algo exclusivo e inédito. Estão querendo mudar suas rotinas através da bicicleta. Estão em busca de qualidade de vida e equilíbrio. São pessoas de personalidade forte e estilo marcante, mesmo que sejam pessoas que se vistam de maneira reservada ou clássica”.

José Mário também revela que, por entregar peças feitas manualmente e sob encomenda, oferece ao ciclista a oportunidade de colocar aquele detalhe na bicicleta que ele quer para deixá-la com um melhor acabamento. Além disso, ele identifica outro público. “Há uma abordagem em que eu acabo participando muito: a restauração de bicicletas antigas, que muitas vezes são um objeto da família, ou por ser uma preferência do cliente por um visual vintage. Isso é uma alta recente no lifestyle de grandes cidades brasileiras: a bicicleta ser além de um meio de transporte, uma expressão visual e cultural”, analisa.

O trabalho de Dora e José Mário pode ser classificado na categoria Cycle Chic, pois agregam esteticamente ao cenário urbano. “Eu posso dizer que tenho uma relação com o movimento Cycle Chic desde a infância”, afirma Dora. “Minha mãe era costureira e cresci em meio a revistas de moda. Costumava brincar com a minha irmã escolhendo vários modelos, dizendo que com este eu iria ao supermercado, com aquele eu iria ao médico etc. Então, quando me deparei com o movimento, tive uma identificação muito rápida com essa brincadeira de infância. Acredito que o Cycle Chic está influenciando muitas pessoas a se locomoverem de bicicleta e tem ajudado o mercado de bicicletas no Brasil. Nas lojas onde há algum tempo só se viam bicicletas de MTB, hoje é possível ver bicicletas urbanas com qualidade, pois pedalar é chique e mais pessoas querem fazer suas atividades cotidianas com uma bicicleta”.

Hugo Domith, clientes da Dora. © Dora Moreira

Muito além de estética

José Mário também concorda que o seu trabalho tem ligação com o movimento Cycle Chic, embora não seja o único público. “Ofereço peças que, além da qualidade funcional, entregam uma atenção especial para a estética, logo, o Cycle Chic tem tudo a ver com o que produzo e também quero que se desenvolva uma proximidade considerável com este público. Mesmo com esta relação, procuro também levar esse estilo para outras situações, como por exemplo o cicloturismo. Eu participo de provas Audax usando este tipo de peças, que me atendem muito bem em questão de conforto e durabilidade”.

Outro aspecto interessante levantado por Dora é a questão da sustentabilidade. “Eu procuro realizar o sonho das pessoas, resgatar o lado lúdico de cada uma, investigo sua personalidade e crio uma bicicleta exclusiva. Mas, além disso, a ideia também é evitar o sucateamento. Por isso, partimos de bicicletas já existentes, velhas ou usadas, de preferência. A intenção é despertar a consciência das pessoas para a preservação do planeta, ainda mais por se tratar de um veículo não poluente”.

Dessa forma, o trabalho desses estilistas da bicicleta entrega mais do que beleza, mas também conforto e sustentabilidade através da personalização das suas magrelas.

O público que procura estilizar sua bicicleta busca colocar um toque de elegância e estilo próprio na sua magrela.


Dora

© Helson Moura

Meu primeiro contato com a bicicleta foi aos seis anos de idade, quando um menino que me perseguia na escola correndo atrás de mim e das outras crianças me encontrou na rua e jogou sua Berlineta na minha direção. Ele era um capetinha e eu morria de medo dele. Mas isso não foi suficiente para que eu me afastasse da bicicleta. Meu pai usava a bicicleta como meio de transporte e ver bicicletas em nossa casa era algo normal. Um ano após o incidente com a Berlineta, uma menina que morava na minha rua começou a desfilar com sua Monareta laranja. Eu não pude resistir e a pedia emprestada para aprender a pedalar. Quando estava quase conseguindo, a menina disse que só me emprestaria a bicicleta se eu pagasse, a partir daquele dia. Ela queria fios de barbante para fazer uma boneca de pano, esse seria o pagamento. Eu pedia para minha mãe me deixar ir à padaria, e quando a balconista embrulhava o pão, eu pedia que desse duas voltas com um barbante… Fazia de tudo para poder pedalar. Um dia entrei no quarto da minha mãe e avistei uma colcha na cama que tinha uma franja, e fui desfazendo e enrolando os fios para poder entregar à menina. Até que um dia ela terminou a boneca e a levou lá em casa. Para surpresa da minha mãe, ela havia descoberto onde foi parar a colcha dela. Acho que comovida por minha vontade, minha mãe acabou comprando a bicicleta da menina para mim. Na adolescência, comecei a jogar tênis e a quadra ficava cerca de 13 km longe de casa, percurso que eu fazia todos os dias de bicicleta, em Vila Velha – ES. Quando me casei, aos 20 anos, usava a bicicleta como veículo. Fazia compras no mercado, ia ao banco, correios etc. Então, a bicicleta sempre fez parte da minha vida.

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José Mário

© José Mário Arquivo Pessoal

Assim como a maioria dos ciclistas fanáticos, minha infância foi toda pedalando, e caindo, e desmontando e remontando, muitas vezes tudo errado. Mas a idade vem junto com as responsabilidades (trabalho, estudo etc.) e me afastei por um bom tempo das bicicletas. Após o término da minha faculdade, saí de Guarulhos e vim morar em São Paulo. Um amigo do meu trabalho me ofereceu uma Caloi 10 nova, edição comemorativa de 110 anos, e acabei aderindo a ela de novo, utilizando como principal meio de transporte, isso em meados de 2012. Daí em diante retomei um pouco do que eu era quando moleque: pedalando, e caindo, e desmontando e remontando bicicletas: muitas vezes errado, mas várias vezes certo.

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